André Santana

O Canal Viva anunciou que promoverá cortes na exibição de Malhação 1998. Erick Bretas, diretor de Produtos Digitais e Canais Pagos da Globo, explicou que a medida se deve a um plot de “blackface” que reverbera em alguns capítulos da trama. Na sequência em questão, brancos se pintam de preto para representarem uma banda rastafari.

Malhação 1998 (Radical) - Cássia Linhares e Rodrigo Faro
Divulgação / Globo

A medida se justifica, já que, em 2023, casos de blackface, uma prática racista, são inaceitáveis e criminosas. Porém, os cortes vão contra a política do Canal Viva, que tem como uma de suas propostas exibir conteúdos antigos sem cortes.

Apesar de totalmente justificável, a medida abre precedentes. Ao optar por eliminar conteúdos que não são tolerados na sociedade atual, o canal pode comprometer futuras reprises, já que os cortes podem se tornar mais comuns a partir de agora.

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Polêmica antiga

Da Cor do Pecado - Reynaldo Gianecchini e Taís Araujo
Divulgação / Globo

Embora ainda tenha muito o que evoluir, a sociedade avançou bastante nos últimos anos ao discutir assuntos que antes eram considerados tabus. Práticas ofensivas, mas culturalmente aceitas, passaram a ser questionadas e reavaliadas.

Isso se reflete na programação da TV. Basta lembrarmos dos velhos programas de humor que faziam graça ridicularizando minorias e explorando corpos femininos à exaustão. Eram práticas que sempre ofenderam determinados grupos, mas eram culturalmente aceitas já que representavam o pensamento dominante da época. Felizmente, as discussões avançaram e esses programas não existem mais.

Com isso, é sempre delicado revisitar uma obra que representa determinado tempo. O Viva, que tem sua programação formada basicamente por produções antigas da Globo, quase sempre tem que “rebolar” para tentar deixar claro que as atrações que exibem representam os costumes de uma época.

Isso ficou evidente quando o canal resgatou Da Cor do Pecado (2004, foto acima), um grande sucesso da Globo, mas que, hoje, é problematizada em razão do título infeliz. Foi a partir deste repeteco que o Canal Viva passou a exibir a cartela com os dizeres: “Esta obra reproduz comportamentos e costumes da época em que foi realizada”.

Atitude questionável

Malhação 1998 - Alexandre Barillari, Bruno Gradim, Dani Valente, Jonas Torres, Juliana Baroni e Luiza Mariani
Divulgação / Globo

Historiadores e especialistas tendem a concordar que não se deve condenar uma obra de arte que possa vir a representar um costume condenável justamente porque obras são frutos de um contexto histórico. A análise precisa partir do ponto de vista do período em questão.

O Viva, a princípio, corrobora com essa ideia, já que avisa seu público que o conteúdo exibido pode reproduzir comportamentos atualmente inaceitáveis. A própria reprise de Malhação, rotineiramente, exibe cenas que já não cabem nos dias atuais.

Nas primeiras temporadas, por exemplo, Mocotó (André Marques) e seus amigos tinham o bordão “isso é coisa de frutinha!”. Referências à homossexualidade, quase sempre, aparecem em tom jocoso, algo que, felizmente, perdeu espaço na TV.

A exploração de corpos femininos também é bastante frequente na trama adolescente. Além de bastante sexista, o texto de Malhação também reproduz ideias bem machistas. Porém, isso é exibido na íntegra e sem grandes questionamentos.

Racismo

O Beijo do Vampiro - Tato Gabus Mendes
João Miguel Júnior / Globo

Além disso, outras atrações do Canal Viva já exibiram blackface. Para citar um caso recente, na reprise de O Beijo do Vampiro (2002), foi exibida uma sequência em que Bartô (Tato Gabus Mendes, foto acima), após uma transformação, surge com a pele pintada de preto e cabelo rastafari.

No caso de Malhação, Erick Bretas justifica que o plot da banda rastafari dura alguns capítulos. Ou seja, o conteúdo ofensivo se estenderia além da conta, diferente da trama de Antonio Calmon, que exibiu uma sequência rápida – mas, ainda assim, ofensiva.

O maior problema do corte em Malhação é que a prática pode se perpetuar. No futuro, outras obras de conteúdo problemático podem ser retalhadas pelos mais variados motivos. É um risco que se corre.

De repente, a melhor solução seria exibir o conteúdo problemático e, na sequência, uma explicação apontando os motivos de as cenas serem consideradas ofensivas, reforçando que racismo é crime e deve ser combatido. Deste modo, o público poderia compreender melhor porque comportamentos antes considerados “normais” são refutados nos dias de hoje. O Viva perdeu uma boa oportunidade de educar seu público.

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André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural. Cresceu acompanhado da “babá eletrônica” e transformou a paixão pela TV em profissão a partir de 2005, quando criou o blog Tele-Visão. Desde então, vem escrevendo sobre televisão em diversas publicações especializadas. É autor do livro “Tele-Visão: A Televisão Brasileira em 10 Anos”, publicado pela E. B. Ações Culturais e Clube de Autores. Leia todos os textos do autor