Como eram as novelas e a televisão no tempo de O Bem-Amado

05/03/2021 às 0h17

Por: Nilson Xavier
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Disponíveis no Globoplay, os 178 capítulos da novela O Bem-Amado, de Dias Gomes, foram originalmente exibidos entre janeiro e outubro de 1973. Há, portanto, 48 anos. É um bocado de tempo. A televisão brasileira passou por diversas transformações de lá para cá. As telenovelas atuais guardam a essência do gênero, mas a narrativa, o ritmo, e a técnica, quanta diferença!

O Bem-Amado não é um bom parâmetro para comparação entre as produções de ontem e hoje. Serve apenas como referência de tempo. A atemporalidade de sua trama é tão latente que concluímos que, para a década de 1970, a novela estava muito à frente de seu tempo. A bem da verdade, O Bem-Amado é moderna até aos olhos de hoje.

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Com narrativa seriada e trama ágil, os capítulos, com média de 30 minutos, estavam sempre repletos de acontecimentos, em pequenos arcos de tramas que se iniciavam e se fechavam em um espaço de alguns dias, para dar lugar a outros. Não por acaso, a novela foi exibida na antiga faixa das dez noite, para a qual a TV Globo se permitia “experimentações” na dramaturgia. Ou seja, a emissora estava predisposta a correr riscos.

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Como toda tentativa, há sempre as que não são bem sucedidas: a produção imediatamente anterior no horário das dez, O Bofe, de Bráulio Pedroso, foi um fracasso de audiência e repercussão. Outras se tornaram clássicos da televisão pela ousadia, mas alcançaram um Ibope morno (como O Rebu e O Grito). Já outras, fizeram sucesso e são lembradas até hoje (como Bandeira Dois, O Bem-Amado, O Espigão, Gabriela e Saramandaia).

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Em 1973, a TV Globo, além da “novela das dez”, exibia a novela das seis (A Patota), a das sete (Uma Rosa com Amor, sucedida por Carinhoso) e a das oito (Cavalo de Aço, sucedida por O Semideus).

Durante a exibição de O Bem-Amado, as demais emissoras exibiram: na Tupi, Jerônimo o Herói do Sertão, Camomila e Bem-Me-Quer, Rosa dos Ventos, Vitória Bonelli, A Revolta dos Anjos, Mulheres de Areia e A Volta de Beto Rockfeller; e na Record, Eu e a Moto, Quero Viver, Vendaval e Vidas Marcadas.

Ainda gravadas em preto e branco (O Bem-Amado foi a primeira colorida), essas novelas obedeciam uma fórmula apropriada ao seu horário de exibição, como acontece até hoje (apesar de esse padrão ter sido alterado ao longo do tempo). Na Globo, às seis, uma novela infantojuvenil, às sete, comédias românticas ou dramas leves, às oito, uma trama mais densa, destinada ao público adulto, e, às dez, as tais experimentações.

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Vale lembrar que era época da censura do Regime Militar, que vigiava com rigor tramas e cenas, permitindo apenas o que estivesse dentro de suas diretrizes “morais e de bons costumes”. Nem O Bem-Amado, que era transmitida mais tarde, escapou incólume a vários vetos impostos pelos censores de Brasília.

Os capítulos das novelas eram mais curtos que hoje em dia (em tempo no ar). Por isso, quando é produzido algum remake, é necessário criar mais tramas e personagens para fazer render o equivalente ao que era feito no passado.

O capítulo da noite iniciava-se com o gancho do capítulo anterior, seguido da abertura da novela e um intervalo comercial. Na volta deste intervalo, antes do primeiro bloco, era exibido o número do capítulo. E havia as “cenas do próximo capítulo”, com uma narração contundente em off. No caso de O Bem-Amado: “Só fala quem sabe. Não vale promessa. Pague pra ver. A vida é um jogo, um quebra-cabeça… O Bem-Amado!”.

A narrativa era mais lenta. Porém esta não era uma característica exclusiva das telenovelas. A TV em geral era mais lenta. Os seriados estrangeiros dos anos 70 – principalmente os dramáticos e de ação – eram igualmente paradões, quando comparados aos de hoje em dia. Pegue um episódio aleatório de Os Waltons ou Kojak e confira o ritmo e a lentidão das cenas e das histórias.

Outro fator importante que explica a lentidão no ritmo da TV brasileira daqueles tempos é o fato de os aparelhos televisores não possuírem controle remoto, peça que só se popularizou nos anos 1980. Para trocar de canal, era necessário levantar-se do sofá e girar o seletor, escolhendo entre as redes Globo, Tupi, Record e Band – se a sua região fosse assim “farta” de emissoras!

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O controle remoto representou uma verdadeira revolução, pois originou o zapping, o hábito de comodamente trocar de canal para escolher o que assistir. Mais importante ainda é que, nos anos 1970, a concorrência da TV aberta era apenas com ela mesma, ou seja, entre as emissoras. Não existia TV a cabo, filmes em vídeo cassete, nem videogames. Muito menos internet (restrita aos meios acadêmico e corporativo) e menos ainda streaming.

Ou seja: pouca concorrência e a TV ligada sempre em um canal, aquele que apresentasse melhor imagem ou melhor programação. Assim, foi na década de 1970 que a TV Globo tornou-se o império que é hoje, criando o hábito no brasileiro de manter a TV ligada nela – hábito que foi passado para as gerações seguintes.

Logicamente também porque a Globo apresentava uma programação unificada, abrangendo a maior parte do território nacional, com melhor qualidade técnica e artística (sem desmerecer os profissionais de outras emissoras). A Globo tinha mais grana, logo investia mais na parte técnica, por exemplo.

Contudo, aqueles eram outros tempos, em que o público tinha outros padrões em um cenário sócio-cultural completamente diferente. Por isso enfatizo que é inviável comparar audiência e repercussão da TV dos anos 1970 (e até mesmo dos anos 1980) com hoje, uma realidade totalmente distinta.

SOBRE O AUTOR
Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira.

SOBRE A COLUNA
Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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