Despedida de grande atriz, pressa e vingança: os segredos de novela que estreava em 1988

Fera Radical estreava na tela da Globo há exatamente 33 anos, em 28 de março de 1988. O folhetim centrado nas desventuras da vingativa Cláudia (Malu Mader) reserva inúmeras curiosidades de bastidores.

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E o TV História resgata todas elas neste especial:

– No início de 1988, a Globo cogitava manter as produções de época às 18h. Após Benedito Ruy Barbosa com Sinhá Moça (1986), Walther Negrão com Direito de Amar (1987) e Daniel Más com Bambolê (1987), o horário receberia Alcides Nogueira com Amor Perfeito, baseada em obras de Visconde de Taunay. A direção executiva ficaria a cargo de Maurício Sherman, então na linha de shows (Chico Anysio Show, Globo de Ouro e Som Brasil), após um período na Manchete.

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– Até que Daniel Filho, então diretor da Central Globo de Produções, e Boni, vice-presidente de operações da emissora, determinaram a troca de comando: saiu Sherman, pouco habituado ao departamento de teledramaturgia; entrou Paulo Ubiratan, após um ano de férias – período no qual tratou da saúde. O atraso no cronograma, causado pela mudança de direção, determinou o cancelamento de Amor Perfeito; já não havia tempo hábil para a confecção de cenários e figurinos.

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– A suspensão do folhetim também se deu em razão dos elevados custos de produção; o roteiro previa sequências que reconstituiriam a Guerra do Paraguai, em 1865. Ainda, o desejo de poupar Alcides Nogueira, lançado como titular na equivocada De Quina Pra Lua (1985); promissor, Tide (como é carinhosamente chamado pelos colegas de profissão), poderia sair “queimado” de uma segunda novela desastrosa.

– Para desenvolver a sinopse de Fera Radical, Negrão recorreu a um projeto engavetado. O Centauro trazia para o centro da narrativa uma espécie de Capitão Rodrigo (herói de O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo) moderno que serviu de base para o personagem de José Mayer (Fernando Flores).

– Já a protagonista nasceu a partir da escalação de Malu Mader. Diante da incumbência de criar um papel para a estrela – destaque no ano anterior com O Outro, às 20h – Negrão foi buscar inspiração em um antigo folhetim de sua autoria, Cavalo de Aço (1973). Inverteu-se apenas o sexo dos protagonistas: Cláudia correspondia a Rodrigo (Tarcísio Meira), rapaz que volta à cidadezinha onde nasceu para vingar a morte da família. E que, tal e qual Cláudia, sempre surgia em cima da moto.

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– Do elenco escalado para Amor Perfeito, foram mantidos em ‘Fera’ a promissora Cláudia Abreu (Ana Paula), Denise Del Vecchio (estreando em novelas da Globo, como Olívia) e o galã Thales Pan Chacon (Heitor), que despontou para o estrelato em Helena (1987), na Manchete. Deborah Evelyn, por sua vez, foi remanejada para o próximo cartaz das 19h, Bebê a Bordo.

– Anos mais tarde, Amor Perfeito saiu do papel, tendo Malu Mader como protagonista e com o nome de Força de um Desejo, uma readaptação de Alcides Nogueira da sinopse apresentada em 1988, feita em parceria com Gilberto Braga. Na versão que não foi ao ar, o papel de Mader (a cortesã Ester Dellamare) estava reservado à Maria Zilda Bethlem, também deslocada para Bebê a Bordo; Pan Chacon respondia pelo personagem equivalente ao de Fábio Assunção (Inácio) e Castro Gonzaga, o de Reginaldo Faria (Barão Henrique Sobral).

– Além de Cavalo de Aço, Fera Radical remetia ao clássico do teatro A visita da velha senhora, de Friedrich Dürrenmatt, convertido no longa-metragem A Visita (1964), com Ingrid Bergman e Anthony Quinn. E base de outras novelas, como Os Inocentes (1974), de Ivani Ribeiro, e Chocolate com Pimenta (2003), de Walcyr Carrasco.

