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Confesso que tenho ficado reticente com alguns artifícios da autora Manuela Dias para concluir sua novela Amor de Mãe. Acho que estava mal acostumado à ideia da “novela naturalista” como qual a produção se vendeu, com personagens não maniqueístas em uma embalagem que privilegia o realismo (cenários, figurinos e caracterizações) em detrimento da idealização como fuga da realidade.
“O vilão é a vida“, afirmaram a autora e o diretor-geral José Luiz Villamarim no lançamento de Amor de Mãe (em novembro de 2019). Contudo, antes mesmo da paralisação da produção (por causa da pandemia de Covid-19), ficou claro que as coisas não correram bem assim. Aos poucos, o público viu esfacelar a lógica naturalista da obra – talvez por uma questão de demanda de audiência.
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Por mais que Álvaro (Irandhir Santos) tenha sido alardeado como um tipo humano, mas de atitudes questionáveis, sua humanidade foi ficando em segundo plano. Com o passar do tempo, o amor por Verena (Maria) e seu bebê sucumbiram à ambição desmedida, recorrente em qualquer vilão de novela mexicana.
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Thelma (Adriana Esteves), desde o início uma personagem “de muitas camadas”, perdeu todos os freios quando descobriu que o Domênico de Lurdes era o seu Danilo, usando de artimanhas dignas de Nazaré Tedesco. Fica a dúvida se tudo já estava planejado ou se a autora não conseguiu manter a proposta inicial (“o vilão é a vida”) e, motivada pelas circunstâncias (pandemia), rendeu-se a soluções mais digeríveis para encerrar a sua saga.
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Fomos iludidos pela embalagem?
Amor de Mãe nunca se pretendeu ser além do que é, uma telenovela, com todas características que moldam o formato – ainda que em uma estética “diferenciada”, pretensamente de cinema documental. Sua narrativa escancara clichês que fazem a festa do gênero, mesmo que esses clichês soassem ressignificados antes da pandemia, o que chegou a alegrar o público cansado dos entrechos rasteiros de muitas novelas dos últimos anos.
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Há ainda o peso da pandemia, que parece invadir a trama roubando-lhe o frescor, a vida, como na realidade. Com os recordes diários de mortes por covid, resta a incômoda sensação de que a ficção da novela das nove é uma extensão do noticiário – temor já decantado pela audiência exaurida com os fatos do dia a dia.
Lurdes presa a correntes ou em uma cela em cativeiro remete aos mais deslavados dramalhões da Era Magadan. Porém, pode funcionar para a parcela de público que torceu o nariz para o “naturalismo de camadas” inicial. Só não sei o quanto o pé afundado na fantasia desmedida é eficiente quando contraposto com a representação da pandemia – que ainda carrega o desmérito de estar desatualizada, já que as gravações se realizaram em um contexto que mudou bastante.
Ainda bem que no centro desse drama potencializado pelo duelo de mães, há a entrega de Regina Casé e Adriana Esteves, o que faz tudo ficar mais saboroso, seja pelas camadas das personagens que as atrizes desvendam ou pela simples fuga da realidade. Quem sabe na tentativa de atingir um público maior, Manuela Dias seja ainda melhor sucedida.
SOBRE O AUTOR
Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira.
SOBRE A COLUNA
Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.