A prática do blackface, em que pessoas brancas pintam a pele de preto para representar a população negra de forma caricata, já foi bastante comum em humorísticos, novelas e outras atrações de TV – como o Milk Shake de Angélica, na extinta Manchete.

Essa “técnica” caricata, estereotipada e racista não é mais aceita na nossa sociedade. O TV História lista famosos e programas que já fizeram blackface; alguns recentes, como o participante do Jogo de Panelas no Mais Você, de Ana Maria Braga.

Confira:

Angélica

Angélica

À frente do musical Milk Shake, Angélica “prestou homenagem” ao povo preto. Com uma peruca encaracolada, o corpo todo pintado e um tom de voz “mais grosso”, a apresentadora bradou: “Chegou a nossa vez, basta de domínio branco”. No programa em questão, o título foi modificado, nas falas dela, para “Milk Negro”.

De acordo com matéria publicada pela Folha de São Paulo, em 14 de outubro de 1990, a ideia foi inspirada no quadro Morro do Macaco Molhado, do humorístico TV Pirata, exibido pela Globo. Claudia Raia usava da mesma caracterização para viver Maria, a “nêga difícil”.

O episódio envolvendo Angélica ampliou a discussão sobre o blackface, conforme detalhou a Folha na mesma matéria:

“Que o Brasil é farto em preconceitos, já se sabe. ‘Milk Shake’ engrossou o caldo. Reduziu a questão negra ao sarcasmo pueril e ao escracho adolescente. A embaixatriz das crianças (eleita pelo presidente Collor) já deu mostras de que não tem a menor ideia do que faz. É um exemplo menor do festival de preconceitos que assola o país”.

Xuxa Meneghel

Xuxa Park

No ano seguinte, foi a vez da Rainha dos Baixinhos surgir com o corpo pintado de preto, cantando a música Boneca de Piche ao lado de Grande Otelo. O número foi apresentado na vinheta de fim de ano da Globo – a do slogan ‘Tente, invente, faça um 92 diferente”.

Não há registros de celeuma por conta desta representação, tão equivocada quanto à de Angélica.

Rodrigo Faro

Rodrigo Faro

O apresentador da Record TV usou de blackface em muitas das edições do quadro Dança, Gatinho. Rodrigo Faro reproduziu números de Beyoncé, Léo Santana, Michael Jackson e Thiaguinho com o rosto pintado de preto.

Ele voltou à prática condenável após migrar de O Melhor do Brasil para o Hora do Faro, em uma apresentação com músicas de Ludmilla.

Domingão do Faustão

O quadro Show dos Famosos, do Domingão do Faustão, replicou o que Faro havia feito em diversas apresentações. Dois casos de blackface, em temporadas diferentes, causaram polêmica.

O primeiro envolveu Nelson Freitas, encarregado de uma performance musical próxima a do astro James Brown. O segundo contou com Helga Nemeczyk em uma “homenagem” a Beyoncé.

Chico Anysio

Chico Anysio

Em uma época em que estereotipar o negro era comum em programas de humor, Chico Anysio criou dois personagens que não seriam bem vistos hoje. Para Velho Zuza, um pai de santo sempre acompanhado de guias no pescoço e cachimbo, o comediante se pintava de preto e usava uma peruca toda branca e encaracolada. O tipo passou por atrações como Chico Anysio Show (1982) e Chico Total (1996).

Outra figura controversa chegou a ganhar programa próprio… O golpista Azambuja, criado por Chico em 1973, estava sempre disposto a tirar vantagem dos outros. Em 1975, Anysio estrelou um programa mensal dedicado ao personagem, Azambuja & Cia (Globo). A caracterização incluía o corpo todo pintado com tinta marrom e uma peruca de cabelos crespos.

Pânico

Pânico

Anos depois de Chico Anysio, o Pânico na TV abusou do blackface. Volta e meia, os integrantes do programa interpretavam negros de forma caricata e estereotipada.

O formato que nasceu na rádio passou pela RedeTV! e pela Band. A turma, hoje bastante reduzida, segue em atividade na FM, na TV Paga e no streaming, mas trocou o “humor” pela repercussão do noticiário político.

Novelas

A Cabana do Pai Tomás

Na dramaturgia, o caso de maior repercussão envolveu a novela A Cabana do Pai Tomás (Globo, 1969). O ator Sérgio Cardoso foi encarregado de interpretar três personagens: Abraham Lincoln, Dimitrius e Pai Tomás. O problema é que, para este último, Cardoso pintou o corpo de preto, colocou rolhas no nariz e adotou a peruca. A escalação e a caracterização geraram protestos.

O ator e dramaturgo Plínio Marcos criou um movimento contra a produção, indicando Milton Gonçalves para o personagem. Na tentativa de contornar a situação, Sérgio Cardoso fez declarações infelizes, reforçando discursos racistas:

“Tenho vários amigos de cor que são como meus irmãos. Tenho afilhados pretinhos que amo como se fossem meus filhos”.

Em 1994, Quatro por Quatro explorou o blackface para um dos disfarces de Auxiliadora, defendida por Elizabeth Savala. Ela se refugiou em uma comunidade, ao lado da empregada Tereza, adotando o codinome Maria do Socorro.

Só que a caracterização apelou para o corpo pintado de preto e peruca “black power”, além da orientação para a mudança do tom de voz.

Mais Você

Os casos mais recentes de blackface na TV envolvem o Jogo de Panelas, quadro do Mais Você. Em 2006, o participante William, além de apresentar o prato ‘Será que ele é?’, com conotação homofóbica, vestiu-se de “nega maluca”. A representação, caricata e pejorativa, causou celeuma na web. Na última edição do ‘Jogo’, o participante Anderrupson usou da mesma técnica.

Ele promoveu um jantar cujo tema era ‘Um passeio pela África com toque de brasilidade’. Ana Maria Braga usou do matutino da Globo para que Anderrupson manifesta-se a respeito do ocorrido.

“Bom dia, Brasil, gostaria de me desculpar com todos vocês, pratiquei o blackface sem o mínimo de conhecimento”, relatou ele, que complementou:

“Não vim me vitimizar, fui agressor inconsciente, mas fui. Quero me solidarizar com todos que sofrem racismo no mundo. Para o racismo não deve haver livre arbítrio, e se quer politicamente correto. Deve ser combatido de forma intolerante. Não permita nenhuma prática racista em sua casa ou qualquer outro local. Não deixe o racismo entrar”.

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Sebastião Uellington Pereira é apaixonado por novelas, trilhas sonoras e livros. Criador do Mofista, pesquisa sobre assuntos ligados à TV, musicas e comportamento do passado, numa busca incessante de deixar viva a memória cultural do nosso país. Escreve para o TV História desde 2020 Leia todos os textos do autor