Enquanto Orgulho e Paixão explora a homossexualidade de uma forma delicada e bem construída, Segundo Sol desce a ladeira através de um triângulo amoroso desenvolvido de forma totalmente equivocada por João Emanuel Carneiro. A atual novela do horário nobre da Globo vem se perdendo ao longo dos capítulos e agora o alvo da vez foi um dos núcleos secundários que aparentemente mais prometia no enredo, dirigido por Dennis Carvalho e Maria de Médici.

A condição sexual de Maura (Nanda Costa) sempre foi muito clara no folhetim e a retração da personagem era uma das suas principais características. Isso porque tinha medo de assumir o seu relacionamento com Selma (Carol Fazu). As duas tinham um caso e Selma traía o marido (que depois faleceu em um acidente) com a policial. Ou seja, o início dessa relação já não foi bem colocado pelo escritor – nem sequer foi exposto como se conheceram. Ainda assim, os perfis cresciam juntos e o momento em que o ”namoro” foi descoberto por Nice (Kelzy Ecard) resultou em uma ótima sequência dramática.

“Estou cansada de fingir ser normal”, disse Maura em um diálogo emocionante com sua mãe. Vale lembrar ainda uma cena em que a policial falou com todas as letras para seu colega de farda – e então melhor amigo – Ionan (Armando Babaioff) que gostava era de mulher. Ou seja, nunca foi bissexual, ao contrário de Selma.

O núcleo começou a desandar quando João passou a investir na aproximação dos policiais depois que o rapaz doou sêmen para a gravidez da amiga. O intuito, claro, era provocar um conflito entre as companheiras e ainda inserir a ciumenta Doralice (Roberta Rodrigues) na situação. E o que se viu foi um festival de erros.

Vale lembrar, inclusive, a construção mal realizada da esposa de Ionan. Possessiva e controladora, a personagem nunca deixou o marido em paz e desconfiava constantemente que era traída. Também ficou subentendido nas cenas que ela o agredia. Mas tudo com um tom cômico. No início, era impossível não sentir pena do policial e se irritar com sua subserviência. Todavia, aos poucos, Doralice teve seu lado ”simpático” exposto, principalmente quando estava com a sogra, Naná (Arlete Salles). E seu ciúme em torno da aproximação de Ionan com Maura passou a ter total fundamento. Intencionalmente ou não, o jogo se inverteu.

Ionan vem se comportando como o pai do futuro bebê e Maura está cada vez mais encantada com ele. No entanto, ambos negam o envolvimento veementemente para suas respectivas companheiras. Viraram dois sonsos. Para culminar, o previsível beijo foi ao ar no capítulo do último sábado (25/08). Inclusive, os atores têm uma ótima química. Porém, não há sintonia que salve uma abordagem tão infeliz.

A novela anterior, o fenômeno O Outro Lado do Paraíso, falhou feio na condução do romance de Samuel (Eriberto Leão) e Cido (Rafael Zulu) em cima de um humor nada engraçado, enquanto a substituta naufraga na condução de algo que aparentemente se mostrava “sério”. Walcyr Carrasco, no entanto, criou o casal gay mais marcante da teledramaturgia em Amor à Vida: Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso). Já João Emanuel pode pedir música no Fantástico em torno de suas abordagens equivocadas.

Como esquecer Orlandinho (Iran Malfitano) e Céu (Deborah Secco) em A Favorita (2008)? O rapaz homossexual era apaixonado por Harley (Cauã Reymond), mas terminou feliz ao lado da prostituta, com quem iniciou uma relação quente. O caso mais descarado de cura gay do autor. Já o relacionamento inusitado entre o caricato Abelardo (Caio Blat) e a periguete Tina (Karina Bacchi), em Da Cor do Pecado (2004), virou um dos destaques do núcleo da Família Sardinha, pois a cobiçada mulher acabou se apaixonando justamente pelo integrante mais improvável do ”clã” de lutadores: o sensível e delicado que odiava lutas. Ele ainda assumiu a paternidade dos filhos dela, junto dos irmãos Dionísio (Pedro Nechilin) e Thor (Cauã Reymond). E só foi realmente aceito pelos demais quando deixou de lado suas “excentricidades”.

Em Cobras & Lagartos (2006) não foi diferente. O metrossexual Tomás (Leonardo Miggiorin) vivia sofrendo com as piadinhas sobre sua sexualidade e acabou assumindo um romance com Sandrinha (Maria Maya), unindo o “útil ao agradável”. Isso após passar a novela quase toda fugindo dela. No entanto, suas preferências sempre foram claras.

Já no fenômeno Avenida Brasil (2012) João conseguiu deixar o casal hétero muito mais interessante que o gay. Isso porque a relação de Roni (Daniel Rocha) e Suelen (Isis Valverde) era hilária e os atores transbordavam química. Embora demonstrasse interesse por Juliano (Thiago Martins), o rapaz não resistia aos encantos da periguete e a relação caiu no gosto do público. E Roni nunca se viu como gay. Sempre demonstrava confusão de sentimentos. Era algo mais subentendido. Ainda assim, o autor criou uma relação a três no final, satisfazendo todos. Nesse caso, a construção se mostrou interessante. Mas deveria ter sido a única e não em todas as suas novelas. Até porque não parou por aí.

Na problemática A Regra do Jogo (2015) a ‘sina’ se manteve. Úrsula (Júlia Rabello) e Duda (Giselle Batista) formavam um casal lésbico e as integrantes da família do falido Feliciano (Marcos Caruso) tinham uma relação rasa e nada cativante. Para piorar, as duas queriam um filho e Duda acabou engravidando do cunhado (Vavá – Marcello Novaes) tendo relações sexuais – ou seja, uma espécie de Maura e Ionan piorado. O núcleo, por sinal, era um dos mais fracos da trama, é preciso ressaltar. A avalanche de personagens avulsos era uma das muitas falhas do roteiro.

Infelizmente, João Emanuel Carneiro não tem vocação para criar relações homoafetivas em seus folhetins. Maura e Selma podem até ficar juntas no fim, mas nem importa. A construção errônea já se expôs. O autor tem uma queda pela inexistente “cura gay” e isso é inegável. Claro que a bissexualidade existe, mas para abordar essa outra questão é preciso desenvolvê-la com competência. Vide o caso de Lica (Manoela Aliperti) em Malhação – Viva a Diferença (encerrada no primeiro semestre), por exemplo. A adolescente que amava curtir a vida sempre gostou de meninos, mas se viu apaixonada por uma menina (Samantha – Giovanna Grigio) durante a história. Cao Hamburger explorou o contexto com maestria. Nada disso ocorre em Segundo Sol e o passado do escritor o condena.


Compartilhar.
Avatar photo

Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor