A Lei do Amor foi uma novela ‘problemática’ antes mesmo de estrear. Isso porque a história teve a sua estreia subitamente adiada, cedendo lugar para Velho Chico, que inicialmente seria uma trama das seis. As explicações dadas – por causa do teor político do enredo em época de eleições municipais – nunca foram convincentes e naufragaram de vez quando o folhetim de Benedito Ruy Barbosa acabou explorando a política muito mais que a sua substituta.

A mudança ainda implicou em uma tragédia involuntária, pois Domingos Montagner faria o Tião Bezerra, mas preferiu interpretar o Santo dos Anjos, falecendo em uma tragédia na reta final das gravações. Entretanto, deixando todas essas questões de lado, havia uma boa expectativa em cima da primeira produção de Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari no horário nobre.

Os autores vinham de um elogiado trabalho: Sangue Bom, deliciosa trama das sete exibida em 2013 que agradou público e crítica. Além, claro, do respeitável currículo de Maria Adelaide, responsável pelas primorosas minisséries A Muralha, Os Maias, A Casa das Sete Mulheres, JK, Queridos Amigos, Dercy de Verdade, entre tantas outras, incluindo o inesquecível remake da novela Anjo Mau.

E, para culminar, o elenco grandioso despertou ainda mais atenção, como Vera Holtz vivendo sua primeira grande vilã, Grazi Massafera de volta após o sucesso da Larissa em Verdades Secretas, José Mayer na pele de um sujeito desprezível, Cláudia Raia interpretando uma devoradora de homens, Tarcísio Meira retornando aos folhetins, e Reynaldo Gianecchini e Cláudia Abreu vivendo os mocinhos, além de vários outros ótimos nomes.

O início do enredo, ao menos, despertou interesse e fez jus ao que vinha sendo apresentado nas chamadas. A primeira fase foi linda, voltada para o romance de Pedro e Helô, valorizando a química entre Chay Suede e Isabelle Drummond, destacando ainda os grandiosos Tarcísio Meira e Vera Holtz.

O começo da segunda fase também atraiu atenção, principalmente pela sintonia mantida entre os mocinhos (Cláudia e Gianecchini pareciam mesmo Chay e Isabelle) e pelo destaque dos vilões, como Magnólia, Ciro (Thiago Lacerda), Venturini (Otávio Augusto) e Tião, que já mostrou a que veio assim que apareceu. O mistério que rondava a poderosa família Leitão era um atrativo chamariz, honrando até o primeiro e irônico título que a trama teve – Sagrada Família, que deveria ter sido efetivado ao invés de A Lei do Amor, que nada teve a ver com a temática, pois havia muito mais ódio que amor.

A novela tinha um ritmo ágil e apresentava vários acontecimentos a cada semana, sendo necessário elogiar a melhor cena da trama: o atentado que vitimou Suzana (grande Regina Duarte) e deixou Fausto em coma, com direito a vários efeitos especiais que pareciam reais de tão perfeitos.

Um dos poucos defeitos da produção naquele começo era o triângulo raso e equivocado composto por Tiago (Humberto Carrão), Letícia (Isabella Santoni) e Isabela (Alice Wegmann). As cenas muito rápidas, cortadas bruscamente na direção errônea de Denise Saraceni, também mereciam críticas.

Mas, no todo, a história agradava e tinha um bom desenvolvimento. Porém, a audiência não reagia e mais uma vez o famigerado Grupo de Discussão (que já provocou mutilações de vários folhetins, tendo a ótima Torre de Babel e o fracasso Babilônia como os mais lembrados) entrou em ação, iniciando várias mudanças bruscas no roteiro. Para culminar, Silvio de Abreu ainda selecionou o questionável Ricardo Linhares para ajudar os autores a conduzirem a história.

O resultado foi catastrófico para o conjunto da produção. Personagens tiveram suas características subitamente alteradas, outros foram mortos ou viajaram sem mais nem menos; o roteiro foi se perdendo por completo, e Maria Adelaide e Vincent demonstraram o quanto ficaram perdidos com as mudanças.

Realmente, a novela tinha um excesso de gente. Porém, ao menos antes das mexidas no roteiro, quase todos tinham função e ainda serviam para sempre manter a novela mergulhada em novos conflitos enquanto o núcleo principal precisava entrar em estado de espera, como costuma ocorrer em qualquer folhetim longo.

E o pior foi a retirada de bons perfis, como a mau caráter Aline (Arianne Botelho) e o corrupto Venturini, que acabaram voltando na reta final merecidamente. A Camila (Bruna Hamú), por exemplo, foi outro caso equivocado, pois aproveitaram que a atriz engravidou para colocar a personagem no comboio de tipos que foram limados do roteiro. Só que a neta de Magnólia era uma das integrantes da família Leitão mais promissoras, pois havia se tornado prostituta e ainda tinha desenvolvido bulimia. Ou seja, vários dramas convidativos que com ela grávida ficariam melhores.

E a súbita mudança de personalidade de vários perfis conseguiu aniquilar o roteiro de uma forma inacreditável, pois subestimaram a inteligência do público inúmeras vezes. O caso mais gritante foi o envolvendo Jéssica (Marcella Rica), filha rebelde de Salete, que odiava a mãe, tinha uma dívida com um traficante e ainda havia entrado para a prostituição com o intuito de fisgar um coroa rico. Do nada, ela virou uma santa e passou a ser a filha que toda mãe queria ter. A sua paixão arrebatadora por Bruno (Armando Babaioff) também pecou pela superficialidade e até mesmo o rapaz teve sua característica mudada, pois inicialmente tinha desvios de caráter em virtude de uma inveja por Pedro. O resultado disso foi a perda da importância de Jéssica, que virou uma avulsa na trama, assim como o seu namorado, que acabou viajando e só voltando na penúltima semana.

Além dela, Letícia também mudou rapidamente, deixando de ser uma menina mimada e irritante, passando a adotar uma postura madura e responsável. A filha de Helô até aceitou rapidamente o fato de ser filha de Pedro, renegando Tião e amando o novo pai. Claro que tudo isso ocorreria naturalmente, mas a pressa deixou a situação inverossímil.

Já o caso do Pedro foi o maior erro dos autores. O mocinho era um dos melhores tipos da história e dava vontade de torcer por ele, tanto que seus embates com Magnólia e Tião eram ótimos, assim como toda a sua relação delicada com Helô. Mas, com o intuito de criar algum conflito para o casal principal, Maria Adelaide e Vincent resolveram fazer o rapaz trair o amor da sua vida com uma ex do passado (Laura – Heloísa Jorge) que surgiu sem mais nem menos trazendo uma filha dele.

A situação ficou absurda, pois o filho de Fausto jamais teria essa atitude, ainda mais depois de tudo o que passou para ficar com Helô, tendo o agravante da traumática separação deles provocada justamente por uma falsa traição. Transformaram o íntegro perfil em um babaca que passou a proferir frases machistas tentando apaziguar sua ‘escapada’ alegando ‘bebedeira’ e ‘falta de importância’ da pulada de cerca.

Aliás, o machismo foi um problema sério da novela. O triângulo formado por Tiago, Letícia e Isabela sempre foi equivocado, mas foi se agravando com a volta da personagem de Alice Wegmann. O garoto traiu Letícia várias vezes e ainda usou os sentimentos que ela tinha por ele para esquecer o seu verdadeiro amor, mas sempre foi tratado como vítima pelos autores. A chegada de Marina serviu apenas para corroborar a vitimização dele, cada vez mais envolvido pela menina malvada que o manipulava.

E a vingança de Isabela foi estapafúrdia. Praticamente um banho de água fria em quem achava que a volta dela culminaria em grandes reviravoltas na história. O brilhante plano dela consistia em ficar seduzindo Tiago e repetindo para todos que não era Isabela. A garota nem se preocupou em saber que era Tião o responsável pela tentativa de assassinato e ainda prejudicou Letícia, que nada tinha a ver. Essa situação absurda prejudicou todo o mote da tal ‘revenge’ e cansou pela repetição.

O núcleo de Salete também foi se perdendo ao longo da história. Os frentistas descamisados perderam a função e ela, cujo maior conflito era o drama com a filha, acabou se vendo envolvida com o insosso Gustavo (Daniel Rocha), que nem deveria ter entrado na trama. O casal não teve a mínima química e o vício dele em drogas foi claramente copiado do contexto da Larissa, em Verdades Secretas, mas sem um terço do impacto.

Uma das poucas situações atrativas envolvendo a dona do posto de gasolina e prefeita de São Dimas era a sua rivalidade com Luciane (Grazi Massafera). As atrizes cresciam juntas e protagonizaram algumas ótimas cenas. Aliás, a personagem periguete foi um dos acertos da produção. Grazi roubou a cena e ainda fez uma deliciosa dobradinha com Tarcísio Meira. Pena que tenha perdido a função após a morte do marido de Magnólia.

Por sinal, o falecimento de Fausto deixou o folhetim sem história. Todos os perfis da mansão ficaram avulsos depois que Magnólia foi desmascarada perante a família e foi um erro tirar o grande Tarcísio do enredo depois do ator ter ficado meses deitado em uma cama sem falar. Até porque, mesmo imóvel, o intérprete esbanjou talento e tinha tudo para crescer ainda mais com a volta por cima do empresário.

Os autores tentaram enrolar o público o quanto puderam durante os últimos meses através de situações forçadas e que nada acrescentavam, vide a já mencionada traição de Pedro, a súbita descoberta do estupro de Vitória (Camila Morgado) e o círculo vicioso em torno de Tiago e Isabela/Marina. Até mesmo o canalha Ciro se regenerou, perdendo a relevância que tinha.

A formação de casais, em virtude das constantes mutilações do roteiro, também merece duras críticas. Todos os pares, sem exceção, foram destruídos ao longo do enredo de forma gratuita. Tiago e Isabela poderiam formar um belo casal, mas o início foi todo equivocado em torno de traições e mentiras, piorando cada vez mais. Camila e Robinson tinham uma boa química, mas acabou por causa da saída da atriz. Antônio (Pierre Baitelli) e Ruty Raquel (Titina Medeiros) eram os responsáveis pelas cenas mais divertidas e a sintonia era evidente, porém, passaram a protagonizar situações repetitivas e ficaram sem história.

O resultado foi um término sem sentido, implicando na aproximação dele com Letícia, que até poderia ter sido um lindo casal se tivesse sido desenvolvido antes. Analu (Bianca Muller) e Élio (João Campos) eram outro par gracioso, mas tudo foi arruinado com o assassinato dele. Nem Pedro e Helô (que eram o melhor casal de longe) escaparam, como já foi mencionado. Ou seja, “A Lei” de amor não teve nada. Vale citar ainda os insossos pares Misael (Tuca Andrada) e Flávia (Maria Flor) – que, do nada, acabou implicando na junção dele com Ruty Raquel e dela se descobrindo bissexual, Augusto e Vitória, Jéssica e Bruno, entre outros…

O famigerado e temido conteúdo político da novela nem foi desenvolvido de fato, pois se resumiu em umas bobajadas em torno de Salete e Hércules (Danilo Granjheia) disputando a prefeitura, além de situações escrachadas protagonizadas por Venturini.

Já o núcleo da vidente Mileide (Heloísa Périssé) foi um dos piores da trama, uma vez que nunca cumpriu sua função: divertir. Para culminar, a personagem também sofreu bruscas mudanças de personalidade: era uma pessoa íntegra, mas virou uma picareta no final.

Outro problema evidente foi a não valorização de vários atores talentosos, como Ana Rosa, mais uma vez fazendo figuração de luxo (desde 2010, quando esteve na série A Cura, não recebe um bom papel). A participação da ótima Regiane Alves poderia ter rendido muito mais e Cláudia Raia não teve o destaque que merecia, entre tantos outros mais. Até mesmo a grande Cláudia Abreu viu sua Helô ser apagada aos poucos em virtude da falta de enredo próprio. A mocinha só viveu a vida dos outros e a tal vingança prometida na primeira fase nunca foi explorada.

Entretanto, os acertos merecem justo reconhecimento em meio aos vários erros que nortearam o enredo. Vera Holtz foi o grande nome da novela e carregou a reta final nas costas com a vilania de Magnólia. Foi um prazer vê-la em cena vivendo a sua primeira grande víbora da carreira.

José Mayer na pele do asqueroso Tião também foi um ótimo destaque, convencendo com o seu primeiro mau caráter na ficção. Gianecchini e Cláudia Abreu seguraram bem os mocinhos e tiveram química de sobra, mesmo diante dos equívocos do roteiro. Bianca Muller brilhou como Analu, Isabella Santoni segurou bem as variáveis de Letícia e Pierre Baitelli ganhou a oportunidade que tanto merecia com o Antônio. Ver Bia Montez de volta à Globo (após o imenso sucesso da Dona Vilma na Malhação e de algumas pequenas participações) também foi ótimo, mesmo com a empregada Leila tendo menos destaque do que merecia.

A trama também teve cenas excelentes, como o já citado atentado contra Suzana e Fausto, além dos constantes embates entre Tião e Helô, valorizando a entrega de José Mayer e Cláudia Abreu. Os enfrentamentos entre Pedro e Mag eram outras situações atrativas, assim como todo o plano de Fausto para se recuperar e se vingar da esposa. As tiradas de Luciane divertiram e o sarcasmo de Antônio cumpriam bem a função da comicidade do enredo.

A trilha sonora foi de extrema qualidade, sendo necessário mencionar “O Trenzinho Caipira”, cantada por Ney Matogrosso (tema de abertura), “Maior” (tema de Pedro), cantada por Dani Black e Milton Nascimento, “Não Demora” (Adriana Calcanhotto), “What’s up” (4 Non Blondes), “Beirut” (The Rip Tide), “Step By Step” (New Kids on The Block), entre tantas outras.

A Lei do Amor – que chega ao fim com média de 27 pontos, dois a menos que Velho Chico e dois a mais que Babilônia, o maior fracasso do horário – é mais uma prova de que não se pode fazer qualquer coisa por audiência ou para agradar ao público de todas as formas. É preciso seguir sua proposta, fazendo alterações somente quando houver maior necessidade e ainda assim sem fugir da coerência. Antes apresentar um produto de qualidade que não obteve expressivos índices no Ibope do que uma produção mutilada em prol de um ou dois pontos a mais na média.

Portanto, é óbvio que a primeira novela de Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari no horário nobre foi um desastre, após ter apresentado um bom começo. O pior trabalho dos autores, sem dúvida. Que ao menos isso tudo tenha servido de lição para eles e para a própria emissora. Nada do que foi feito pode se repetir.

SÉRGIO SANTOS é apaixonado por televisão e está sempre de olho nos detalhes, como pode ser visto em seu blog. Contatos podem ser feitos pelo Twitter ou pelo Facebook. Ocupa este espaço às terças e quintas


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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor