Considerações sobre a complexidade humana e o maniqueísmo na teledramaturgia atual

07/02/2018 às 2h00

Por: Thallys Bruno
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Abordar o comportamento humano nas novelas é sempre uma missão difícil. Alguns enredos exigem perfis mais maniqueístas, de comportamento declarado (mocinhos justos e honestos, vilões ambiciosos e cruéis), servindo ao folhetim. Outros optam por personagens com estilos que misturem estas características, tornando-os mais próximos das pessoas normais. E a coluna de hoje tem como objetivo falar sobre estes elementos nas atuais novelas inéditas.

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Na atual temporada de Malhação – Viva a Diferença – melhor trama no ar com folga – o enredo foge o máximo possível da linearidade. Seus principais personagens trazem características que os tornam ainda mais cativantes, mexendo com as principais emoções do público. Como exemplos, a rebeldia de Lica (Manoela Aliperti) e MB (Vinícius Wester), a indecisão de Keyla (Gabriela Medvedovski) em relação a Tato (Matheus Abreu), o espírito livre de Samantha (Giovanna Grigio), o aparente desinteresse sexual de Guto (Bruno Gadiol) e o rigor de Mitsuko (Lina Agifu), mãe de Tina (Ana Hikari).

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São perfis que trazem características que enriquecem seus dramas em suas ações e entrechos e dão boas possibilidades para seus intérpretes. E o desenvolvimento se faz presente para que a complexidade desses personagens ganhe ainda mais verdade. Ainda assim, o maniqueísmo também está presente – na figura de Malu (Daniela Galli), a ambiciosa e corrupta coordenadora do colégio Grupo. E isto não é um defeito, uma vez que a manipuladora esposa de Edgar (Marcello Antony) é um retrato fiel (ainda que velado) de representantes da onda conservadora atual.

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Na novela das seis, Tempo de Amar, a complexidade se faz presente pela figura de José Augusto (Tony Ramos), pai de Maria Vitória (Vitória Strada), que ama muito sua filha, porém, causou um grande sofrimento à mãe dela, Celeste Hermínia (Marisa Orth), obrigando-lhe a fugir. O personagem evidencia o talento de Tony e o faz ser um dos maiores destaques da novela.

Já o maniqueísmo tem como sua principal representante a vilã Lucinda (Andreia Horta), que faz de tudo para ter Inácio (Bruno Cabrerizo) para si, a ponto de manipulá-lo sorrateiramente enquanto estava cego e enganar a mocinha ao lhe entregar as cinzas de sua mãe como sendo as do fracassado protagonista (que perdeu espaço para Vicente, o gentleman vivido por Bruno Ferrari). O desenho do perfil da vilã é acertado e também valoriza a competência de Andreia Horta. É de se lamentar apenas que Lucinda tenha função praticamente apenas com Inácio, o que a faz ter pouca atuação em outros núcleos.

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Em Deus Salve o Rei, às 19h, o perfil mais humanizado está na figura de Rodolfo (Johnny Massaro), recém-elogiado aqui no TV História. O cínico e irresponsável neto caçula da rainha Crisélia (Rosamaria Murtinho) só queria saber da boa-vida na monarquia, mas se viu obrigado a assumir o trono depois da renúncia do mais velho, Afonso (Rômulo Estrela), que se apaixonou pela plebeia Amália (Marina Ruy Barbosa). O novo monarca tem a história mais rica do enredo até o momento e sua trajetória no posto mais alto de Montemor tem tudo pra render bons conflitos.

Já os mocinhos, de perfis mais lineares, têm tomado atitudes que não combinam justamente com o posto. Afonso, antes bem quisto pelo povo de Montemor, agiu de forma egoísta ao deixar o trono para o irmão completamente despreparado. Amália, por sua vez, se recusou a se adaptar à vida no ambiente da realeza, mas não se incomoda que o amado ceda aos anseios dela. Uma falha do enredo, que torna os perfis pouco críveis, em vez de também dar o status de ambiguidade aos mesmos.

Por sua vez, a grande vilã, Catarina (Bruna Marquezine), tem se mostrado “muito discurso e pouca ação”. Além do burburinho envolvendo as críticas à atuação de Bruna, o desenvolvimento da personagem por enquanto não empolga – o máximo que ela faz é se envolver com o ambicioso Constantino (José Fidalgo) e tentar enganar o marquês (Vinícius Calderoni), além de confabular contra o pai (Rei Augusto, vivido por Marco Nanini).

