O Globoplay lançou, no último dia 11, a série documental Orgulho Além da Tela, que disseca o impacto que as abordagens LGBTQIA+ tiveram sobre o público de novelas ao longo de 50 anos.

O recorte foi feito em cima de personagens que tiveram mais espaço dentro das novelas e que foram importantes para criar um diálogo com a sociedade“, afirmou a diretora geral Antonia Prado.

Ao todo, foram 50 pessoas entrevistadas entre elenco da Globo e personagens da vida real que falam sobre a construção desses personagens e o reflexo deles na sociedade”, explicou o roteirista Lalo Homrich, que concebeu o projeto a partir de sua tese de doutorado sobre o tema.

Orgulho Além da Tela não é excelente apenas pelo ótimo recorte histórico dessas produções – vai além de “Os gays das novelas“, que Vídeo Show, revistas e blogs já registraram. O melhor são os depoimentos, emocionantes e carregados de emoção, de telespectadores (e familiares) que se enxergaram na tela ou foram influenciados positivamente por tramas e personagens LGBTQIA+.

Ao cavoucar lembranças do passado, algumas com feridas, os entrevistados fazem um balanço de suas trajetórias de vida, em que a telenovela funcionou como um espelho para o mundo, no qual a realidade era refletida por meio da fantasia de tramas e personagens. Muito mais que uma ferramenta de desopilação da realidade, a telenovela trouxe respostas e reflexões e retratou para essas pessoas seus anseios e possibilidades.

Atores, autores e diretores falam dos bastidores de produções como Vale Tudo, Torre de Babel, América, Amor à Vida, Babilônia, A Força do Querer e muitas outras, sobre suas repercussões positivas e negativas. Por meio de uma linha do tempo, é possível visualizar e compreender os avanços conquistados ao longo de cinco décadas de novelas, desde o primeiro personagem gay, que não passava de alívio cômico (em Assim na Terra Como no Céu, 1970) até a mudança de sexo de Ivana em A Força do Querer e a atualidade.

Outro mérito de Orgulho Além da Tela é o mea culpa, apontando as falhas nessa evolução – que já não cabem mais na atualidade e que não devem ser repetidas. De forma didática, autores explicam, por exemplo, por que as lésbicas precisaram morrer na explosão do shopping de Torre de Babel, ou por que não foi exibido o beijo gravado entre os rapazes em América, ou por que as idosas lésbicas de Babilônia foram rejeitadas.

Muitos entrevistados questionam personagens caricatos que serviram meramente de alívio cômico na última década, abordagem hoje vista como ultrapassada, como Crô (Marcelo Serrado) em Fina Estampa e Xana (Aílton Graça) em Império, novelas reexibidas agora.

Aguinaldo se defendeu: “Acho que houve uma discussão bastante conservadora. Alguns grupos disseram que não se sentiam representados pelo Crô porque ele era pintoso. E eu fiquei muito chocado com isso porque existem gays que são daquele jeito. E foram os gays pintosos que contribuíram para que chegássemos onde chegamos, porque eles davam a cara aos tapas“.

Já o ator Marcelo Serrado, intérprete de Crô, afirmou: “Toda obra tem o seu tempo, se enquadra em sua época. Provavelmente hoje em dia, ela [a novela] seria escrita de outra maneira. E talvez também eu, como ator, fizesse [o personagem] de outra maneira“.

Foram décadas em que o gay caricato de programas de humor só causaram constrangimento em lares com homossexuais. “A gente não é algo que deu errado“, desabafou o publicitário Marcus Soares referindo-se ao bordão “Onde foi que eu errei?“, proferido pelo pai (Jorge Dória) sobre seu filho afeminado (Lúcio Mauro Filho) no Zorra Total.

Gilberto Braga, sempre sincero, foi ao ponto: “Com este personagem, acho que não ajudei ninguém“, referindo-se a Everaldo (Renato Pedrosa), mordomo “pintoso” (como disse Aguinaldo) da novela Dancin´ Days, de 1978. Em tempo: Téo Pereira (Paulo Betti em Império) sequer serviu de exemplo, não foi citado em momento algum, tampouco teve sua imagem exibida.

Como se os dois primeiros episódios (que abrangem a teledramaturgia da década de 1970 até os anos 2000) não fossem bons o bastante, o terceiro e último é arrebatador. A linha de tempo chega à década de 2010, em que as novelas passam a discutir questões de gênero, com personagens transexuais e travestis, famílias homoafetivas e os direitos da comunidade LGBTQIA+, no que concerne união estável e adoção, com tramas que exploram os avanços sociais dos últimos anos.

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Daí pra frente, não tem volta!“, encerra Fernanda Montenegro.

Entre os depoentes, o autores Gilberto Braga, Gloria Perez, Silvio de Abreu, Manoel Carlos, Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares, Walcyr Carrasco e Euclydes Marinho, o diretor e ator Dennis Carvalho, os atores Fernanda Montenegro, Mateus Solano, Antônio Fagundes, Carol Duarte, Silvero Pereira, Ary Fontoura, Alinne Moraes, Erom Cordeiro, Giovanna Antonelli e outros, além de especialistas, ativistas, formadores de opinião e telespectadores que tiveram suas vidas influenciadas por personagens LGBTQIA+.

Orgulho Além da Tela tem direção de gênero de Mariano Boni, direção executiva de Rafael Dragaud, direção geral de Antonia Prado, direção de Rodrigo Rocha, redação de Lalo Homrich e Isadora Wilkinson, produção de Beatriz Besser e pesquisa de Camila Maya e Bárbara Machado.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor