Em 2016, a estreia de Maria Helena Nascimento como autora solo na Globo foi a melhor possível. Em 9 de novembro daquele ano estreava Rock Story, sua primeira novela — após 20 anos de casa e de ter trabalhado como colaboradora de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva, entre outros — ousou ao quebrar a sequência de comédias românticas que a faixa das sete vinha exibindo com êxito e conseguiu conquistar o público com uma história simples, mas repleta de histórias convidativas e bons personagens. O resultado foi um folhetim gostoso de ser acompanhado, cujos deslizes (observados principalmente nos dois últimos meses) ficaram menores que os acertos.

A trama, que teve uma ótima direção de Dennis Carvalho e Maria de Médicis, apresentou a música como protagonista e usou o rock como elemento diferenciador. Afinal, o gênero tem cada vez menos espaço nas rádios e na televisão em virtude da dominação quase total do sertanejo, funk e afins. Portanto, tê-o como foco em um enredo foi muito benéfico e a ideia de contar a trajetória de um roqueiro decadente não poderia ter sido melhor. Gui Santiago foi um protagonista apaixonante e a escolha de Vladimir Brichta — marcando seu retorno às novelas após 12 anos —- se mostrou de uma precisão cirúrgica.

O ator deu um show vivendo um perfil nada politicamente correto e cheio de defeitos. Não foi difícil torcer por ele de imediato. Nathalia Dill, por sua vez, novamente se destacou e convenceu na pele da destemida Júlia, tendo uma clara sintonia com Vladimir. Ela ainda brilhou vivendo a gêmea Lorena e é uma pena que a irmã malvada da mocinha não tenha sido bem aproveitada pela autora.

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Já Alinne Moraes mostrou a grande atriz que sempre foi interpretando a complexa Diana, formando um excelente trio central com os mocinhos. A empresária da Som Discos não poderia ter tido uma intérprete melhor. Aliás, um dos êxitos da produção foi a escalação certa para cada personagem.

Além dos exemplos já citados, Rafael Vitti fez um Léo Régis brilhante. O cantor pop arrogante e deslumbrado seria de Chay Suede, que acabou indo para”Novo Mundo”. A mudança foi ótima para ambos. O rival de Gui despertava risos, empatia e raiva dependendo do momento da novela. O ator, uma das gratas revelações de “Malhação Sonhos”, dominou o papel com facilidade e dividiu o protagonismo da trama merecidamente. Será impossível lembrar de “Rock Story” sem citar Léo e suas fanfarronices, incluindo sua parceria maravilhosa com Ana Beatriz Nogueira. Por sinal, a intérprete da desbocada Néia deitou e rolou no humor, fugindo do dramalhão de suas personagens anteriores, ainda que tenha vivido novamente uma mãe superprotetora. Que delícia foi vê-la em cena.

O núcleo da família Régis, inclusive, foi um dos grandes trunfos do folhetim, sustentando os dois últimos meses da trama, que enfrentou uma evidente barriga. A patricinha Yasmin (Marina Moschen) protagonizou bons momentos e formou o melhor casal da novela com Zac (Nicolas Prattes). Os atores esbanjaram química e foi bom vê-los com perfis muito melhores que os de “Malhação – Seu Lugar no Mundo”, onde também viveram um par. Eles, Léo e Néia foram responsáveis por várias cenas inspiradas. E, na reta final, a entrada de Evandro Mesquita vivendo Almir, o pai trambiqueiro do cantor pop, deixou o conjunto ainda melhor, sendo necessário também citar o crescimento da importância de Ramon, interpretado pelo talentoso Gabriel Louchard em sua estreia na tv como ator — ele e Ana Beatriz formaram uma dupla perfeita, com direito a final feliz romântico. O par formado por Léo e Stefany (Giovana Cordeiro) é outro ponto que merece elogios.

A relação de Gui com Zac foi uma das mais sensíveis do enredo, destacando a boa sintonia entre os atores. A aproximação entre pai e filho foi bem desenvolvida pela autora, assim como as vilanias de Lázaro, que sempre tentou destruir o roqueiro. João Vicente de Castro convenceu vivendo seu primeiro vilão e soube utilizar o sarcasmo nos instantes que seu personagem humilhava o comparsa Ramon. Ainda no drama central, vale elogiar a boa condução da disputa pela música “Sonha Comigo”, que rendeu ótimos embates entre Gui e Léo, além de ter sido responsável indiretamente pela formação da banda 4.4. Conflitos que empolgaram e movimentaram a novela, resultando também em inspirados números musicais, parecendo shows verdadeiros. As canções fictícias eram até melhores que muitas originais que impregnam as rádios e os programas de TV hoje em dia.

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Mas os núcleos paralelos foram outros êxitos da produção. O casal formado por Nicolau (Danilo Mesquita) e Luana (Joana Borges) caiu nas graças do público e os atores foram gratas revelações. O drama do câncer do rapaz, por sinal, destacou o talento dos intérpretes, incluindo ainda a maravilhoso par Gilda e Haroldo, pais do Nic. Suzy Rêgo é uma atriz fantástica e sempre cresce em cena, o que não foi diferente nesse folhetim. Ela e Paulo Betti brilharam, tanto no humor quanto na emoção. Pena que Maria Helena Nascimento não explorou a doença do integrante da 4.4 como deveria. Poderia ter rendido muito mais. Outra integrante dessa trama foi a impagável Marisa, uma das responsáveis pelos momentos mais hilários da história. Júlia Rabello esteve ótima e teve a oportunidade que merecia, depois do subaproveitamento em “A Regra do Jogo”.

Vale citar também o trio de bandidos atrapalhados. Alex (Caio Paduan), William (Leandro Daniel) e Romildo (Paulo Verlings) bancavam os malvados, mas sempre se davam mal, que nem os vilões dos quadrinhos. Os três cresceram merecidamente na novela e mais divertiram do que praticaram vilanias. Canalha mesmo era Alex, sendo o principal responsável pelo inferno na vida de Júlia. Mas com os amigos trapaceiros ele ficava mais leve e humano. Outra situação que funcionou plenamente foi a relação amorosa de Gordo (Herson Capri) e Eva (Alexandra Richter). Um casal que nem era esperado, mas deu muito certo. Herson viveu um de seus melhores momentos e valeu ver Alexandra longe dos perfis cômicos que a perseguiam.

E a família de Nelson (Thelmo Fernandes) e Edith (Vivianne Araújo), embora alguns conflitos tenham cansado, merece ser mencionada como êxito da trama. Os atores tiveram uma boa sintonia e o contexto ficou divertido com a chegada de Glenda (Helga Nemeczyk), ex do sambista, e sua filha vigarista Amanda (Laís Pinho), para a participação no grupo Rebola Embola. Lorena Comparatto, intérprete da Vanessa, filha do casal e assistente de Diana, foi outro bom destaque.

Pena que o romance da menina com Bianca (Mariana Vaz) tenha acontecido só perto no final. É necessário elogiar mais alguns bons nomes do elenco, como João Vitor Silva (Tom), Lara Cariello (Chiara), Rocco Pitanga (Dr. Daniel), Maicon Rodrigues (JF), Cristina Mullins (Zuleica) e Thiago Justino (Luizão). Já a dupla musical Miro (Guilherme Logullo) e Nina (Fabi Bang) não funcionou. Os perfis ficaram avulsos boa parte do tempo e quando apareciam protagonizavam situações que nada acrescentavam.

No geral, a novela fluiu bem demais. Porém, no último mês os tropeços se evidenciaram. A morte precoce de Lorena, por exemplo, aniquilou o roteiro. Sem a única vilã, o folhetim ficou sem maiores conflitos e embates derradeiros nas últimas semanas. A inserção de uma máfia italiana soou ridícula e uma tentativa rasa de movimentar o final. A conclusão dos principais dramas também deixou a barriga cada vez maior. Afinal, o casamento de Júlia e Gui, a resolução da disputa de “Sonha Comigo” e a inocência de Júlia provada no tribunal aniquilaram a continuação da obra.

