O seguidor Marcus Lira, deficiente visual, me chamou atenção para um problema pelo qual passam deficientes como ele em relação a conteúdos em streamings, mais especificamente no Globoplay: a falta de Audiodescrição. Aproveito este espaço para divulgar sua queixa e a resposta da Globo.

“Para muitos, o simples ato de sentar-se à frente de uma TV e curtir uma novela ou série após um dia estressante é muito relaxante. Entretanto, e se você for deficiente visual, quiser assistir a uma novela cheia de efeitos especiais – como A Viagem, por exemplo -, e a produção não dispor de Audiodescrição? Com certeza isto não desestressará você.

É o que acontece atualmente com os deficientes visuais assinantes do serviço de streaming Globoplay. A Globo, desde o lançamento de sua plataforma on demand, ignora seu público cego e o artigo 42 da Lei Nº 13.146 (Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência) e não disponibiliza Audiodescrição em suas novelas e séries.”

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O que é Audiodescrição?

“Basicamente, a Audiodescrição é um recurso de acessibilidade que auxilia deficientes visuais a melhor compreenderem cenas muito visuais, ou seja, cenas com poucos diálogos, por exemplo, em que a imagem é indispensável para o total entendimento da história. Uma faixa adicional de áudio é criada, em que um profissional treinado descreve, por meio de palavras simples e objetivas, o que está acontecendo na cena.

Depois de finalizada e mixada à produção audiovisual, a audiodescrição pode ser ligada ou desligada através das opções de áudio, tanto na TV como no streaming, sem atrapalhar o espectador sem deficiência. O recurso também ajuda idosos, pessoas com dislexia, dentre outras.”

De acordo com Marcus, “os deficientes visuais não são os únicos ignorados: deficientes auditivos também, já que o Globoplay não oferece legendas ou Closed Caption na teledramaturgia.”

Marcus continua: “Como se não fosse o bastante, até os aplicativos do serviço de Streaming possuem problemas de acessibilidade com softwares leitores de tela. Alguns são parcialmente acessíveis, tais como os disponíveis em plataformas como iPhone e Apple TV, mas outros são completamente inutilizáveis, como os disponíveis em Smart TVs, já que seus respectivos leitores de tela não conseguem verbalizar o que está escrito na tela.”

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O que diz a Lei

Atualmente a TV Globo transmite alguns conteúdos com Audiodescrição em sua programação linear (TV aberta), em acordo com uma Portaria do Ministério das Comunicações. Porém, o recurso de acessibilidade Audiodescrição não é transmitido através da plataforma Globoplay, discriminando totalmente o público que precisa deste recurso e descumprindo a Lei Brasileira de Inclusão, que diz:

CAPÍTULO IX

DO DIREITO À CULTURA, AO ESPORTE, AO TURISMO E AO LAZER

Art. 42. A pessoa com deficiência tem direito à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, sendo-lhe garantido o acesso:

I – a bens culturais em formato acessível;

II – a programas de televisão, cinema, teatro e outras atividades culturais e desportivas em formato acessível;

  • 1º É vedada a recusa de oferta de obra intelectual em formato acessível à pessoa com deficiência, sob qualquer argumento, inclusive sob a alegação de proteção dos direitos de propriedade intelectual.

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Recursos financeiros públicos

“Um outro exemplo: a Rede Globo de Televisão, em parceria com a produtora Conspiração Filmes, produz Sob Pressão, série que possui parte de seus recursos financeiros captados através de leis de incentivos via Ancine. Como determina a Agência através da instrução normativa 116, obras audiovisuais que captem recursos financeiros públicos provenientes de leis de incentivo precisam obrigatoriamente dispor de recursos de acessibilidade, dentre eles, a Audiodescrição.

A TV Globo disponibiliza três temporadas de Sob Pressão no Globoplay, porém, sem o recurso de acessibilidade, impedindo o acesso igualitário a pessoas com deficiência visual. Todas as temporadas captaram recursos via leis de incentivo.

A Globo precisa entender que, além de descumprir a lei, está ignorando que no Brasil há mais de 6 milhões de pessoas com deficiência visual, muitas delas potenciais consumidores de seu entretenimento, apenas aguardando que a empresa pare de os repelir.

Tal como o público sem deficiência, o público com deficiência também está ávido por assistir às grandes novelas antigas resgatadas pelo serviço, apenas aguardando por acessibilidade. Não basta apenas dizer que estão trabalhando para se adequar, sem dar previsão. Esta é uma desculpa eterna para quem não quer resolver o problema.”

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A resposta do Globoplay

Cobrei da Globo uma resposta a essa reclamação. Por meio de sua Comunicação, o Globoplay limita-se, com uma frase, a reiterar a fala de Marcus (“estão trabalhando para se adequar”) e se prolonga para descrever o que está sendo feito para deficientes auditivos. Marcus tem razão em seu desabafo, o que é lamentável.

Eis a resposta:

“A implementação do recurso da audiodescrição faz parte do planejamento do Globoplay que, desde o ano passado, vem tomando medidas para que todos os usuários da plataforma tenham a melhor e mais adequada experiência de consumo dos seus conteúdos, reforçando seu compromisso com a inclusão e acessibilidade.

Um primeiro passo foi disponibilização da legenda closed caption, que está sendo incorporada progressivamente ao catálogo e já contempla diversos títulos, entre eles ‘As Five’, ‘Desalma’, ‘Tieta’, ‘A Divisão’, ‘Diário de um confinado’, ‘Em Nome de Deus’, ‘Sandy e Júnior: A História’, ‘Aruanas’, ‘Cada um no seu quadrado’, ‘Arcanjo Renegado’ e nos conteúdos catch up da TV Globo, possibilitando o consumo dos conteúdos por deficientes auditivos e do o acompanhamento da programação em ambientes com outras interferências sonoras. Tanto a ampliação do catálogo com este recurso quanto a disponibilização de legendas audiodescritivas estão previstas nas próximas ações da plataforma.”

Para saber mais: História da Audiodescrição no Brasil – Legislação e Atuação dos Profissionais

SOBRE O AUTOR
Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira.

SOBRE A COLUNA
Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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