“Eu prefiro melão”. Muito antes dessa frase icônica, o ponto de virada de Meu Bem, Meu Mal, novela de Cassiano Gabus Mendes que a Globo exibiu em 1990, foi o derrame de Dom Lázaro Venturini (Lima Duarte).

Meu Bem, Meu Mal

Preso a uma cadeira de rodas, e impossibilitado de falar, o personagem guardava consigo o grande segredo da trama. A audiência ficou atônita, assim como os profissionais de saúde que questionaram o tratamento aplicado em Lázaro, então doente.

Dom Lázaro presidia a Venturini Designers, estando sujeito, para desgosto dele, ao convívio com o sócio Ricardo Miranda (José Mayer). O empresário era apontado como fruto da traição da falecida mulher do todo-poderoso, Maria Helena, com seu melhor amigo. Lázaro desejava afastar Ricardo da empresa, adquirindo as cotas que o inimigo teimava em não vender.

Meu Bem Meu Mal

O magnata acabou caidinho por Rosa Maria (Ariclê Perez), sósia de sua esposa. Decidido a viver uma nova paixão, Dom Lázaro foi até o túmulo da falecida para expurgar os traumas que tal relação deixou… Eis que, no cemitério, ele surpreende Ricardo e Isadora (Silvia Pfeifer), sua nora, aos beijos. A vilã, que era tida como aliada de Lázaro até então, fazia “jogo duplo”.

Foi quando o chefe do clã Venturini sofreu o AVC que o deixou imobilizado – e sob os cuidados da enfermeira Elza (Zilda Cardoso). Isadora, certa de que a recuperação de Dom Lázaro jamais viria, disparou todos os impropérios possíveis contra o sogro, além de atentar contra a vida dele em diversos momentos. Por fim, reabilitado, Lázaro descobriu que Ricardo era, na verdade, seu filho.

Personagem sob medida

Meu Bem, Meu Mal

Afastado dos estúdios desde a participação nos primeiros capítulos de Rainha da Sucata (1990), Lima Duarte não resistiu ao convite do amigo Cassiano Gabus Mendes. Em entrevista ao jornal O Dia, o veterano contou que, na primeira conversa com o autor, Cassiano revelou que Dom Lázaro precisava de um ator com a força do olhar, devido às limitações do derrame.

A polêmica com relação a tal trama veio da sugestão de Elza (Zilda Cardoso), enfermeira, para que o paciente fizesse uso de uma “bolinha milagrosa”.

Zenildo Gomes da Costa, então presidente da Associação Brasileira de Fisioterapia, alertou em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, de maio de 1991, que se o tratamento “fosse real” seria totalmente contraindicado.

Carta de repúdio

Meu Bem, Meu Mal

Gomes da Costa argumentou que o público de Meu Bem, Meu Mal poderia adotar a tal bolinha sem a consulta prévia de um fisioterapeuta ou terapeuta ocupacional, profissionais de fato habilitados para qualquer indicação – e isto poderia, inclusive, complicar ainda mais o quadro do paciente. Procurado pela Folha, Cassiano Gabus Mendes não comentou o caso.

Em 30 de abril de 1991, o Jornal do Brasil publicou a carta assinada por um fisioterapeuta, em repúdio à abordagem do tratamento que Dom Lázaro vinha sendo submetido:

“Estou perplexo e indignado com a Rede Globo, mais especificamente com os responsáveis técnicos das cenas que envolvem o ator Lima Duarte, na sua interpretação como portador de uma hemiplegia, na novela ‘Meu Bem, Meu Mal’”.

“É inadmissível que um meio de comunicação de massa possa desrespeitar e mostrar de forma errônea meios de tratamento que competem ao fisioterapeuta e ao terapeuta ocupacional”, prosseguiu o documento.

“Todo processo de reabilitação proposto na novela está errado, a partir do momento que coloca uma auxiliar de enfermagem para orientar o paciente e a família. E o que é mais grave, usando técnica primitiva e totalmente contraindicada. Além disto, temos uma afirmação do corporativismo médico, visto que este é colocado como astro único dentro de uma equipe, que neste caso é multiprofissional”, complementou.

Apesar das polêmicas, a trama continuou sendo exibida na novela e chegou ao ápice quando Dom Lázaro voltou a falar, surpreendendo Elza com a frase até hoje lembrada por muita gente: “Eu quero melão. Enfermeira, eu prefiro melão”.

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Sebastião Uellington Pereira é apaixonado por novelas, trilhas sonoras e livros. Criador do Mofista, pesquisa sobre assuntos ligados à TV, musicas e comportamento do passado, numa busca incessante de deixar viva a memória cultural do nosso país. Escreve para o TV História desde 2020 Leia todos os textos do autor