Após emplacar duas novelas policiais no horário nobre da Globo – A Próxima Vítima (1995) e Torre de Babel (1998) – o autor Silvio de Abreu voltava à faixa das sete, horário que o consagrou, com uma proposta ousada. As Filhas da Mãe (2001) foi concebida como uma comédia rasgada, feita para o público relaxar e se divertir.

Reynaldo Gianecchini e Claudia Jimenez em As Filhas da Mãe
Reynaldo Gianecchini e Claudia Jimenez em As Filhas da Mãe (divulgação/Globo)

Com um dos elencos mais estrelados de todos os tempos, encabeçado por Fernanda Montenegro, e que contava ainda com Reynaldo Gianecchini e Claudia Jimenez vivendo um par romântico, a novela tinha tudo para se tornar um grande sucesso. No entanto, não foi isso o que aconteceu e a trama se revelou um dos maiores fiascos da história da emissora até aquele momento.

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Tropa de choque

Silvio de Abreu e Fernanda Montenegro em As Filhas da Mãe (divulgação/Globo)

Silvio de Abreu enfrentou problemas em sua novela anterior, Torre de Babel. Para emplacá-la, o autor precisou abrir concessões que o desagradaram, ao ponto de ele ter cogitado não mais voltar aos folhetins. Mas ele topou um novo desafio ao receber carta branca da Globo para criar uma comédia “rasgada e despudorada” na faixa das sete, com o elenco dos sonhos.

Retomando a parceria com o diretor Jorge Fernando, que rendeu Guerra dos Sexos (1983) e outros clássicos da faixa das sete, Abreu começou a conceber sua história tendo em mente os atores com quem queria trabalhar. Assim, autor e diretor asseguraram a escalação de grandes astros da emissora, numa manobra um tanto incomum.

Fernanda Montenegro, Claudia Raia, Andrea Beltrão, Claudia Jimenez, Regina Casé, Alexandre Borges, Reynaldo Gianecchini, Raul Cortez, Francisco Cuoco, Tony Ramos… As Filhas da Mãe só tinha atores do primeiro escalão.

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Cordel urbano

As Filhas da Mãe - Andréa Beltrão, Bete Coelho e Claudia Raia
Bete Coelho, Andréa Beltrão e Claudia Raia em As Filhas da Mãe (Divulgação / Globo)

Para amarrar tantas estrelas e seus personagens criados sob medida, o autor criou um enredo até simples: uma família que estava separada volta a se reunir por conta de uma herança. Mas a graça já começava no nome: A Incrível Batalha das Filhas da Mãe no Jardim do Éden.

Na história, Fernanda Montenegro era Lulu de Luxemburgo, uma famosa diretora de arte de Hollywood – que ganhou um Oscar logo na primeira cena da trama – que volta ao Brasil depois que seu ex-marido Fausto (Francisco Cuoco) dá um golpe nos sócios Manolo (Tony Ramos) e Arthur (Raul Cortez) e desaparece. Com isso, Lulu precisa se reunir com seus três filhos: Alessandra (Bete Coelho), Tatiana (Andréa Beltrão) e Ramon, que se tornou Ramona (Claudia Raia) após uma cirurgia de redesignação sexual. Juntas, elas precisam decidir o que fazer com o resort Jardim do Éden, o empreendimento da família.

Havia ainda uma “quarta filha”, Rosalva (Regina Casé), uma herdeira até então desconhecida de Fausto que entra na disputa pelas mãos do vilão Adriano (Thiago Lacerda), que planeja dar um golpe.

Misturando chanchada, farsa e humor nonsense, As Filhas da Mãe era definida pelo próprio autor como um “cordel sulista”. Daí a ideia da utilização de raps que ajudavam a narrar a história e amarrar a trama.

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Não deu certo

Reynaldo Gianecchini, Raul Cortez e Alexandre Borges em As Filhas da Mãe (divulgação/Globo)

A expectativa era alta: grande elenco, texto inspirado, direção criativa e produção caprichada. Todo mundo acreditava que As Filhas da Mãe seria mais um grande sucesso de Silvio de Abreu no horário das sete. Mas não foi bem assim. A trama entrou no ar em 27 de agosto de 2001 e derrubou os índices da faixa para números alarmantes.

Na época, avaliou-se que o público não aceitou bem algumas ousadias, como os raps, que, aos poucos, foram reduzidos. Além disso, como o elenco era estelar, não havia protagonistas e coadjuvantes. Com isso, faltou a figura de um “herói”, um mocinho ou mocinha pelos quais o público pudesse torcer.

O fato de ter atores de peso também desequilibrava a novela, já que era preciso dar destaque a todos os personagens. Assim, a narrativa exigia certa agilidade, que não foi bem compreendida pelo público da época.

Por fim, As Filhas da Mãe penou com a concorrência da vida real. A trama estreou em meio a fatos impactantes, como o sequestro de Patrícia Abravanel, filha de Silvio Santos, e o ataque terrorista ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001. Com isso, os noticiários policiais da concorrência ganharam audiência. A novela mexicana Carinha de Anjo, do SBT, também roubou uns pontinhos da comédia global.

Encurtamento

Claudia Ohana e Tony Ramos em As Filhas da Mãe (divulgação/Globo)

Por conta do fracasso de As Filhas da Mãe, a direção da Globo solicitou alterações na trama a Silvio de Abreu. O autor, no entanto, não quis mexer em sua ideia original, o que fez o canal tomar a drástica decisão de encurtar a novela em mais de 60 capítulos. A trama fechou com 125 capítulos, saindo do ar em janeiro de 2002.

Na época, Silvio de Abreu revelou, em entrevista à Folha de S. Paulo, que ficou assustado ao constatar que o público não compreendia a novela.

“Eu queria fazer algo mais sofisticado. As pesquisas mostraram que o público não entendia nada da novela. Nem mesmo percebia que era uma comédia. Eles enxergavam como drama. Não sabem o que é Oscar, Hollywood ou transexual, não têm referências, e, mesmo que eu explicasse, continuariam não entendendo. Não há compreensão intelectual, só emocional. Acharam bonita a relação da Ramona com o Leonardo, mas não entenderam o preconceito dele que impedia o romance”, explicou o novelista.

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André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural. Cresceu acompanhado da “babá eletrônica” e transformou a paixão pela TV em profissão a partir de 2005, quando criou o blog Tele-Visão. Desde então, vem escrevendo sobre televisão em diversas publicações especializadas. É autor do livro “Tele-Visão: A Televisão Brasileira em 10 Anos”, publicado pela E. B. Ações Culturais e Clube de Autores. Leia todos os textos do autor