Há 32 anos, em 1988, a novela Vale Tudo, um dos maiores sucessos da história da Rede Globo, atualmente em reprise no canal Viva, arrumou confusão com moradores do Catete, tradicional bairro do Rio de Janeiro (RJ), e com operadores de telex de todo o Brasil. No entanto, de acordo com Gilberto Braga, um dos autores da trama, tudo não passou de mal-entendidos, logo explicados.

O primeiro problema surgiu logo nos primeiros capítulos da trama, quando Ivan (Antônio Fagundes), um economista com currículo invejável, estava desempregado e aceitou o posto de operador de telex no Grupo Almeida Roitman, de Odete Roitman (Beatriz Segall), para tentar subir dentro da empresa.

De acordo com profissionais desse segmento, a novela classificou a profissão como subemprego. “Foi um mal-entendido”, disse Braga ao jornal O Globo de 31 de julho de 1988, explicando que caracterizou a situação dessa forma em virtude de Ivan ser formado em outra área.

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Quase um mês depois, em 23 de agosto, o mesmo jornal noticiou que moradores do Catete estavam muito insatisfeitos com a forma como o bairro era retratado na história. Tudo por causa das intempestivas declarações de Fátima (Glória Pires), que dizia que achava o lugar brega e queria que a mãe, Raquel (Regina Duarte), fosse morar na Avenida Vieira Souto, em Ipanema.

Integrantes da Associação dos Moradores do Catete, inclusive, fizeram uma reclamação formal à Rede Globo. “Esse é um problema pessoal dela, porque ela é uma louca”, disse o autor.

“Não tive a menor intenção de depreciar o Catete, que acho muito simpático. Eu o escolhi como cenário do núcleo mais pobre da novela porque fica perto do Flamengo, onde moro. Gosto de escrever sobre coisas e lugares que conheço e a grande vantagem dessa locação é poder mostrar de vez em quando o aterro do Flamengo, que é lindo, e o pessoal que o frequenta”, completou.

Além de Ivan e Raquel, no bairro que sediou o poder político da República até a criação de Brasília, sendo palco do suicídio do presidente Getúlio Vargas (1882-1954), estava o núcleo formado por importantes personagens da trama, como Poliana (Pedro Paulo Rangel), inicialmente dono de um botequim, depois transformado em sócio e melhor amigo da protagonista; Aldeíde (Lília Cabral) e Consuelo (Rosane Gofman), secretárias da TCA, empresa do grupo de Odete; o motorista Jarbas (Stepan Nercessian); e os jovens André (Marcello Novaes) e Daniela (Paula Lavigne), entre outros.

“Todos de classe média, as moças trabalhando numa grande empresa na cidade como secretárias, tendo como ponto em comum o temperamento simples, simpático, e o desejo de ascensão social. Seria este o perfil do morador do bairro?”, questionou a reportagem.

“Toda vez que aparece o Catete na televisão é de modo depreciativo. Mas é porque as pessoas acham mesmo que o bairro é brega. Dizem que a praia do Flamengo é e frequentada por favelados, gente sem classe. Médicos e engenheiros que moram aqui ficam aborrecidos com isso. A verdade é que não recebemos benefícios municipais e estaduais. Temos apenas uma escola pública e para crianças do primário. Não temos creches. Os 13 terrenos do metrô estão aí abandonados. E o descaso para conosco que incentiva essa reputação de que vivemos em bairro de gente que não pode morar em outro lugar”, desabafou a professora aposentada Maria José.

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Gilberto Braga achou uma “bobagem” a preocupação dos moradores. Ele disse que colocou numa vila típica do bairro personagens comuns como pequenos comerciais, motoristas, secretárias, enfim, gente que trabalha na cidade e usa o metrô.

“Acho estranho essa preocupação, nunca tinha pensado se o Catete é ou não brega. Brega tem em todo lugar e as famílias da novela que vivem nesse bairro poderiam morar em Copacabana. Ou em Ipanema, que não é só a Vieira Souto”, disse Pedro Paulo Rangel, que morava no Flamengo e dizia ter vivido muito naquela região na infância.

Com o passar dos capítulos, as reclamações cessaram e Vale Tudo rumou para se tornar um grande sucesso, especialmente com o mistério em torno do assassinato de Odete Roitman nos capítulos finais.

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Thell de Castro

Apaixonado por televisão desde a infância, Thell de Castro é jornalista, criador e diretor do TV História, que entrou no ar em 2012. Especialista em história da TV, já prestou consultoria para diversas emissoras e escreveu o livro Dicionário da Televisão Brasileira, lançado em 2015 Leia todos os textos do autor