Sobre realidade manipulada e construção de narrativas: não há mais como a edição do BBB esconder o que é visto no streaming

Uma das maiores balelas da indústria do entretenimento é a denominação “reality show” – espetáculo de realidade. Tratemos especificamente do Big Brother. Manipulação da realidade seria mais apropriado. Do layout da casa e sua decoração, aos perfis dos participantes e as regras, dinâmicas, conflitos, conchavos, romances e amizades – tudo é construído para manipular os sentimentos dos brothers e, por extensão, do público, logicamente.

Qualquer interferência externa vale para gerar engajamento, repercussão e – principalmente – audiência (desconsideremos as questões mercadológicas, patrocinadores, etc). Isto não é uma crítica, apenas uma ponderação. Este colunista desdenhou várias edições do BBB, começou outras e largou no caminho, e sucumbiu a tantas mais. Pelo menos a torcida pelos preferidos e o desprezo pelos odiados sempre foram, de minha parte, reais.

Um programa de confinamento com decoração poluída nos ambientes tem apenas o objetivo de surtar quem estiver em estado alterado. Juntar uma fauna da mais heterogênea possível, com personalidades e vivências díspares, só pode gerar conflitos. Provocar embates, deliberadamente, serve apenas para satisfazer um público sedento por sangue. O BBB é a versão moderna das arenas de gladiadores (ou em que cristãos eram jogados aos leões).

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Isso sem falar na narrativa que é criada para levar o público a preferir um casal, a odiar um “personagem” ou amar outro. Nada muito diferente das novelas e das séries, cujas tramas são arquitetadas para que o vilão seja odiado (ou amado) e a mocinha seja injustiçada, com sofrimento, luta, redenção, vingança e punição, tendo à sua volta o figurante, o personagem-orelha, o alívio cômico, a drama-queen, etc. O BBB tem todos esses personagens.

Lógico que o país das telenovelas não resistiria aos shows de realidade manipulada.

Contudo, estamos na vigésima primeira edição e todos conhecem muito bem as regras do jogo. Não existe mais o benefício da dúvida. Daí a frase que virou meme na internet: “Deixa eu me alienar!” A alienação assumida serve como um mecanismo a mais de desopilação da realidade. Quem quer fugir da realidade não procura um show de realidade, procura a fantasia das novelas ou o show da falsa realidade.

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Seriam Karol Conká, Nego Di, Projota e Lumena tão perversos como aparecem no BBB? Juliette tão manipulável, Lucas tão vítima, Gil tão divertido, Sarah tão esperta e Camilla, João e Thais tão “plantas”? Apenas perguntas retóricas, não estou fazendo julgamento de valor.

Porém, é sempre bom lembrar que o confinamento e as condições impostas pelo programa despertam nos participantes gatilhos que geram situações exponenciais. Em uma análise fria, faço uso de um clichê: nestes gatilhos, “a máscara cai” e o brother dificilmente consegue manter um personagem. A produção do programa está ciente e incentiva a proporção gigantesca que o BBB toma, tanto para quem está lá dentro, quanto para nós aqui fora.

A temporada 21 do BBB traz uma característica que pode fazer mudar esse cenário ostensivo de manipulação da realidade. O Mr. Edição (apelido dado à edição do programa exibida para o “grande público” da TV aberta) continua construindo narrativas mesmo diante da repercussão do que é acompanhado de perto no streaming (Globoplay ou PPV, que transmite a casa 24h por dia) por uma legião de fãs apaixonados.

A repercussão, nas redes sociais, de falas, conversas e atitudes dos participantes, não passa mais batido pelo grande público. Ou melhor: com a popularização do Globoplay, cada vez mais o público tem acesso a momentos que o Mr. Edição pretende esconder na intenção de construir narrativas ou não fazer desmoronar outras.

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A maior prova aconteceu neste domingo, quando a edição da TV aberta omitiu algumas passagens importantes, como os comentários homofóbicos de Rodolffo sobre o beijo de Lucas e Gil, e a fofoca equivocada de Pocah que levou Projota a se sentir ameaçado por Lucas, fazendo com o que rapper escondesse uma faca (na intenção de se proteger) e insistisse para sair do programa. O áudio vazado em que Boninho conversa com Projota sobre Lucas foi a gota d´água.

As últimas semanas do BBB21 foram intensas, com tantos acontecimentos que não caberiam em uma edição diária da TV aberta. Isso é compreensível. Porém, em 2021, com 20 edições de bagagem e tantas ferramentas que dão acesso ao que acontece na “casa mais vigiada do país”, esse slogan se volta contra o próprio programa. A casa mais vigiada do Brasil é tão vigiada que a edição não consegue mais esconder o que gostaria ou insistir nas narrativas que cria para gerar engajamento e fazer subir a audiência.

PS: Neste momento, minha torcida é pelo Gil – com a validade de 24 horas, podendo se prolongar ou não, vai depender do quanto sou ou quero ser manipulado.

SOBRE O AUTOR
Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira.

SOBRE A COLUNA
Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor