Com julgamento de pedófilo, O Outro Lado do Paraíso evidencia o melhor e o pior de Walcyr Carrasco

Flávio Tolezani em O Outro Lado do Paraíso

O Outro Lado do Paraíso vai na contramão de sua audiência quando o assunto é merchandising social: muitíssimo bem-sucedida nos números, a atual novela das 21h tropeça na discussão de temas relevantes para a sociedade em geral – o marido agressor encontra justificativa para seus atos no “demônio que o possui”; a anã, consciente e orientada, que estudou anos na Suíça, paga de vitimista por conta de sua altura; o médico que assume seu romance com outro homem padece com os comentários jocosos do próprio parceiro; a ginecologista que orienta prostitutas quanto à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis para em seguida se deitar com um desconhecido, sem proteção. Com a pedofilia, peça fundamental da trajetória de Laura (Bella Piero), não poderia ser diferente.

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A personagem “redescobriu” o passado de abusos que sofrera por parte do padrasto, Vinícius (Flávio Tolezani), através de sessões de hipnose com a advogada Adriana (Júlia Dalavia), especialista em coaching. Parecia apenas uma pesquisa equivocada a respeito do tema e de tratamentos. Era pior: o tal coaching provinha de uma ação de merchandising, adquirida por um instituto – citado nominalmente, tal e qual seu presidente. Walcyr Carrasco e a Globo pareciam abordar a pedofilia de olho, apenas, na repercussão e no consequente lucro. Nem mesmo a mensagem exibida no final de capítulo, com telefones de disque-denúncia, atenuou a conduta totalmente errada de autor e emissora. Feita a crítica, vamos ao elogio: no capítulo de ontem (20), O Outro Lado do Paraíso se “redimiu” de tal erro.

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O julgamento de Vinícius – que, na segunda-feira (19), trouxe um “mea-culpa” da própria Adriana, enfim citando psicólogos como alternativo de apoio às vítimas de pedofilia – ficou marcado por boas atuações e pelo texto correto e comovente. Bons momentos de Bella Piero, uma das mais gratas surpresas do folhetim; de Sandra Corveloni (Lorena), a mãe que hesitava em acreditar nas denúncias da filha; de Ilva Niño (Tiana), em participação especial como a empregada que testemunhava os abusos, mas temia represálias caso denunciasse o patrão; e de Igor Angelkorte (Rafael), o dedicado marido de Laura. Os depoimentos foram suficientes para chegar ao objetivo que “o coach” não atingiu: conscientizar o público a respeito da gravidade deste crime e da necessidade de denunciar o criminoso.

O Outro Lado do Paraíso, contudo, é uma novela “bipolar”: ao mesmo tempo em que arrebata, afugenta. Foi assim com a fase inicial, a princípio empolgante, posteriormente enfadonha – devido à sua longa duração. Foi assim como o retorno de Clara (Bianca Bin) a Palmas – capítulos após a volta triunfal, a heroína vingativa se meteu a confabular no sofá de sua casa, sem tomar medidas práticas para conduzir a tão anunciada revanche. Ontem, não foi diferente. O capítulo seguia muito bem até o momento em que Vinícius iniciou seu depoimento. Após confessar seus abomináveis atos, o delegado se pôs a atacar a esposa, na verborragia ofensiva da qual Carrasco é adepto, dos núcleos dramáticos aos cômicos. O festival de impropérios do acusado – “velha, cafona, cabelo tingido” – tirou o brilho da sequência.

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Walcyr Carrasco é mestre em “capítulos de catarse”, como o regresso de Clara a Palmas ou o julgamento de Duda (Gloria Pires). Peca, contudo, pelo texto indolente. A sensação é de que há dois autores à frente de uma só novela: aquele capaz de tecer monólogos e diálogos tão impactantes e emocionantes quanto os de Laura, Lorena e Tiana; e o que nivela por baixo, dos bordões inconvenientes – como o em desuso, que bom, “mãe de bicha” – e soluções preguiçosas, caso da médica Tônia (Patrícia Elizardo) e a segunda tentativa (bem-sucedida) de aplicar o golpe da barriga. O resultado é um folhetim desconjuntado. Ora imperdível, ora enfadonho. Como sua audiência, digna de aplausos, e seus debates, vazios. O outro lado de Walcyr Carrasco pode ser muito bom. Cabe a ele evidenciá-lo.


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