Crise de criatividade? Apelo por remakes não é um fenômeno atual
26/01/2023 às 19h15
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Essa semana, li um artigo que me chamou a atenção: o repórter questiona um ator sobre o atual “fenômeno de remakes” que estaria assolando a TV brasileira – por causa do recente anúncio das próximas regravações que a Globo pretende levar ao ar: Elas por Elas e Renascer.
Divulgação / GloboA matéria sugere uma crise na criação de textos originais para televisão, devido à baixa audiência do veículo nos últimos anos, o que faz as emissoras recorrerem a antigos sucessos e à memória afetiva do público.
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Crise de criatividade?
Não acredito que a produção de remakes seja um reflexo, ou consequência, da baixa audiência ou de uma crise de criatividade, haja vista que a TV brasileira sempre produziu remakes, em todas as épocas e todas as emissoras.
E este não é apenas um fenômeno exclusivo das novelas nacionais: a TV e o cinema americanos, por exemplo, sempre produziram novas versões de sucessos do passado, séries ou filmes. A emissora mexicana Televisa então, nem se fala!
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Tampouco a intenção de três remakes em pouco tempo (Pantanal seguido de Elas por Elas e Renascer) sinaliza um “boom” de regravações.
O momento ruim na audiência da TV aberta está muito mais ligado aos novos hábitos de consumo e de vida da sociedade do que necessariamente a uma “crise de criatividade” que levaria as emissoras a optarem por antigos sucessos para salvar suas grades.
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Todas as emissoras
Não apenas a Globo, mas todas as emissoras de televisão recorreram a algum remake em algum momento. Nem vou considerar as adaptações de textos de fora, principalmente da América hispânica, que foram a base da teledramaturgia brasileira nas primeiras décadas de televisão (anos 1950 e 1960). Também a base de quase todas as novelas do SBT ao longo de sua existência.
Aliás, proporcionalmente falando, o SBT é a emissora campeã de remakes, com releituras de produções latinas e brasileiras (como Éramos Seis, As Pupilas do Senhor Reitor (foto), Sangue do Meu Sangue, Os Ossos do Barão, Uma Rosa com Amor e outras).
As demais emissoras também apelaram para a memória do público: Record (Louca Paixão, A Escrava Isaura, Cidadão Brasileiro, Bicho do Mato, Dona Xepa e textos de originais latinos, como Bela, a Feia e Rebelde); Band (A Deusa Vencida, O Meu Pé de Laranja Lima – esta, duas vezes inclusive); Manchete (Antônio Maria, Helena) e Tupi (A Selvagem, O Machão, Éramos Seis, O Direito de Nascer).
Tipos de remake
Relaciono abaixo os remakes que a Globo produziu ao longo do tempo, separados por décadas, para ilustrar que o apelo por sucessos do passado não é um “fenômeno atual”.
É preciso salientar que existem vários tipos de remakes. Alguns são regravações quase literais das antigas produções, como Pantanal 2022. Contudo, todo remake passa por adaptações substanciais, até como forma de modernizar e ajustar a nova produção aos padrões de sua época.
Há os casos de novelas que apenas tomaram como base as produções originais e distanciaram-se da primeira versão, como O Profeta 2006. Outras aglutinaram mais de uma novela, como Mulheres de Areia 1993 (com tramas de O Espantalho, foto), Sonho Meu (A Pequena Órfã + Ídolo de Pano) e Ti-ti-ti 2000 (com tramas de Plumas e Paetês).
Há ainda as novas versões de obras literárias, que são novas adaptações das mesmas histórias, mas com focos diferentes, como Ciranda de Pedra 2008.
Anos 80
A Globo começou a produzir remakes com a contratação de Ivani Ribeiro. De todas as novelas de Ivani na emissora, apenas a primeira, Final Feliz (1982-1983), era um texto original. As demais foram remakes ou adaptações de antigas novelas da autora:
– Amor com Amor se Paga (em 1984), baseada em Camomila e Bem-Me-Quer (Tupi, 1972-1973);
– A Gata Comeu (em 1985, foto), remake de A Barba Azul (Tupi, 1974-1975);
– Hipertensão (em 1986-1987), baseada em Nossa Filha Gabriela (Tupi, 1971-1972);
– O Sexo dos Anjos (em 1989-1990), baseada em O Terceiro Pecado (Excelsior, 1968).
