André Santana

A Globo “pipocou” e manteve um destino favorável à “família tradicional brasileira” no desfecho de Érico (Carmo Dalla Vecchia) em Amor Perfeito. Apesar de reencontrar Romeu (Domingos de Alcantara) nos capítulos finais, o advogado terminou a trama ao lado de Verônica (Ana Cecília Costa).

Kelvin (Diego Martins) e Ramiro (Amaury Lorenzo) em Terra e Paixão
Kelvin (Diego Martins) e Ramiro (Amaury Lorenzo) em Terra e Paixão (divulgação/Globo)

A mudança de rota de Érico em Amor Perfeito não fez o menor sentido e foi incoerente com a história do personagem. Por isso, dá a impressão de que foi algo “encomendado”, numa tentativa da direção da Globo de evitar polêmicas. Afinal, não faz muito tempo que o canal censurou beijos entre pessoas do mesmo sexo em Vai na Fé.

Sendo assim, a atual postura conservadora da emissora acaba afetando, também, a novela das nove. Em Terra e Paixão, pouca gente está interessada no futuro de Aline (Barbara Reis) e Caio (Cauã Reymond), mas sim no destino de Kelvin (Diego Martins) e Ramiro (Amaury Lorenzo). Mas será que o “casal ternura” das nove terá um final feliz, mesmo diante do retrocesso nas novelas da Globo?

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Final conservador

Carmo Dalla Vecchia em Amor Perfeito
Carmo Dalla Vecchia em Amor Perfeito (Divulgação / Globo)

Nas últimas semanas, circulou na imprensa a informação de que os autores Duca Rachid, Júlio Fischer e Elísio Lopes Jr. tinham escrito dois finais para Érico. Num deles, ele terminaria Amor Perfeito nos braços de Verônica. Em outro, ele reataria seu romance com Romeu.

O primeiro desfecho prevaleceu. Mesmo balançado com a situação de Romeu, que foi impedido de seguir a carreira de músico após a agressão que sofreu por ser homossexual, Érico escolheu Verônica.

O advogado, visivelmente abalado pelo reencontro, declarou seu amor maior pela cozinheira, terminando a trama ao lado dela e da filha do casal, Maria Helena.

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Incoerência em Amor Perfeito

Amor Perfeito - Domingos de Alcantara e Carmo Dalla Vecchia
Domingos de Alcantara (Romeu) e Carmo Dalla Vecchia (Érico) em Amor Perfeito (Manoella Mello / Globo)

Com Érico terminando Amor Perfeito ao lado de Verônica, ficou claro que a Globo vive mesmo outros tempos. Afinal, só mesmo uma ordem “de cima” pode explicar os rumos equivocados do personagem ao longo da novela das seis.

Isso porque Érico foi apresentado, inicialmente, como um homem gay. O próprio Carmo Dalla Vecchia, que é gay assumido, declarou, antes do início da novela, que o personagem era parecido com ele. O ator disse ainda estar muito feliz por poder viver um homossexual numa novela de época, já que isso levantaria discussões e dramas interessantes.

No entanto, a sexualidade de Érico nunca foi bem explorada ao longo da novela. Pelo contrário. Ela só existiu enquanto o roteiro exigiu – afinal, é seu romance com Romeu que desencadeia a chantagem de Gilda (Mariana Ximenes). Passada essa fase, o advogado formou uma família com Verônica, esqueceu Romeu num passe de mágica e ficou tudo por isso mesmo.

Vale acrescentar que os autores da novela declararam que a ideia sempre foi fazer de Érico um homem bissexual.

“Esse caminho já estava previsto na sinopse original. A bissexualidade de Érico, para o público, vai sendo revelada aos poucos, com respeito e delicadeza. Esse não era um assunto falado socialmente. Então, essa construção vem sendo apresentada aos poucos, com a aproximação de Érico com Verônica e as ameaças de Gilda para ele. Apostamos no amor e na honestidade em todos os relacionamentos. Essa história é mais uma das tramas que falam desse ‘amor imperfeito’, dessas possibilidades de vivermos, de forma íntegra, nossos sentimentos em confronto com os preconceitos e padrões do Brasil dos anos 1940”, explicaram, em entrevista ao GShow.

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Casal de Terra e Paixão

Diego Martins e Amaury Lorenzo como Kelvin e Ramiro em Terra e Paixão
Diego Martins e Amaury Lorenzo como Kelvin e Ramiro em Terra e Paixão (Reprodução / Globo)

No entanto, vale lembrar ainda que a mudança de rumo de Érico em Amor Perfeito aconteceu ao mesmo tempo em que os beijos entre casais homossexuais de Vai na Fé foram vetados pela direção da Globo, mesmo tendo sido gravados e até divulgados. Tudo isso fez gerar a desconfiança de que a emissora estaria regredindo em suas novelas com casais formados por pessoas do mesmo sexo.

Na época, o site Notícias da TV informou que a ordem teria vindo de Amauri Soares, atual diretor geral dos Estúdios Globo, objetivando não afugentar o público mais velho e conservador das novelas. O diretor negou a ordem, mas a coincidência é estranha.

Claramente, Terra e Paixão também foi afetada com a atual política da Globo, já que o casal de mulheres Menah (Camilla Damião) e Mara (Renata Gaspar) simplesmente não tem destaque na trama. Agora, a dúvida se instala quanto ao futuro de Kelvin e Ramiro, o casal mais festejado da trama de Walcyr Carrasco.

A Globo, portanto, está numa encruzilhada: como seguir vetando histórias de casais gays, se é justamente um casal gay que está segurando a novela das nove? Será que o tal público conservador que a emissora está tentando manter realmente tem assistido suas novelas? Ao que parece, o canal está bastante equivocado em suas percepções sobre o espectador.

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André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural. Cresceu acompanhado da “babá eletrônica” e transformou a paixão pela TV em profissão a partir de 2005, quando criou o blog Tele-Visão. Desde então, vem escrevendo sobre televisão em diversas publicações especializadas. É autor do livro “Tele-Visão: A Televisão Brasileira em 10 Anos”, publicado pela E. B. Ações Culturais e Clube de Autores. Leia todos os textos do autor