– Também inspiração na série norte-americana Dallas (1978), que retratava os conflitos da família Ewing, proprietária de uma empresa de petróleo e de fazendas de gado, liderada pelo controverso J. R. (Larry Hagman). A Globo exibia a produção aos domingos, depois dos Gols do Fantástico.

– Na primeira versão da sinopse, a personagem de Carla Camurati, Marília, atendia por Fátima. E era formada em arquitetura.

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– Numa análise da trama, escrita para o jornal O Globo em julho de 1988, Walther Negrão citou o signo de Cláudia: a mocinha de caráter dúbio era taurina.

– O título provisório de Fera Radical, A Intrusa, foi considerado brega pela direção da Globo. Também ventilaram a hipótese de nomear o folhetim como A Vingança. Por fim, veio Fera Radical, ideia de Daniel Filho, que ouviu a expressão – comum aos surfistas, para se referir a vencedores – nas ruas do Rio de Janeiro.

– Para a abertura, o produtor Sérgio de Carvalho sugeriu ‘A Cura’, hit de Lulu Santos. Mas Boni optou por ‘Fera Radical’, composição de Lincoln Olivetti e Maria Carmem Barbosa, produzida por Guto Graça Mello, que catapultou a carreira da cantora Solange. Composta especialmente para a novela, ‘Fera Radical’ contava com uma instrumentação eletrônica que remetia ao som da moto e dos computadores de Cláudia.

– A Globo aproveitou a abertura para faturar: a moto com a qual a protagonista desfilava por um ambiente computadorizado era produzida pela Agrale, que já tinha marcado presença na abertura de Roque Santeiro (1985).

– Fera Radical marcou a estreia de Malu Mader como protagonista, após quatro novelas e uma minissérie: Eu Prometo (1983), Corpo a Corpo (1984), Tititi (1985), O Outro e Anos Dourados (1986). Trajetória semelhante a de José Mayer, também em sua primeira experiência à frente de um elenco, com cinco novelas e duas minisséries: Guerra dos Sexos (1983), Partido Alto (1984), A Gata Comeu (1985), Selva de Pedra (1986), Hipertensão (1986), Bandidos da Falange (1983) e O Pagador de Promessas (gravada em 1987 e exibida em abril de 1988, com Fera Radical no ar).

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– O papel de Mayer, o peão Fernando, remetia ao homem do campo comumente retratado em novelas: arraigado à terra, dócil no trato com animais e bruto no convívio com os seus. Mas as famílias interioranas de Fera Radical, representada pelos Flores e pelos Orsini, nada tinham de “caipiras”: viviam em carros do ano, debatiam a bolsa de valores, falavam em exportação e inseminação artificial de gado. O autor buscava retratar o novo interior brasileiro – de estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso -, um mercado com poder aquisitivo muito alto, com comportamento modificado até por influência da televisão.

– Cláudia era analista de sistemas, profissão em expansão na época. A ideia de inserir a informática na novela veio da experiência de Walther Negrão com computadores; ele foi um dos primeiros autores da Globo a usar a máquina, em 1983, enquanto escrevia Pão-Pão Beijo-Beijo, também para às 18h. Negrão afirmou, na época, ter utilizado “os mesmos valores do folhetim, adaptando-os ao computador”. Cláudia se servia de balanços financeiros e informações sigilosas, descobertas durante o trabalho, para encaminhar sua vingança.

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– Em Fera Radical, Negrão contou com três colaboradores: Luís Carlos Fusco, parceiro de Cassiano Gabus Mendes em Brega & Chique (1987) e de Daniel Más em Bambolê, a novela anterior a ‘Fera’; também Ricardo Linhares, que despontou escrevendo histórias para o Caso Verdade e que colaborou com Aguinaldo Silva em O Outro; e Rose Calza, professora encarregada da pesquisa de texto em folhetins anteriores de Negrão.

– Para facilitar os trabalhos, Ricardo Linhares se mudou para São Paulo, onde se reunia com a equipe num apart-hotel toda segunda-feira. Negrão fazia sinopses para cada núcleo da novela; cada roteirista assumia as cenas de um determinado grupo e o titular se encarregava da edição final.

– O diretor-geral Gonzaga Blota declarou, na época, que Fera Radical era “uma novela feita de peito aberto”. Explica-se: na ocasião, Blota já havia implantado cinco pontes de safena, Negrão contava com duas e Paulo Ubiratan, quatro.

– Fera Radical foi gravada nos estúdios da Globo Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, onde um imenso cartaz (assinado por todo o elenco) “intimidava” os produtores. Tratava-se de um aviso a respeito da carga horária de trabalho, que não poderia exceder oito horas, conforme estabelecido no ano anterior em acordo com o sindicato dos artistas – após uma pendenga que interrompeu, provisoriamente, a produção de novelas das 18h, obrigando a Globo a reapresentar Locomotivas (1977) na sequência de Sinhá Moça, adiando a estreia de Direito de Amar.

– As cenas externas foram realizadas em Vassoura, a 116km do Rio de Janeiro. A Fazenda Olho d’Água, de propriedade de Altino Flores (Paulo Goulart), atendia, na “vida real”, por Fazenda Aliança. A sede da localidade, construída em 1840, serviu também de locação para Helena, novela da Manchete. Já as cenas da pensão de Lourdes (Cleyde Blota) e Robério (Older Cazarré) foram realizadas no Retiro dos Artistas, Zona Oeste do Rio de Janeiro, que abriga idosos do meio artístico. Também foram feitas tomadas no Parque de Exposições da Rural-Rio, como as do rodeio onde Fernando se sagra campeão.

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– Os fazendeiros da União Democrática Ruralista (URD) emprestaram os animais vistos em cena, como cavalos e bois. As gravações, aliás, eram constantemente interrompidas por tombos; José Mayer talvez tenha sido o que mais padeceu com escoriações, mesmo já tendo prática em montaria.

– Uma das sequências mais difíceis para a equipe de produção foi a do casamento de Marília e Heitor. A pesquisadora de arte Ana Maria Blotta decorou uma capelinha com palmas de Santa Rita, encomendou um bolo de três andares (levado de Kombi do Rio de Janeiro para Vassouras) e providenciou 500 docinhos, saboreados pelo elenco – Elias Gleizer (Donato) era um dos mais entusiasmados com cenas à mesa – e figurantes.

– O traje da noiva, desenhado pela figurinista Sônia Gallo, contava com uma cauda de seda e filó de três metros que poderia ser retirada, tornando a peça mais curta e facilitando o deslocamento de Carla Camurati pelo local de gravação. O vestido, confeccionado na Galeria das Noivas (São Paulo), acompanhava a elegância do noivo, usando meio fraque e gravata plastron, artigo de época então em voga.

– O casamento de mentirinha coroou o namoro de verdade dos atores Carla Camurati e Thales Pan Chacon; na ocasião, juntos há quase dois anos.

– Ainda sobre figurino, desenvolvido por Sônia e Paulo Lois: a jaqueta utilizada por Carlos Camurati, de jeans e com pele de cordeiro na gola, fez muito sucesso! É a peça que a atriz usa na foto da capa da trilha nacional.

– Durante as gravações de Fera Radical, Malu Mader se ausentou brevemente para acompanhar as filmagens de Kuarup, no Xingu (Mato Grosso); seu namorado, Taumaturgo Ferreira, integrava o elenco.

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– O delegado Damasceno Righi Salomão (Milton Gonçalves) é figura recorrente na obra de Walther Negrão: já havia sido vivido pelo mesmo ator, Silvio de Abreu – hoje diretor do departamento de teledramaturgia diária da Globo – em duas produções: A Próxima Atração (Globo, 1970) e Editora Mayo, Bom Dia (Record, 1971). Em 2016, o autor retomou o personagem, desta vez com Emílio Orciollo Neto, em Sol Nascente.

– Cláudia Abreu costumava levar seu rádio para as gravações, animando as noites nos hotéis em Vassouras. A lambada, ritmo em voga em 1988, era o som preferido da atriz. Malu Mader também curtia música: eram constantes as caronas que ela dava para os colegas, como Daúde (em seu único trabalho como atriz na TV, Jacy), sempre embaladas por fitas K7 no rádio do carro. Aliás, foi nesta época que Malu conheceu o trabalho dos Titãs, banda que conta com Tony Belotto, marido da atriz, na guitarra e nos vocais.

– Quatro astros da música brasileira participaram de Fera Radical. Cazuza deu uma canja na reinauguração da Arqueria Sherwood, no capítulo 78, cantando ‘Ideologia’ – mesmo contando com outra canção na trilha da novela, ‘Vida Fácil’. Leila Pinheiro também se apresentou no estabelecimento de Paxá (Tato Gabus), entre os capítulos 125 e 126. Já Sérgio Reis apresentou-se durante o rodeio, no capítulo 134. Por fim, Nana Caymmi, cantando em uma boate. Nem Leila, nem Sérgio, nem Nana possuíam músicas no repertório da trama.

– Fera Radical foi o último trabalho de Yara Amaral (a vilã Joana Flores), que faleceu pouco mais de um mês após a exibição do último capítulo, aos 52 anos, na tragédia do Bateau Mouche. A atriz integrava o grupo que fora levado para assistir, do mar, à queima de fogos de artifício na praia de Copacabana, durante o réveillon de 1989; a embarcação onde estava, o Bateau Mouche IV, afundou, matando 55 pessoas.

– A tragédia foi retratada em um episódio do programa Linha Direta, dentro da série Justiça, em julho de 2004. Denise Del Vecchio, que, em Fera Radical, vivia a filha de criação de Yara Amaral, se encarregou de interpretar a colega de trabalho.

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– Na época da novela, Yara contracenava no teatro com Luiz Maçãs (Dudu), seu colega de cena também em Helena, na Manchete. Os dois estavam no elenco da peça Filumena Marturano. Luiz também nos deixou precocemente: o ator se suicidou, aos 33 anos.

– Outros integrantes do elenco também partiram cedo demais: Cláudia Magno (Vicky), aos 35 anos, e Thales Pan Chacon, aos 40, acometidos pelo vírus HIV; George Otto (Rafael), aos 36, e Rodrigo Santiago (Jorge), aos 55, com complicações cardíacas. Older Cazarré faleceu aos 57 anos, vítima de bala perdida.

– Durante as gravações, por conta de uma operação de catarata, Cazarré precisou contar com o auxílio da esposa, que escrevia suas falas em letras garrafais para que ele conseguisse ler.

– Fera Radical foi vendida para mais de 30 países; no Brasil, reapresentada em Vale a Pena Ver de Novo entre 16 de dezembro de 1991 e 8 de maio de 1992, em 105 capítulos. Na ocasião, a Globo exibida Felicidade às 18h, Vamp e Perigosas Peruas às 19h e O Dono do Mundo (também estrelada por Malu) e Pedra Sobre Pedra às 20h. O folhetim substituiu Cambalacho (1986) e deu lugar à Vale Tudo, sua contemporânea às 20h em 1988.

– Também foi vista no quadro Novelão, do Vídeo Show, em duas ocasiões: compactada em 10 capítulos entre janeiro e fevereiro de 2013; e em 5, fevereiro de 2015, com narração de Malu Mader. A novela também foi exibida pelo canal Viva em 2017, com grande sucesso.

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