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É sempre ótimo quando o novelista conclui várias situações antes do último capítulo, evitando a péssima correria que prejudica tantos finais. Todos que conseguem isso merecem aplausos. Mas a autora exagerou. Terminou tudo cedo demais. O resultado foi a inserção de novos contextos que pareceram forçados, como Júlia se envolver com a máfia para escrever um livro sobre sua vida. Ou então Manu (Antônia Morais) jogar no lixo seu discurso contra o assédio para prejudicar o namoro de Léo. Ou ainda Miro se apaixonar subitamente por Eva, enfim.

A autora ainda conduziu duas situações de forma equivocada. A redenção de Jaílson (Enzo Romani) foi súbita e pouco crível. O marginal vivia ameaçando e agredindo Zac, quando do nada, passou a bancar o jovem sofrido que tinha uma mãe doente. Tudo para justificar sua entrada na 4.4. Entretanto, não convenceu. Ficou forçado, assim como a obsessão que Diana passou a ter por Gui pouco depois de Lorena morrer.

A empresária começou a criar planos para separá-lo de Júlia e até se aliou a Lázaro, que até outro dia sempre era desprezado pela ex do roqueiro. Ficou evidente a tentativa de Maria Helena movimentar o enredo sem a gêmea má. Mas não funcionou. O contexto ficou artificial e prejudicou o trabalho da personalidade complexa de Diana. Mesmo apaixonada pelo ex, ela não se prestaria a isso.

A última semana ficou voltada para poucos acontecimentos, pois tudo já estava praticamente concluído. Serviu apenas para mostrar a redenção de Diana, que conseguiu livrar Gui da prisão —-causada pela confusão no show da 4.4 que vitimou Du (Ravel Andrade) —- manipulando e seduzindo Lázaro. Também mostrou a, enfim, formação do casal “Ramonéia” através de uma linda declaração de Ramon a Néia, consagrando o par impagável que fizeram.

Ainda houve um sequestro morno de Júlia —- mesmo a autora tendo negado que haveria o manjado recurso usado em todas as novelas recentes da Globo, incluindo até “Malhação” —-, que não causou grandes emoções em virtude da situação forçada criada pela escritora (a mocinha ter ido atrás da máfia de novo e depois de ter concluído seu tal livro foi o cúmulo da estupidez).

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Já o último capítulo foi maravilhoso. A sequência do último show da 4.4 emocionou e foi bonito ver Léo Régis em paz com os meninos e Gui. A queda de Lázaro também merece menção, valorizando a humilhação de Diana, que tempos depois se casou com um quase clone de Gui. O casamento de Gordo e Eva destacou os personagens. A ideia de colocar Luan Santana preso para Lázaro lançá-lo no mercado da música foi criativo e uma grata surpresa. Vale citar ainda o retorno de Léo ao meio artístico, para alegria de Néia, e a cena final, com todo o elenco cantando com Milton Nascimento “Paula E Bebeto” (Qualquer forma de amor vale a pena), encerrando a novela. Foi lindo e de uma sensibilidade ímpar.

“Rock Story”, deixando os baixos de lado e focando somente nos altos, foi uma novela muito gostosa de ser acompanhada e Maria Helena Nascimento merece um justo reconhecimento por esse seu primeiro trabalho solo. A produção teve um bom retorno do público e recebeu merecidos elogios da crítica. Apesar da audiência menor que as duas antecessoras (“Totalmente Demais” e “Haja Coração” tiveram dois pontos a mais na média geral), deve ser considerada um êxito. Música de qualidade, bons personagens e uma história simples, mas realizada com competência. Uma ótima estreia da autora, que cumpriu sua missão com louvor. Foram bons sete meses de rock, bebê.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor