Com morte no elenco e troca de autor, desastre da Globo terminava em 2003
15/02/2022 às 17h30
Há exatamente 19 anos, em 15 de fevereiro de 2002, a Globo respirava aliviada ao finalizar Esperança no seu principal horário de novelas. A expectativa era repetir o sucesso de Terra Nostra (1999), mas a novidade não foi bem recebida pelo público e teve os mais variados problemas em seu trajetória.
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Relembre abaixo 30 curiosidades da novela:
– Esperança estreou num horário então atípico: 21h27, em razão do horário político. Naquele tempo, as ainda chamadas “novelas das oito” eram exibidas por volta de 20h50.
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– A novela foi concebida por encomenda! Canais da Espanha, de Portugal e de países da América Latina solicitaram à Globo uma continuação de Terra Nostra (1999), então uma das campeãs de vendas no mercado internacional. Algumas propuseram até coprodução, como a italiana Rette 4 (do então primeiro-ministro Silvio Berlusconi) – exigindo, no elenco, a presença de Ana Paula Arósio, Antonio Fagundes e Thiago Lacerda, astros da saga italiana.
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– Batizada de “Uê, Paisano”, a Terra Nostra 2 encontrou problemas logo na confecção da sinopse: o autor Benedito Ruy Barbosa se melindrou ao ver o período que planejava reconstituir, o da Segunda Guerra Mundial, como pano de fundo da minissérie Aquarela do Brasil (2000); e a manutenção do elenco, com outras tantas produções em andamento, ficou inviável.
– Do folhetim que a inspirou, Esperança trouxe apenas uma citação ao fazendeiro Gumercindo (Antonio Fagundes), que teria quebrado após o “crash” da Bolsa de Nova York, em 1929 – sua propriedade acaba vendida ao imigrante italiano Vincenzo (Othon Bastos).
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– Toda a ação de Esperança transcorria a partir de 1931, abordando o processo de industrialização, a criação da até hoje debatida CLT, o governo de Getúlio Vargas e a Revolução de 32. O enredo, contudo, não escapou da similaridade com o folhetim anterior de Benedito. Raul Cortez, por exemplo, viveu um italiano nas duas tramas, Francesco Maglianno e Genaro Tranquili.
– O pessoal do Casseta & Planeta, Urgente! apelidou a novela das oito, antes mesmo da estreia, de “Semelhança – novela que é igual àquela outra que você já viu, só que tem o marido da Marília Gabriela”, uma referência ao protagonista Reynaldo Gianecchini (Toni).
– Ao tomar conhecimento de que a nova produção da Globo teria um núcleo rural, o SBT adiou a produção de Canavial de Paixões, roteiro da Televisa que planejava produzir e estrear em novembro, substituindo a exitosa Marisol. O temor era de que ‘Canavial’ fosse tida como a “prima pobre” da trama global – um capítulo de Esperança custava R$ 120 mil; de Pequena Travessa (foto abaixo), folhetim que ocupou a lacuna deixada pela produção suspensa, R$ 43,5 mil.
– Nem só de italianos viveu Esperança; compunham o painel da história núcleos de judeus e espanhóis; personagens franceses, nordestinos e portugueses. A Globo apostou nessa pluralidade produzindo quatro versões do tema de abertura, composto, entre outros, por Benedito Ruy Barbosa e seu filho Marcelo: em hebraico, com Gilbert – presente no elenco como Ezequiel -; em espanhol, com Alejandro Sanz; em português, com os participantes do reality musical Fama (2002); e em italiano, o mais executado, com Laura Pausini.
– A quantidade excessiva de sotaques, contudo, desagradou o público; o de Ana Paula Arósio, como a judia Camille, precisou ser atenuado.
– Na primeira lista de possíveis nomes no elenco, destaque para Paulo José, que acabou fora da trama. Reynaldo Gianecchini também não foi a primeira opção para Toni Tranquili; Luiz Fernando Carvalho, diretor geral, pretendia contar com um ator italiano.
– Outro nome que desfalcou o time foi Chico Anysio. Criador de mais de 200 personagens, Chico vivia uma má fase profissional: a Globo havia suspendido sua Escolinha do Professor Raimundo diária, no ano anterior. Satisfeito com a participação afetiva do humorista em Terra Nostra, Benedito o chamou para viver o escultor Agostino – sabe-se lá por que o personagem acabou nas mãos de Cláudio Corrêa e Castro.
– Sem um ator italiano à frente do elenco, Esperança foi buscar um galalau português para um importante personagem: José Manuel, o “Murruga”, estudante de boa família e de posses, que se encanta pela operária Nina (Maria Fernanda Cândido) – filha que o tio de Toni, Giuseppe (Walmor Chagas), teve no Brasil com a simplória Madalena (Laura Cardoso). Nuno Lopes, então com 24 anos, desembarcou por aqui após derrotar mais de 70 concorrentes num teste, com um salário mensal de R$ 10 mil. O tipo, um dos mais elogiados pelo público em grupos de discussão, fez tanto sucesso que acabou estampando a capa da trilha sonora internacional.
– O esmero na escalação também foi visto na produção, como não poderia deixar de ser, ainda mais se tratando de Globo – não por acaso apelidada de “Hollywood brasileira”. As primeiras cenas de Esperança foram gravadas em Civita di Bagnoregio, cidadela a 100 quilômetros de Roma com apenas 20 moradores. A equipe da emissora conferiu um ar de “anos 30” ao local, trocando portas, escondendo fios e caixas de luz, revestindo bancos e retirando placas de sinalização.
– No último capítulo, sem tempo suficiente para retornar à Itália gravar as últimas cenas, a Globo usou o município de Monte Belo do Sul, Rio Grande do Sul, para simular os parreirais de uvas italianos. Em Santa Gertrudes, interior de São Paulo, ficava a fazenda de Francisca Mão-de-Ferro (Lúcia Veríssimo), depois utilizada pela Record TV em A Escrava Isaura (2004).
– Já a cidade cenográfica reproduzia a São Paulo dos anos 30; 13 profissionais, entre cenógrafos e arquitetos, construíram fachadas e interiores, algo atípico. No cortiço onde moravam Madalena e Nina, banheiros e cozinhas funcionavam de verdade!
– Esperança ainda é lembrada pelo incidente ocorrido durante as gravações da cena em que Camille destrói a estátua de Maria (Priscila Fantin), feita por seu marido Toni, ainda apaixonado pela ex. Ana Paula Arósio acabou atingindo o rosto de Reynaldo Gianecchini com uma barra de ferro; o ator tomou pontos internos em razão do corte na boca e precisou reconstituir um dente – anteriormente, ele havia caído de um burro, durante montaria nas tomadas feitas na Itália. Já Ana sofreu entorse no tornozelo direito. Os dois atores, mesmo machucados, levaram a cena até o fim.
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– Na mesma época, Nuno Lopes teve a perna esquerda atingida por uma prancha de windsurfe, numa praia da Barra da Tijuca. E o ator Luís de Lima, intérprete de Antônio, pai do “Murruga”, faleceu vítima de uma infecção pulmonar. Otávio Augusto (Manolo) ainda sofreu um infarto, Laura Cardoso desfalcou a produção por conta de uma pneumonia e Arósio padeceu com uma gastroenterite, já nas últimas semanas.
– Inicialmente convocado para uma participação de apenas 20 capítulos, José Mayer – Martino, homem arranjado para desposar Maria – foi ficando, ficando, ficando a ponto de Benedito Ruy Barbosa não querer liberá-lo para a produção substituta, Mulheres Apaixonadas (2003), sem sucesso. O italiano acabou vítima de uma emboscada do insano Maurício (Ranieri Gonzalez), criando um mistério para os personagens – não para o público – que tirou o núcleo rural do marasmo.
– Em contrapartida, Esperança ganhou as participações de Marcos Palmeira (Zequinha), Jackson Antunes (Zangão) e Cosme dos Santos (Chiquinho Forró), encarregados de conferir humor à trama. Posteriormente, Caco Ciocler foi cogitado para o judeu Samuel, que acabou nas mãos do cantor Paulo Ricardo, de volta às paradas com seu RPM por conta da música-tema do recém-estreado Big Brother Brasil.
– Esperança estreou com consideráveis 47 pontos e picos de 51 pontos, desempenho similar ao da antecessora, O Clone (2001). No segundo capítulo, contudo, os índices despencaram para 40. Surgiram os primeiros comentários acerca do “luto” do público, afeito à novela anterior, e dos desajustes entre Benedito e Luiz Fernando – um escrevia uma novela, outro dirigia outra -, desmentidos por ambos com direito à carta aberta de Barbosa para o elenco.
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– O folhetim sobreviveu às férias escolares e ao horário político, com índices próximos aos 40 pontos. Mas a Globo preferia enaltecer os feitos da novela publicando os números do share (participação no total de televisores ligados), mais “impressionantes” – um indicativo de que o desempenho estava aquém do esperado. O primeiro grupo de discussão trouxe queixas sobre a iluminação escura e, pasmem, a falta de proximidade com Terra Nostra.
– A audiência minguou de vez com a excessiva quantidade de flashbacks, cenas de transição – aquelas que não servem para nada além de indicar uma curta passagem de tempo – e filmes em preto-e-branco das greves ocorridas na década de 30. Recursos que serviam para preencher os capítulos, entregues em cima da hora pelo autor.
– Em setembro, jornais e revistas deixaram de publicar os resumos da semana porque a Globo, simplesmente, não tinha o que divulgar. Cenas gravadas pela manhã eram exibidas no mesmo dia à noite; ventilou-se, inclusive, a possibilidade de encurtar Esperança e substituí-la pela minissérie A Casa das Sete Mulheres, então em produção – a emissora chegou a tentar a reclassificação da obra, para levá-la ao ar mais cedo.
– Em dezembro de 2002, a novela chegou a então preocupantes 27 pontos num sábado, com o elenco gravando mais de 12 horas por dia. Não deu mais para Benedito.
– As dificuldades de produção e as queixas da equipe tornaram-se públicas. Beatriz Segall, em participação especial como Antônia (mãe de “Murruga”), gravou o suficiente para concluir, em entrevista a Hebe Camargo: “É uma tremenda falta de respeito com o ator entregar o texto daquele jeito“. Benedito Ruy Barbosa revidou: “Não fui eu quem a escolheu para fazer o papel. Para mim, ela é a eterna Odete Roitman“, referência à clássica vilã de Vale Tudo (1988). O autor estava extenuado, com inúmeros problemas pessoas – a mãe há tempos no CTI por problemas pulmonares; ele, enfrentando conflitos com o cigarro, ainda se acidentou com o carro. Não houve jeito. Benedito se afastou da novela e Walcyr Carrasco (foto abaixo) assumiu o posto de titular, embora as notícias insistissem em tratar o esquema como “colaboração”.
– A princípio, Benedito Ruy Barbosa definiu Walcyr Carrasco como “um ótimo autor e de um belo caráter“. Depois, em entrevista ao livro ‘A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo’, de André Bernardo e Cíntia Lopes, declarou insatisfeito: “Na época, liguei para o Mário Lúcio Vaz [então diretor artístico da Globo] e disse ‘avisa o Walcyr que quando eu encontrar com ele, eu vou dar porrada, entendeu?’ Ele simplesmente acabou com minha novela. Não terminou como eu queria. Depois, mandou uma carta pedindo desculpas“.
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– À frente de Esperança, Walcyr alterou substancialmente o perfil de alguns personagens – como Farina (Paulo Goulart) e Justine (Gabriela Duarte em ótimo trabalho), “temporariamente” convertidos em vilões. Também trouxe novos tipos, como a tia e a prima de “Murruga” (Jussara Freire, Amália, e Luciana Braga, Adelaide) e investiu em sequências de erotismo.
– Esperança reagiu! Embora tenha chegado ao fim com uma das piores médias da faixa naquele tempo – 38 pontos – a novela voltou aos 40, batendo os 45, 51 e 50 de média, respectivamente, nos últimos três capítulos.
– No mesmo período, Sabor da Paixão, às 18h, e O Beijo do Vampiro, às 19h, também fraquejaram; o grande destaque daquele segundo semestre de 2002, início de 2003, foi Por Amor (1997), então em reprise no Vale a Pena Ver de Novo. O penúltimo capítulo da obra de Manoel Carlos, em 9 de janeiro de 2003, chegou a 32 pontos, acima das tramas das 18h e 19h, índice bastante próximo a Esperança.
– Por fim, Esperança também não cumpriu o prometido no mercado internacional. Lançada num coquetel para 200 convidados na embaixada brasileira em Roma, a novela decepcionou o canal Rette 4, que desembolsou US$ 4 milhões para ver seus índices caírem de 8,4% para 4% em menos de um mês de exibição. Na SIC, em Portugal, enquanto Terra Nostra chegou a 76% de share, Esperança penava para alcançar 30%. O curioso é que a Globo insistiu na “semelhança” no mercado externo, batizando a produção de “Terra Speranza”.