Desde 2011, a Globo tem optado por, em sua programação de janeiro, fazer microsséries a partir de filmes, dividindo-os em capítulos e inserindo material inédito. A decisão nem sempre é bem vista, sendo às vezes encarada como contenção de custos em vez de uma produção totalmente nova. Entretanto, a mais recente adaptação se revelou um grande acerto: o emocionante filme Entre Irmãs, fracionado em quatro capítulos exibidos durante esta semana.

Baseada na obra A Costureira e o Cangaceiro, de Frances de Pontes-Peebles, escrita por Patrícia Andrade (roteirista de filmes como Gonzaga, de Pai Pra Filho, 2 Filhos de Francisco e coautora da impecável série O Canto da Sereia) e dirigida por Breno Silveira (dos mesmos Gonzaga e 2 Filhos), a série coproduzida com a Conspiração Filmes traz um enredo arrebatador e de pura emoção, enriquecido por um elenco de puro talento.

A história se desenrola a partir das irmãs Emília (Marjorie Estiano) e Luzia (Nanda Costa), que vivem em Taquaritinga do Norte, interior de Pernambuco. A primeira sonha em se casar e se mudar para a capital, enquanto a outra sofre por ter um braço atrofiado. Criadas pela tia Sofia (Cyria Coentro), as duas são costureiras competentes e chamam a atenção do bando de cangaceiros liderado pelo temido Carcará (Júlio Machado), que as obriga a costurar para o grupo.

Luzia é obrigada a ir com os cangaceiros e abandona a irmã e a tia, que morre. Ao mesmo tempo em que lida com a vida difícil no cangaço, Luzia se envolve com Carcará, cuja mãe foi morta por um coronel. Emília conhece Degas (Rômulo Estrela) e se casa com ele, mudando-se para Recife.

Encantada com a modernidade da capital, ela se vê obrigada a lidar com os preconceitos dos pais do rapaz, Dulce (Rita Assemany) e Dr. Duarte (Cláudio Jaborandy), escondendo deles que é irmã de uma cangaceira. Ao mesmo tempo, percebe a ilusão de um grande amor ao descobrir que Degas gosta de um amigo, Felipe (Gabriel Stauffer) – o que a faz compreender porque o rapaz não a deseja. Em compensação, Emília desperta a atenção de Lindalva (Letícia Colin), a moderna amiga de Degas, que a faz se descobrir como é.

A autora Patrícia Andrade desenvolveu o enredo de forma a trabalhar a ligação entre as irmãs, que, mesmo separadas, seguem unidas na memória de cada uma. Merece elogios também o paralelo entre a força de Luzia numa vida totalmente difícil e a fragilidade de Emília em meio às desilusões na cidade grande, bem como as diferentes relações das irmãs com o amor: Luzia, que nunca acreditou nisso, sentiu-se amada de verdade ao lado de Carcará, enquanto a outra irmã via seu universo de sonhos ruir ao conhecer o outro lado do homem que ela acreditava ser seu grande amor.

O elenco é um show à parte. Nanda Costa, intensamente criticada em Salve Jorge (2012-13) ao interpretar a fracassada protagonista Morena, virou o jogo na atual obra. Além de se destacar como Sandra Helena na insossa Pega Pega, a atriz expõe sua versatilidade na pele de Luzia, uma jovem sofrida e de personalidade dura e seca, conformada com sua triste realidade.

Marjorie Estiano não deixa por menos. Uma das melhores de sua geração, ela encanta pela sensibilidade que imprime à fragilidade de Emília, seu deslumbramento com a modernidade da cidade grande em oposição à aridez do sertão em que vivia e a desilusão ao saber que não é desejada. Sua parceria com Nanda rende cenas lindíssimas e de emoção pura.

Ainda brilham nomes como Rômulo Estrela (ótimo como Degas), Cláudio Jaborandy (interpretando um personagem diferente dos perfis “rabugentos”), Rita Assemany (excelente como a preconceituosa Dulce), Letícia Colin (em grande fase e deslumbrante na pele de Lindalva), Júlio Machado (excepcional com sua interpretação do perigoso Carcará), Fábio Lago (ótimo como o ameaçador Orelha e bem mais natural do que o afetado Nick de O Outro Lado do Paraíso) e Cyria Coentro (que deu um show de emoção no primeiro capítulo, em especial na cena da morte de Sofia).

Outro destaque é a linda abertura, remetendo a obras como Cordel Encantado, e contando com a belíssima canção Aponte, interpretada por Maria Bethânia e composta por Nanda Costa em parceria com o músico pernambucano Sambê e a percussionista Lan Lanh (que integrou a banda da saudosa Cássia Eller e fez parte do grupo Moinho, ao lado de Emanuelle Araújo).

A adaptação de Entre Irmãs para série foi um acerto por dois motivos. O primeiro é o melhor fluxo do ritmo da história, que parece arrastado no filme original em virtude de sua extensa duração (2 horas e 40 minutos). Com a quebra em capítulos, cada fração aproveita melhor o que o enredo tem a oferecer, somada à inclusão de cenas inéditas.

A segunda é a própria escolha do título. Algumas versões decepcionaram por serem títulos desinteressantes (como Mais Forte Que o Mundo e Serra Pelada) ou por adaptações equivocadas (como em Tim Maia, que suprimiu trechos polêmicos). Agora, o público conheceu uma história realmente densa e atrativa, marcada pela intensa ligação entre as protagonistas e suas conquistas e desatinos.

Todo este conjunto faz de Entre Irmãs a melhor microssérie exibida a partir da divisão de um filme original. Um enredo tocante e arrebatador, abrilhantado por um elenco em estado de graça (em especial as protagonistas Marjorie e Nanda Costa), com uma trilha sonora belíssima, lindas imagens e um bom ritmo, mais dinâmico do que se exibido de uma vez só. Um produto praticamente impecável, merecedor de todos os elogios.


Compartilhar.