Com Maura e Ionan em Segundo Sol, autor copia o que há de pior nas suas novelas passadas

08/09/2018 às 10h00

Por: Sergio Santos
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Enquanto Orgulho e Paixão explora a homossexualidade de uma forma delicada e bem construída, Segundo Sol desce a ladeira através de um triângulo amoroso desenvolvido de forma totalmente equivocada por João Emanuel Carneiro. A atual novela do horário nobre da Globo vem se perdendo ao longo dos capítulos e agora o alvo da vez foi um dos núcleos secundários que aparentemente mais prometia no enredo, dirigido por Dennis Carvalho e Maria de Médici.

A condição sexual de Maura (Nanda Costa) sempre foi muito clara no folhetim e a retração da personagem era uma das suas principais características. Isso porque tinha medo de assumir o seu relacionamento com Selma (Carol Fazu). As duas tinham um caso e Selma traía o marido (que depois faleceu em um acidente) com a policial. Ou seja, o início dessa relação já não foi bem colocado pelo escritor – nem sequer foi exposto como se conheceram. Ainda assim, os perfis cresciam juntos e o momento em que o ”namoro” foi descoberto por Nice (Kelzy Ecard) resultou em uma ótima sequência dramática.

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“Estou cansada de fingir ser normal”, disse Maura em um diálogo emocionante com sua mãe. Vale lembrar ainda uma cena em que a policial falou com todas as letras para seu colega de farda – e então melhor amigo – Ionan (Armando Babaioff) que gostava era de mulher. Ou seja, nunca foi bissexual, ao contrário de Selma.

O núcleo começou a desandar quando João passou a investir na aproximação dos policiais depois que o rapaz doou sêmen para a gravidez da amiga. O intuito, claro, era provocar um conflito entre as companheiras e ainda inserir a ciumenta Doralice (Roberta Rodrigues) na situação. E o que se viu foi um festival de erros.

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Vale lembrar, inclusive, a construção mal realizada da esposa de Ionan. Possessiva e controladora, a personagem nunca deixou o marido em paz e desconfiava constantemente que era traída. Também ficou subentendido nas cenas que ela o agredia. Mas tudo com um tom cômico. No início, era impossível não sentir pena do policial e se irritar com sua subserviência. Todavia, aos poucos, Doralice teve seu lado ”simpático” exposto, principalmente quando estava com a sogra, Naná (Arlete Salles). E seu ciúme em torno da aproximação de Ionan com Maura passou a ter total fundamento. Intencionalmente ou não, o jogo se inverteu.

Ionan vem se comportando como o pai do futuro bebê e Maura está cada vez mais encantada com ele. No entanto, ambos negam o envolvimento veementemente para suas respectivas companheiras. Viraram dois sonsos. Para culminar, o previsível beijo foi ao ar no capítulo do último sábado (25/08). Inclusive, os atores têm uma ótima química. Porém, não há sintonia que salve uma abordagem tão infeliz.

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A novela anterior, o fenômeno O Outro Lado do Paraíso, falhou feio na condução do romance de Samuel (Eriberto Leão) e Cido (Rafael Zulu) em cima de um humor nada engraçado, enquanto a substituta naufraga na condução de algo que aparentemente se mostrava “sério”. Walcyr Carrasco, no entanto, criou o casal gay mais marcante da teledramaturgia em Amor à Vida: Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso). Já João Emanuel pode pedir música no Fantástico em torno de suas abordagens equivocadas.

Como esquecer Orlandinho (Iran Malfitano) e Céu (Deborah Secco) em A Favorita (2008)? O rapaz homossexual era apaixonado por Harley (Cauã Reymond), mas terminou feliz ao lado da prostituta, com quem iniciou uma relação quente. O caso mais descarado de cura gay do autor. Já o relacionamento inusitado entre o caricato Abelardo (Caio Blat) e a periguete Tina (Karina Bacchi), em Da Cor do Pecado (2004), virou um dos destaques do núcleo da Família Sardinha, pois a cobiçada mulher acabou se apaixonando justamente pelo integrante mais improvável do ”clã” de lutadores: o sensível e delicado que odiava lutas. Ele ainda assumiu a paternidade dos filhos dela, junto dos irmãos Dionísio (Pedro Nechilin) e Thor (Cauã Reymond). E só foi realmente aceito pelos demais quando deixou de lado suas “excentricidades”.

Em Cobras & Lagartos (2006) não foi diferente. O metrossexual Tomás (Leonardo Miggiorin) vivia sofrendo com as piadinhas sobre sua sexualidade e acabou assumindo um romance com Sandrinha (Maria Maya), unindo o “útil ao agradável”. Isso após passar a novela quase toda fugindo dela. No entanto, suas preferências sempre foram claras.

Já no fenômeno Avenida Brasil (2012) João conseguiu deixar o casal hétero muito mais interessante que o gay. Isso porque a relação de Roni (Daniel Rocha) e Suelen (Isis Valverde) era hilária e os atores transbordavam química. Embora demonstrasse interesse por Juliano (Thiago Martins), o rapaz não resistia aos encantos da periguete e a relação caiu no gosto do público. E Roni nunca se viu como gay. Sempre demonstrava confusão de sentimentos. Era algo mais subentendido. Ainda assim, o autor criou uma relação a três no final, satisfazendo todos. Nesse caso, a construção se mostrou interessante. Mas deveria ter sido a única e não em todas as suas novelas. Até porque não parou por aí.

Na problemática A Regra do Jogo (2015) a ‘sina’ se manteve. Úrsula (Júlia Rabello) e Duda (Giselle Batista) formavam um casal lésbico e as integrantes da família do falido Feliciano (Marcos Caruso) tinham uma relação rasa e nada cativante. Para piorar, as duas queriam um filho e Duda acabou engravidando do cunhado (Vavá – Marcello Novaes) tendo relações sexuais – ou seja, uma espécie de Maura e Ionan piorado. O núcleo, por sinal, era um dos mais fracos da trama, é preciso ressaltar. A avalanche de personagens avulsos era uma das muitas falhas do roteiro.

Infelizmente, João Emanuel Carneiro não tem vocação para criar relações homoafetivas em seus folhetins. Maura e Selma podem até ficar juntas no fim, mas nem importa. A construção errônea já se expôs. O autor tem uma queda pela inexistente “cura gay” e isso é inegável. Claro que a bissexualidade existe, mas para abordar essa outra questão é preciso desenvolvê-la com competência. Vide o caso de Lica (Manoela Aliperti) em Malhação – Viva a Diferença (encerrada no primeiro semestre), por exemplo. A adolescente que amava curtir a vida sempre gostou de meninos, mas se viu apaixonada por uma menina (Samantha – Giovanna Grigio) durante a história. Cao Hamburger explorou o contexto com maestria. Nada disso ocorre em Segundo Sol e o passado do escritor o condena.


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