Também o remake de Selva de Pedra (novela de 1972), de Janete Clair, produzido em 1986.
Anos 90
Houve dois remakes de Ivani Ribeiro na década: Mulheres de Areia (em 1993), a partir da novela da Tupi, de 1973-1974, com a adição de tramas de O Espantalho, de 1977; e A Viagem (em 1994), a partir da novela da Tupi, de 1975-1976. Mais dois remakes de Janete Clair: Irmãos Coragem (em 1995), a partir da novela de 1970-1971; e Pecado Capital (em 1998), adaptação de Glória Perez da novela de 1975-1976.
Também Lua Cheia de Amor (em 1990-1991, foto), uma adaptação disfarçada da novela Dona Xepa, de 1977; Sonho Meu (em 1993-1994), baseada em duas novelas de Teixeira Filho, A Pequena Órfã (TV Excelsior, 1968-1969) e Ídolo de Pano (TV Tupi, 1974-1975); e Anjo Mau (em 1997-1998), adaptação de Maria Adelaide Amaral da novela de Cassiano Gabus Mendes, de 1976.
Anos 2000
A Globo começou a produzir remakes de tramas de Benedito Ruy Barbosa: Cabocla (em 2004), da novela de 1979; Sinhá Moça (em 2006), da novela de 1986; e Paraíso (em 2009), da novela de 1982-1983.
O Cravo e a Rosa (2000-2001, foto), de Walcyr Carrasco, é praticamente um remake da novela O Machão, da TV Tupi, de 1974-1975 – que, por sua vez, já era um remake, da novela A Indomável, da TV Excelsior, de 1965. Todas essas produções tiveram como base A Megera Domada, de Shakespeare.
O Profeta, em 2006-2007, era uma adaptação da novela de Ivani Ribeiro da TV Tupi, de 1977-1978. Porém, distanciou-se tanto da obra original que trata-se de uma nova novela, apenas inspirada na antiga. Ciranda de Pedra, em 2008, é uma nova adaptação do romance de Lygia Fagundes Telles, que distanciou-se da novela de 1981 (a primeira versão), em que o tempo da ação e o foco eram outros.
Anos 2010
A década em que mais se produziram remakes, mesmo porque a Globo abriu um novo horário de novelas, às 23 horas, no qual vários deles foram exibidos: O Astro (em 2011), da novela de 1977-1978; Gabriela (em 2012), da novela de 1975; Saramandaia (em 2013), da novela de 1976; e O Rebu (em 2014), da novela de 1974-1975.
Houve ainda uma nova versão de Ti-ti-ti (em 2010-2011, foto), da novela de 1985-1986 com a inclusão de tramas de Plumas e Paetês, de 1980-1981; Guerra dos Sexos (de 2012-2013), da novela de 1983; Meu Pedacinho de Chão (em 2014), da novela de 1971-1972; Haja Coração (em 2016), adaptação da novela Sassaricando, de 1987-1988; e Éramos Seis (em 2019-2020, foto abaixo), remake da novela da Tupi de 1977 – que por sua vez havia gerado outro remake, pelo SBT, em 1994.
O último foi Pantanal (em 2022), remake da novela de Benedito Ruy Barbosa, da TV Manchete, de 1990.
Público novo
A opção por releituras, adaptações ou remakes de antigos sucessos não pode ser considerado um fenômeno atual. É algo que sempre existiu na televisão, independentemente de audiência ou crise criativa. Imagine que, por volta de dez anos atrás, a Globo contabilizava cinco remakes em um espaço de três anos: Ti-ti-ti (2011), O Astro (2011), Gabriela (2012), Guerra dos Sexos (2012-2013) e Saramandaia (2013).
Afinal, por que não levar a um novo público um texto bom que deu certo no passado? Lembrando que as emissoras não produzem remakes para satisfazer o espectador saudosista, mas para, além de cativar o público que viu a versão anterior, cativar também o público mais jovem, que não teve acesso à obra original.
O que vale, é a audiência ($) que pode-se angariar com algo que já deu certo.