Não pode ser dito que a série sobre a qual falo hoje é pioneira em sua proposta. A visão de uma “história de zumbi” diferente do imediato apocalipse visto em The Walking Dead com uma personagem feminina no protagonismo foi introduzida há três anos com iZombie – que tem como um diferencial maior ainda ser uma heroína da DC.

Com isso eu quis apenas deixar claro o que a crítica tem ignorado, descrevendo Santa Clarita Diet como “a primeira série de zumbi com uma mulher no papel principal”. Mas não vamos tornar isto um duelo, até porque cada uma tem a sua mitologia e sua abordagem do tema. Me divirto tanto assistindo uma quanto outra, mas hoje falarei sobre Santa Clarita Diet, a nova série da Netflix.

A sinopse fornecida pela plataforma de streaming não deixa muito claro sobre do que trata a série. Você lê e chega a pensar que a Sheila Hammond (Drew Barrymore), personagem principal, é uma versão feminina e suburbana de Hannibal, que se alimenta de carne humana porque gosta, e seu marido Joel Hammond (Timothy Olyphant) e a filha adolescente do casal, Abby Hammond (Liv Hewson), têm de lidar com esse “gosto peculiar”.

No entanto, em um primeiro momento, vemos uma família comum, formada por um casal de corretores de imóveis e sua filha adolescente. Até que durante uma cena de puro gore e bizarrice, Sheila vomita um cômodo inteiro de uma das casas que ela e Joel estão tentando vender e isso não marcou apenas as suas memórias e o tapete da casa, mas o dia em que ela nunca mais foi a mesma.

Sua libido aumenta drasticamente, sua paciência diminui, e, principalmente: ela não tem pulsação; apesar disso, ela nunca se sentiu tão viva. Além disso, sua nova comida favorita era carne crua, até o momento em que um colega de trabalho faz uma proposta indecente seguida de ameaça, então sua falta de paciência a leva a comê-lo vivo.

Assim, sua nova comida favorita é carne humana fresca e os Hammonds concluem que ela é um zumbi, embora prefira não ser chamada assim. Para continuar “viva” ou algo assim, Sheila precisa se alimentar. A relutância da família em consentir em matar pessoas encontra uma solução: matar apenas criminosos ou “pessoas horríveis”, que “merecem morrer”. É, tem um cheirinho de Dexter mesmo.

Caminhando junto à história dessa família existe o núcleo adolescente, composto pela Abby e o vizinho da família, Eric Bemis (Skyler Gisondo), que é um nerd que também sabe da “mudança de comportamento e hábitos alimentares” de Sheila e, com seus conhecimentos e curiosidade, auxilia a família a lidar com o que está acontecendo. Com uma dose básica de clichê, Eric é “secretamente” apaixonado por Abby (por secretamente eu quis dizer só para ela mesmo, porque eu, você e todo mundo já percebe de cara).

A história de Abby não é resumida a ser o interesse amoroso do garoto da casa ao lado. Na verdade, em meio aos recentes acontecimentos em casa, os papéis acabam se invertendo e por vezes ela tem mais maturidade que os pais. Ainda assim, sua vida ter, de certa forma, virado de cabeça para baixo a faz se perguntar constantemente qual é o sentido de ir à escola todos os dias, algo que ela já não gostava. Gostei muito do que a série está fazendo com a personagem dela, uma garota cada vez mais segura de si.

Por ser uma comédia de horror, gênero que me chama atenção por ser algo diferente do que costumamos assistir, a série combina gore, que, para uma comédia, tem uma dose bem alta, com um senso de humor mórbido.

No entanto, a trama não esquece da parte humana de seus personagens. Afinal, conta a história de uma família e como eles lidam com a sua nova realidade. É interessante ver que, apesar das cenas iniciais terem apresentado uma família aparentemente comum, vemos, com o tempo, que não era bem assim.

Cada integrante tinha seus próprios segredos e o ocorrido com Sheila só os aproximou e os mantiveram unidos. Apesar da alta dose de piadas sórdidas, situações engraçadas e constantes sátiras à estereótipos, a história não deixa de trazer à sua maneira uma lição a cada episódio.

Se você insiste que eu aponte um defeito da série, para não dizer que tudo são flores, te digo que algumas piadas no meio do caminho não são tão engraçadas, mas seguem e são seguidas de muito mais sacadas geniais, porque os episódios têm momentos de querer ser engraçado o tempo inteiro, sem parar.

Mas o que me incomoda mais que isso é a mania que a Netflix tem de deixar muito gancho. Mas não é um gancho só, é o kit inteiro do pescador, de forma que a temporada acaba e você não sente que um ciclo se completou.

Santa Clarita Diet é uma comédia para a família toda – se sua não se importa com umas piadas bem toscas e altas doses de gore.


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