Deu trabalho: novela que resgatou carreira de veterana estreava em 1980
06/11/2024 às 12h25
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Dercy Gonçalves, todo mundo sabe, nunca teve muito filtro, talvez por isso fosse tão querida pelo público. As entrevistas eram aguardadas para conferir a sinceridade da atriz e comediante, que nunca mediu palavras para se expressar – ou melhor, palavrões. E justamente por sua verve, digamos, autêntica, Dercy foi a vida toda vigiada pela censura e pelos guardiães da moral, da ordem pública e dos bons costumes.
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Por dedicar sua carreira ao teatro e a programas de televisão próprios, Dercy Gonçalves demorou para começar a atuar em novelas. E sempre que o fez, era uma temeridade para roteiristas e diretores: a atriz improvisava muito e mal seguia roteiros, acostumada que estava no teatro e em seus programas de TV.
Agora, imagine o trabalho da edição em tempos em que a TV era subjugada pela censura do Governo Militar!
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Retorno
Há 42 anos (em pleno governo do General João Figueiredo), estreou a primeira novela com Dercy: Cavalo Amarelo, de Ivani Ribeiro, produzida pela TV Bandeirantes (hoje chamada de Band). Deliciosa comédia que aproveitava o seu humor histriônico em uma personagem criada especialmente para ela, que estava afastada da telinha há algum tempo: Dulcineia, empresária de um teatro de revista, cheio de vedetes. Neste ponto, a trama tinha afinidades com a vida da artista, não que fosse baseada nela.
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Dulcineia, ex-vedete de teatro rebolado, administrava a sua própria casa de shows, mas penava para pagar os alugueis atrasados do espaço. Sem papas na língua, desbocada e de modos por vezes grosseiros, a personagem falava o que vinha à cabeça, mas tinha um bom coração – apesar de sua malandragem e métodos nem sempre lícitos.
Um prato cheio de possibilidades para a autora Ivani Ribeiro, que certamente acatava os cacos de Dercy com gosto. Também trabalho dobrado para os censores de Brasília. O pesquisador Cláudio Ferreira narrou em seu livro “Beijo Amordaçado – A Censura às Telenovelas Durante a Ditadura Militar”:
“Os censores (…), ao examinarem o capítulo 15, fizeram uma observação curiosa: ‘Recomendamos que seja solicitado o abrandamento dos pronunciamentos de Dulcineia que, além de fugirem constantemente do texto previsto, estão a cada dia se tornando inconvenientes para o horário a que se destinam. Informamos que a personagem é representada pela atriz Dercy Gonçalves’.
Pareceu um alerta: cuidado é Dercy Gonçalves!
Desbocada
A fama de desbocada da comediante a perseguiu durante toda a novela. No capítulo 26, os censores retiraram as expressões ‘xiriba’ (umbigo) e ‘Lelé da cuca tá a sua progenitora!’. Argumentaram que ‘os tais termos ficam engraçados pela maneira que estão colocados e pela personagem da atriz’.
No capítulo 32, a censora Eni Martins França Borges foi mais direta ao vetar a expressão ‘porque não sai nem com bicarbonato’. Ela justificou: ‘Em se tratando por personagem interpretada por Dercy Gonçalves, tal frase tem sentido conotativo direto com ejaculação’. Quê?!
Cavalo Amarelo estreou no dia do aniversário de Dercy, 23 de junho – de 1980, quando ela completou 73 anos. A comediante faleceu em 19 de julho de 2008, aos 101 anos. Se viva fosse, Dercy estaria completando 115 anos neste dia 23 de junho.
AQUI tem tudo sobre Cavalo Amarelo: a trama, elenco completo, personagens, trilha sonora e mais curiosidades.