Após o grande e merecido sucesso de Novo Mundo, dos estreantes Alessandro Marson e Thereza Falcão, a responsabilidade de manter o horário das seis aquecido coube ao veterano Alcides Nogueira. Ao lado de Bia Corrêa do Lago, o autor apostou no romantismo com Tempo de Amar, que encerra sua trajetória nesta segunda-feira (19), e que, logo nas chamadas, indicava um retorno ao novelão tradicional, com elementos típicos do horário das seis e sem grandes pretensões.

Em parte, esta missão foi cumprida. Saltavam aos olhos a linda ambientação de época do fim dos anos 20, visível nos figurinos e cenários; o primor dos diálogos, quase sempre pautados na norma culta da língua portuguesa, e as acertadas escalações de boa parte de seus atores. No entanto, o enredo dirigido por Jayme Monjardim – baseado em um argumento de Rubem Fonseca – pecou por uma história lenta, com poucos acontecimentos relevantes e prejudicada pelos excessos melodramáticos em sua metade inicial.

A premissa da obra partiu dos desencontros amorosos entre Maria Vitória (Vitória Strada) e Inácio (Bruno Cabrerizo), dois jovens portugueses que se amaram à primeira vista, para desespero do então noivo dela, o rico Fernão (Jayme Matarazzo). Ao se descobrir grávida do humilde rapaz, Vitória foi separada da filha pelo pai, o fazendeiro José Augusto (Tony Ramos), que entregou a menina para adoção e enviou a mocinha para um convento, após saber da gestação por Delfina (Letícia Sabatella), sua governanta e ex-amante, que lutava para que o português reconhecesse a paternidade de sua filha Tereza (Olívia Torres).

Os autores erraram na condução do casal ao fazê-los se apaixonarem de forma muito súbita, impedindo que se desenvolvesse um afeto com o público. E, desde a decisão de Augusto, uma sucessão de sofrimentos abateu a protagonista: ela fugiu de onde estava, foi parar em um navio, foi abusada, agredida e presa, chegou ao Brasil sem dinheiro e quase virou prostituta. Ele, que havia partido para o mesmo país em busca de emprego, foi assaltado e encontrado por Lucinda (Andreia Horta), uma garota que se apaixonou pelo lusitano e fez de tudo para tê-lo em suas mãos, inclusive o manipulando para pensar que sua amada havia morrido. Tamanho baixo-astral não condizia com o título da novela.

Desde então, Maria Vitória só conseguiu ter paz quando conheceu Vicente (Bruno Ferrari). O romance entre os dois e a personalidade íntegra e gentil do brasileiro logo conquistaram uma forte torcida do público, aliada ao fraco desenvolvimento de Inácio, que se revelou um personagem sonso, irritante e manipulável – a ponto de perder mais e mais espaço na trama e merecer o jocoso apelido de “Inércio”. Logo depois, a portuguesa descobriu que a mãe, que Augusto dizia estar morta, estava no Brasil: a cantora de fado Celeste Hermínia (Marisa Orth). Ainda reencontrou o pai, que pediu perdão pelo sofrimento que causou, e descobriu o envolvimento de Inácio e Lucinda – tudo isso antes do esperado momento em que veria novamente o seu primeiro amor.

Tal encontro demorou muito para ser mostrado e ainda por cima foi exibido no período do carnaval, onde a audiência costuma ser menor. A impressão deixada foi a de que Alcides simplesmente se esqueceu do seu protagonista inicial e tentou recuperá-lo, mas já era tarde – caso diferente de Caminho das Índias (2009), de Glória Perez onde Bahuan (Márcio Garcia) caiu no esquecimento em definitivo, logo que Maya (Juliana Paes) passou a se envolver com Raj (Rodrigo Lombardi).

No núcleo brasileiro, a situação foi ainda mais lamentável. Praticamente todos os núcleos não tiveram qualquer função durante o decorrer da história. O romance do pai de Lucinda, Reinaldo (Cássio Gabus Mendes), com sua empregada Eunice (Lucy Alves), despertando a ira da filha – um entrecho clássico da teledramaturgia – foi um dos poucos casais atraentes da trama e chamou atenção pela química entre os dois atores. Ainda assim, eles mereciam mais espaço. A própria Lucinda, que no começo da novela parecia guardar uma ambiguidade por ter provocado sem querer a morte de sua mãe num ritual de bruxaria, teve esta nuance esquecida e ficou grande parte do tempo em função de Inácio.

Além dela, Fernão e o canalha Teodoro (Henri Castelli) também passaram muito tempo avulsos e sem importância na trama – em especial o segundo, que atacava em todos os núcleos sem uma motivação definida. Apenas Delfina teve objetivos claros, graças às mágoas guardadas contra o patrão e à conflituosa relação com a filha, que foi seduzida por Fernão e abandonada quando ele fugiu para o Brasil.

Mas nem tudo foi negativo na novela de Alcides Nogueira e Bia Corrêa do Lago. O maior acerto do enredo foi justamente o perfil de José Augusto, o mais complexo e ambíguo da trama. A trajetória do pai de Maria Vitória teve suas nuances muito bem defendidas por Tony Ramos, que fez do português um de seus melhores papeis recentes e sendo valorizado, após participar da irregular Vade Retro (2017).

Do elenco adulto, também conseguiram se destacar Marisa Orth (artista mais que completa, emocionou com os dramas de Celeste Hermínia e ainda brilhou cantando), Lucy Alves (a maior revelação do The Voice Brasil, igualmente versátil), Cássio Gabus Mendes (mostrando competência na pele do médico Reinaldo), Nelson Freitas (se reinventando em um tipo diferente das comédias) e Françoise Forton (ótima como Emília).

Letícia Sabatella fez de sua vilã Delfina um dos mais destacados personagens de sua carreira, superando a fraca Yvone, de Caminho das Índias. Bem como Andreia Horta, que, mesmo com a falta de um enredo melhor para Lucinda, mostrou sua versatilidade após viver a mocinha Joaquina em Liberdade, Liberdade (2016), e outros talentosos nomes como Werner Schünemann, Jackson Antunes, Valquíria Ribeiro, Olívia Araújo e José Augusto Branco. Apenas duas ressalvas devem ser feitas para Deborah Evelyn e Regina Duarte. A primeira, na pele de Alzira, lembrou muitas peruas histéricas que já interpretou, embora tenha se saído muito bem. E Regina, como Madame Lucerne, dona do bordel, ficou avulsa durante grande parte do tempo, inclusive também servindo de escada para Inácio. Deve-se lamentar também a pouca valorização de Nívea Maria, igualmente com um papel muito abaixo de seu grande talento.

Outro ponto positivo de Tempo de Amar foram as referências de Alcides a trabalhos anteriores de sua carreira. O envolvimento de José Augusto com Lucerne, além de aproveitar melhor o talento de Regina, reeditou o par romântico formado por ela e Tony em Rainha da Sucata (1990), que ainda foi reverenciada com menções a Eduardo e Laurinha Figueroa, personagens de Ramos e Glória Menezes na antiga novela de Sílvio de Abreu, da qual Nogueira foi colaborador. No entanto, este entrecho durou muito pouco e acabou quando Augusto voltou para Portugal, deixando Lucerne avulsa novamente.

Mais tarde, a talentosa Malu Mader fez uma participação revivendo a Baronesa Esther, de Força de Um Desejo (1999), sinopse de Alcides escrita junto a Gilberto Braga. A nobre apareceu em um recital de música, da filha Carolina (Mayana Moura), para confrontar Emília, que havia tido um romance com Sobral – e aqui não houve referência direta se com o pai (Reginaldo Faria) ou o filho (Fábio Assunção), já que Ester se envolvera com ambos.

A novela também se arriscou ao apostar em nomes desconhecidos do grande público para seus protagonistas. E acertou na escolha de Vitória Strada, intérprete de Maria Vitória. Vivendo uma personagem sofredora em tempo quase integral, um tipo difícil até mesmo para atrizes mais tarimbadas, a gaúcha esbanjou segurança e emoção em seu primeiro papel em televisão. Não fez feio diante de nomes como Marisa Orth, Tony Ramos e Letícia Sabatella e ainda teve uma intensa química ao lado de Bruno Ferrari, que se destacou como Vicente. É um nome que merece muita atenção no futuro. Em compensação, Bruno Cabrerizo não correspondeu às expectativas. Como se não bastasse o desenvolvimento ruim de seu personagem, o ator não convenceu e esteve inexpressivo, agravando um quadro já desfavorável.

E o elenco jovem da trama, em contraposição aos veteranos, teve grande parte de seus talentos desperdiçados. Bárbara França teve bons momentos e foi ótima em um tipo diferente da histérica Bárbara de Malhação – Pro Dia Nascer Feliz, mas não teve química com Guilherme Leicam (tão inexpressivo quanto Cabrerizo). Do mesmo problema sofreram Sabrina Petraglia e Marcelo Mello Jr, cujos personagens igualmente não convenceram. Amanda de Godoi, Jéssika Alves, Ricardo Vianna, Giulia Gayoso e Maria Eduarda de Carvalho foram outros jovens atores desvalorizados em tipos insignificantes. E Jayme Matarazzo, que vinha de muitos mocinhos revoltados, também foi prejudicado justamente quando teve um perfil diferente nas mãos.

Tempo de Amar encerra sua trajetória com uma audiência bem satisfatória (média geral de 23 pontos, apenas 1 a menos que Novo Mundo), porém, não teve a mesma repercussão positiva da antecessora. Considerando os pontos positivos e negativos, a novela de Alcides Nogueira e Bia Corrêa do Lago chamou mais atenção por seus aspectos estéticos e por boa parte de seu elenco do que por seu enredo, que deveria ser mais bem trabalhado. Não foi uma novela de todo ruim, mas ficou aquém de momentos mais inspirados da carreira de Nogueira, como a já citada Força de Um Desejo e o ótimo remake de Ciranda de Pedra, em 2008.


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