A live em que a atriz Danni Suzuki explicou como perdeu o papel de protagonista da novela Sol Nascente tem movimentado as redes sociais. Quando a Globo achava que um problemão tivesse sido esquecido, eis que ele ressurge inadvertidamente. Digo problemão porque Sol Nascente só é lembrada pela polêmica durante sua exibição (em 2016) que gerou uma propaganda negativa para a novela.

A escolha do ator Luís Mello para interpretar o japonês Tanaka fez com que a produção fosse acusada de yellow-face – uma correlação do black-face, em que atores brancos se pintam para viver personagens negros. No caso da novela, um ator branco (mestiço na realidade, já que Luís Mello tem ascendência indígena) que se caracterizou de japonês.

Pegou mal, ficou feio, e a novela teve de justificar várias vezes no texto que Tanaka era filho de um japonês com uma americana. Também Giovanna Antonelli, como Alice, a filha branca do japonês – na trama da novela, foi explicado que a personagem era sua filha de criação. Alvo de críticas de grupos de filiação oriental, a Globo foi questionada por não ter escalado atores de origem nipônica para os personagens, em vez de remendar com explicações sobre suas ascendências.

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Eis que agora vem à tona que o buraco é mais embaixo. Danni Suzuki revelou na live (com a atriz Bruna Aiiso) que o autor Walther Negrão criou a protagonista Alice para ela, baseada nela, e que a personagem deveria ter sido vivida por ela – confirmado por Negrão ao jornalista Flávio Ricco. A princípio, Suzuki não teria sido aprovada para o papel principal e ficaria com uma coadjuvante, que também lhe foi negado. A atriz preferiu então não fazer a novela.

Entendemos que a escalação de um papel importante requer uma série de exigências e muitas vezes é um risco que se corre apostar em uma atriz que até então só havia feito coadjuvantes.

O problema maior veio na sequência. A Suzuki foi explicado que a personagem Alice teria de ser mais nova. Porém, a atriz que ficou com o papel, Giovanna Antonelli, é mais velha que Danni Suzuki. Começa aí a discrepância. Mas pera! Giovanna Antonelli de nipônica não tem absolutamente nada.

Foi quando Walther Negrão foi obrigado a dar uma volta enorme em seu roteiro para ajustar a protagonista à intérprete e justificar na trama porque a personagem não lembrava uma japonesa. O remendo foi este: Alice é filha de criação de Tanaka (Luís Mello). A própria escolha de Luís Mello para o papel de Tanaka já é um remendo (é filho de um japonês e uma americana).

O que leva a crer que na ideia original de Walther Negrão, além da protagonista ter traços nipônicos, também Tanaka deveria ter e – tal qual a escalação de Antonelli – na ausência da escalação de um ator de ascendência oriental, optou-se por Luís Mello.

Pesa ainda sobre a escolha de Giovanna Antonelli o fato de ela ser mulher do diretor da novela, Leonardo Nogueira. Não existe problema algum em diretor escalar sua mulher-atriz para papeis na televisão, cinema ou teatro. Há vários exemplos bem-sucedidos dessas parcerias: Liv Ullman com Ingmar Bergman, Mia Farrow e Diane Keaton com Woody Allen, Ingrid Bergman com Roberto Rossellini, Betty Faria com Daniel Filho, Natália do Valle com Paulo Ubiratan, Ingra Liberato e Daniela Escobar com Jayme Monjardim, etc.

Luís Mello e Giovanna Antonelli são ótimos atores, seus talentos não estão em julgamento. Além da não-escalação de atores com ascendência japonesa para os papeis principais, em meu ponto de vista, outro equívoco foi a direção ter obrigado o autor a mudar a sua história para que os personagens coubessem dentro dos atores escolhidos. A emenda saiu pior que o soneto.

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Quanto a Danni Suzuki, livrou-se de uma! Sol Nascente em nada agregou para os profissionais nela envolvidos. O único destaque foi Laura Cardoso, como a vovó-vilã Dona Sinhá. Porém, certamente teria sido uma novela bem mais simpática ao público se tivesse se guiado pelo básico e elementar: uma trama sobre personagens de ascendência japonesa vividos por atores, no mínimo, com traços japoneses.

Por favor, não insista que não existem atores com essas características prontos para assumir um papel de protagonista. Na história das novelas da Globo, há vários casos de atores e atrizes lançados como protagonistas logo em seus primeiros trabalhos.

AQUI tem tudo sobre a novela Sol Nascente.

SOBRE O AUTOR
Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira.

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Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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