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A atual novela das nove, assinada por Gloria Perez, segue enfrentando muitos problemas de desenvolvimento. Travessia teve um início turbulento, com forte rejeição do público e da crítica.
Reprodução / GloboA trama está entrando em seu sexto mês de exibição e pouca coisa mudou desde então. A sensação de falta de história é constante. E a dificuldade na criação de conflitos bem estruturados ficou evidente até no núcleo protagonizado por Helô (Giovanna Antonelli), Stenio (Alexandre Nero) e Creusa (Luci Pereira), usado como chamariz antes da estreia da produção.
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Os três personagens roubaram a cena em Salve Jorge, escrita por Gloria e exibida entre 2012 e 2013. A novela também foi massacrada por público e crítica na época. Além do enredo fraco e das situações absurdas, a trama sentiu o peso de substituir o fenômeno Avenida Brasil (2012). No entanto, o trio foi um dos poucos acertos e caiu nas graças dos espectadores.
A química da delegada com o advogado foi arrebatadora. O casal ofuscou os mocinhos – Theo (Rodrigo Lombardi) e Morena (Nanda Costa). Helô e Stenio viraram os protagonistas morais do folhetim. O amor que a empregada, Creusa, sentia por seus patrões deu um toque especial ao enredo e o trio apresentou uma sintonia perfeita.
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Casal sem filha
O anúncio do retorno dos personagens em Travessia, dez anos depois, despertou curiosidade, além de ter feito a alegria do ‘fandom Steloísa’, criado por várias fãs do casal há dez anos e que até hoje se mantém ativo nas redes.
Também era a chance da autora criar novos dramas para o trio, já que na época os principais conflitos eram as idas e vindas do par, incluindo a relação pouco amistosa com a filha, Drika, interpretada por Mariana Rios.
Aliás, a herdeira de Helô e Stenio é totalmente ignorada na atual novela. E não faz falta. A verdade é que a personagem era bem deslocada em Salve Jorge porque um dos muitos problemas da produção era o excesso de atores, o que implicava em várias figurações de luxo.
E nem mesmo se Gloria Perez quisesse conseguiria trazê-la de volta porque a atriz hoje em dia é contratada da Record, onde trabalha como apresentadora. Mas, ao menos uma única menção a Drika era necessária.
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Escadas
Já os novos conflitos de Helô e Stenio não são nada novos. O que o público tem visto há mais de cinco meses são as mesmas idas e vindas que aconteciam há 10 anos. É uma delícia ver Giovanna Antonelli e Alexandre Nero em cena. A química dos atores segue apaixonante, tanto nos instantes de briga quanto nos de reconciliação. Eles já protagonizaram cenas ótimas.
Porém, o público e os fãs do casal mereciam mais. Os dois não têm dramas próprios. Helô virou uma delegada especializada em crimes digitais e está desde a primeira semana envolvida no interminável embate entre Moretti (Rodrigo Lombardi) e Guerra (Humberto Martins).
Ela ainda serviu de “escada” para a disputa, também infinita, entre Brisa (Lucy Alves) e Ari (Chay Suede) pela guarda do filho. Recentemente, foi a salvadora de Laís (Indira Nascimento) porque desvendou o mistério do desaparecimento do filho da amiga.
E Stenio? A situação do advogado consegue ser pior. O personagem tem como principal função ser o conselheiro de Moretti e apagar os incêndios (que estão mais para brasas) que seu cliente provoca.
Talento desperdiçado
O único conflito que a autora criou para o casal foi uma trama bastante inverossímil envolvendo mafiosos, que nunca despertou o menor interesse. Os bandidos interpretados por Cláudia Mauro e José Rubens Chachá estão há tempos vigiando a dupla e a breve sequência de ação exibida há algumas semanas não teve impacto algum.
O pior é que nem Creusa tem um conflito para chamar de seu. Gloria Perez colocou a personagem como madrinha de Brisa, a mocinha. Ou seja, seria um bom gancho para uma relação mais próxima e um aprofundamento da personagem, que em Salve Jorge não tinha família, enredo, nada. Era só a empregada engraçada.
Infelizmente, Creusa segue sendo apenas a empregada bem-humorada. As cenas da ótima Luci Pereira com Giovanna e Alexandre são sempre boas por conta do entrosamento dos intérpretes. A veterana merecia uma trama própria. A escritora contou na coletiva que Creusa viraria uma influenciadora digital por conta de suas receitas. Provavelmente, por conta da rejeição da novela e das modificações que Gloria precisou fazer, essa parte acabou esquecida.
Retornos
A volta de personagens marcantes na teledramaturgia não é algo raro. Normalmente, é o próprio criador que traz a sua criatura para uma outra história. Mas também há ocasiões em que escritores fazem homenagens e colocam personagens de seus colegas para alguma breve participação. É um recurso mais comum do que se imagina.
Os mais lembrados são Dona Armênia (Aracy Balabanian) e suas “filhinhas”, que foram criados por Silvio de Abreu em Rainha da Sucata (1990) e retornaram em Deus nos Acuda (1992), do mesmo autor, que fez a mesma coisa com o icônico Jamanta (Cacá Carvalho) – personagem de sucesso de Torre de Babel (1999), resgatado em Belíssima (2005).
Recentemente houve outra situação, mas com escritores diferentes: Rosane Svartman trouxe de volta William (Diego Montez), perfil criado por ela e Paulo Halm em Bom Sucesso (2019), no primeiro capítulo de Vai na Fé, ao lado de Alexia Máximo (Deborah Secco, foto), uma das protagonistas de Salve-se Quem Puder (2020), de Daniel Ortiz.
Portanto, o retorno de Helô, Stenio e Creusa em Travessia não foi uma novidade. Pode até ser classificado como um clichê. Só precisava ser melhor trabalhado em respeito aos atores e ao público que tanto gosta do trio. Glória Perez resolveu homenagear seus personagens de Salve Jorge, mas esqueceu de criar um enredo melhor para eles. Pena.