“Abelardo Barbosa. Está com tudo e não está prosa. Menino levado da breca, Chacrinha faz Chacrinha na Buzina e Discoteca”. Em 1982, 10 anos depois de deixar a Rede Globo após uma série de desentendimentos e insatisfações, esse famoso tema musical podia ser novamente ouvido na programação da emissora. Chacrinha (1917-1988) voltava à antiga casa, agora nas tardes de sábado, para comandar o Cassino do Chacrinha, seu derradeiro programa na televisão.

Antes de falarmos do novo programa, vamos entender o contexto da primeira passagem de Chacrinha pela Globo. O apresentador fazia sucesso na TV Rio desde o início dos anos 1960. Foi contratado pela emissora de Roberto Marinho em 1967.

Ele comandava dois programas: Discoteca do Chacrinha, às quartas-feiras, e Buzina do Chacrinha, aos domingos. Em 1969, com o advento das redes de micro-ondas da Embratel e a transmissão ao vivo para diversas regiões do país, o Velho Guerreiro, como era conhecido, tornou-se líder nacional.

Tudo corria bem até 1972, quando Chacrinha começou a se desentender com seu amigo José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então mandachuva da emissora. Segundo o executivo contou em seu livro, o Velho Guerreiro passou a atrasar, propositalmente, o término de seus programas, que eram ao vivo, prejudicando a pontual grade da emissora.

Em 3 de dezembro daquele ano, Chacrinha fazia o Buzina, normalmente, e já havia estourado o horário. Deveria terminar às 22h, eram 22h04 e ainda faltavam três atrações. Boni pediu que a atração encerrasse às 22h10. Jorge Barbosa, filho do apresentador e produtor do programa, respondeu: “Chacrinha mandou dizer que não tem previsão para terminar”.

O diretor ficou extremamente irritado e encerrou o programa ali mesmo. “Tirei imediatamente do ar. O Chacrinha quebrou tudo no estúdio e subiu, possesso, sem camisa, até a minha sala, gritando: ‘Vou embora, vou embora, não apareço mais aqui'”, contou Boni na obra.

Após deixar a Globo, Chacrinha foi rápido e estreou na TV Tupi alguns dias depois. A Globo improvisou algumas atrações para tapar os buracos na grade, como o musical Globo de Ouro e o programa Só o Amor Constrói. Posteriormente, estreou o Fantástico, em agosto de 1973. Chacrinha seguiu sua carreira na Tupi e ainda passou pela Bandeirantes, onde ficou até 1981.

Reconciliação e recomeço na Globo

Ainda em seu livro, Boni contou que ele e Chacrinha passaram vários anos brigados. Só que a desavença terminou após um jantar onde eles foram reunidos por amigos em comum. “Terminamos a noite, eu e o Chacrinha, a sós. Ele chorou todas as mágoas, reclamou da minha ausência nos últimos programas que fez na Globo, admitiu que estava me provocando por causa disso e voltamos a nos falar”, explicou.

Ainda segundo Boni, Florinda Barbosa, esposa de Chacrinha, foi a grande responsável pela volta do marido à Globo. “Ela promovia muitos jantares, me colocava a sós com ele e pedia: cuida do meu velho”, ressaltou.

Boni também contou a proposta que fez para o apresentador. “Disse ao Chacrinha que nossa programação estava completa, mas que adoraria tê-lo aos sábados à tarde, com duas horas de duração. Pensei que ele não aceitaria. No dia seguinte, assinamos o contrato. Nunca mais tivemos qualquer problema. Nossa relação profissional amadureceu e a amizade se consolidou de uma forma incrível. Posso dizer que fazia parte da família dele”, enfatizou.

E chegou o dia da estreia…

Inicialmente, o Cassino do Chacrinha ia ao ar ao vivo, diretamente do Teatro Fênix, no Rio de Janeiro, reunindo os formatos da Buzina e da Discoteca num único programa.

Chacrinha, então aos 64 anos de idade, disse ao jornal O Globo de 6 de março de 1982, dia da estreia, que o regresso à Globo era “o melhor presente que poderia receber depois de tantos anos de afastamento”.

No júri do primeiro programa participaram os fixos, Elke Maravilha e Edson Santana, e convidados como Tarcísio Meira, Glória Menezes, Maitê Proença, Mário Gomes, Costinha e Elizabeth Savalla. Entre as atrações musicais estavam Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa, Fagner, Clara Nunes, Beth Carvalho, Fábio Jr. e Simone, entre outros.

O programa também tinha as tradicionais chacretes, que moravam em São Paulo e iam ao Rio de avião para gravar, voltando de ônibus. “Vamos ver como vai funcionar esse esquema”, disse o Velho Guerreiro.

No novo horário, Chacrinha ficou feliz por atingir crianças e adolescentes. “Por incrível que pareça, meus programas são feitos para crianças. Agora, como o programa é à tarde, as crianças a partir de cinco anos de idade poderão participar. Enfim, a garotada não será esquecida daqui para a frente, porque uma das coisas de que me arrependo de não ter feito, até hoje, é de me dedicar mais a esse filão de telespectadores”, explicou ao jornal.

“Tenho certeza que meu esforço profissional será mais valorizado do que nunca pela qualidade das realizações da Globo. O horário, embora muitos possam pensar que seja ruim, atende bem a maior parte do meu público, que é de crianças e adolescentes. O Cassino tem tudo para dar certo. O resto, o público é que vai dizer”, ressaltou o apresentador.

E deu certo mesmo. O Cassino fez muito sucesso e ficou no ar até 2 de julho de 1988. O último episódio, gravado 15 dias antes, foi exibido dois dias após a morte de Chacrinha, vítima de câncer de pulmão. Nas últimas semanas, debilitado, ele estava sendo auxiliado pelo humorista e apresentador João Kléber. A Globo decidiu exibir o último programa como forma de homenagem.

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Thell de Castro

Apaixonado por televisão desde a infância, Thell de Castro é jornalista, criador e diretor do TV História, que entrou no ar em 2012. Especialista em história da TV, já prestou consultoria para diversas emissoras e escreveu o livro Dicionário da Televisão Brasileira, lançado em 2015 Leia todos os textos do autor