A trama das nove, O Outro Lado do Paraíso, é a que mais peca nestes dois aspectos. Em meio às constantes críticas à qualidade do enredo de Walcyr Carrasco, contrastando com os generosos índices de audiência conquistados a cada capítulo, os dois aspectos são tratados da maneira mais rasteira possível, sem qualquer cuidado com as ações. Tanto que a maioria dos personagens lá não se enquadra como ambígua ou linear. São apenas intragáveis.

Personagens como Nádia (Eliane Giardini) – corrupta e racista; Gustavo (Luís Melo) – um fantoche na mão da esposa; Diego (Arthur Aguiar) – um rapaz machista que engana a esposa com uma prostituta, tratando esta última como simples objeto sexual; Natanael (Juca de Oliveira) – vilão que engendrou uma armação sem pé nem cabeça contra Elizabeth (Glória Pires), em teoria, seriam bons perfis, caso o enredo tivesse um pouco mais de cuidado. Da forma como são, esbarram no maniqueísmo mais raso e viram meras caricaturas totalmente fora de propósito.

E os perfis pretensamente complexos, como a mocinha Clara (Bianca Bin), não passam da pretensão. Suas ações também não passam verdade em virtude de uma condução que não favorece que a humanidade presente neles aflore de forma convincente. A incompatibilidade entre o enredo e a direção de Mauro Mendonça Filho é outro fator que piora a situação: a trama tenta se dividir entre o cult e o novelão rasgado, mas não é nem uma coisa nem outra.

Histórico

A discussão entre complexidade e maniqueísmo não é uma novidade. Outras obras também aventaram a possibilidade de misturar mocinhos e vilões e também acertaram e erraram. Um recente caso foi Sangue Bom (2013), ótima novela das sete de Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari. Perfis mais dúbios, como Amora (Sophie Charlotte) e Fabinho (Humberto Carrão), conviveram com tipos mais lineares, como Malu (Fernanda Vasconcellos) e Bento (Marco Pigossi).

A condução de Amora, em especial, foi a mais controversa. De início, a personagem transparecia bastante a dubiedade presente em suas ações e sua forma torta de amar Bento. No entanto, em certo ponto da história, o lado sombrio da personagem de Sophie falou mais alto e suplantou sua faceta mais humana, resgatada tardiamente com a presença de sua irmã Simone (a já citada Andreia Horta). Ainda assim, isso não chegou a atrapalhar o bom conjunto da obra, bem como a boa atuação de Sophie.

Em Totalmente Demais (2015-16), também no horário das 19h, Rosane Svartman e Paulo Halm foram mais felizes na condução de Carol Castilho (Juliana Paes), a sedutora e ambiciosa diretora de redação da revista que leva o nome da novela. Os autores souberam dosar bem todas as nuances da personagem, desde seu envolvimento gato-e-rato com Arthur (Fábio Assunção), suas armações contra a mocinha Eliza (Marina Ruy Barbosa) e sua convivência com a irmã Dorinha (Samantha Schmütz). O resultado foi o perfil mais cativante da história, bem como um dos melhores papeis de Juliana Paes.

Em Rock Story (2016-17), na mesma faixa, a trajetória de Diana (Alinne Moraes, também ótima), ainda apaixonada pelo ex Gui Santiago (Vladimir Brichta), também seguiu sem sobressaltos até a chegada da reta final, quando a loira também teve seu lado mais sombrio ampliado, em especial após a morte precoce de Lorena (Nathalia Dill), a gêmea má que pouco fez na história. Diana chegou ao ponto de forjar uma gravidez, algo que não combinava com sua personalidade (falha admitida pela própria autora).

Complexidade e maniqueísmo são características bem-vindas a qualquer novela, desde que bem-trabalhadas. Alguns telespectadores podem se identificar com os perfis mais ambíguos, que misturem ações louváveis e condenáveis. Outros gostam dos mais tradicionais, até em nome da aura de se torcer pelo mocinho e odiar o vilão (algo que nem sempre se consegue). No fim das contas, o que vale é sempre uma boa condução de enredo, que valorize o personagem e o ator. E, enquanto a maioria das novelas atuais da Globo acerta e/ou pouco erra nesta questão, a atual das nove falha miseravelmente em ambos.


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