A missão de Glória Perez era complicada em 2017. Levantar a média do horário nobre da Globo, após uma sucessão de novelas fracassadas e/ou problemáticas. Para culminar, o seu retorno era cercado de desconfianças, em virtude da equivocada Salve Jorge, seu pior folhetim, exibido em 2013. Mas, a autora conseguiu cumprir o objetivo com louvor e calou a boca de quem duvidava. A Força do Querer elevou a média da faixa em nove pontos, ao longo de 173 capítulos, obtendo 36 de média geral (contra 27 de A Lei do Amor), se firmando como o maior sucesso do horário desde Amor à Vida (também com 36 pontos). Não é pouca coisa. E a reprise, em virtude da pandemia do novo coronavírus, comprovou todos os acertos da novela.

A Força do Querer foi a melhor novela da escritora, conseguindo superar até a elogiada e inesquecível O Clone, de 2001. Isso porque Glória soube se reciclar, corrigindo os vários erros observados em tramas como Caminho das Índias, América e a já citada Salve Jorge.

Nem tudo foram flores, todavia. A vilania de Irene (Débora Falabella) deixou a desejar. Glória nunca foi uma autora muito boa em criar vilãs e essa foi mais uma prova. A psicopata que fazia de tudo para atingir seus objetivos virou uma chata, cuja única função era atazanar a vida de Eugênio e Joyce. No início, a trama empolgava. Mas, depois que levou uma surra de Ritinha e sapatadas da rival, sendo desmascarada, a mau-caráter ficou avulsa no enredo, se contentando em mandar fotos para Joyce com o intuito de irritá-la. Até o golpe da gravidez ela tentou dar. Enfim, decepcionou.

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O lado positivo foi ver Débora Falabella mostrando sua versatilidade, convencendo na pele de uma interesseira. A cena da morte da 171, por sinal, foi muito boa, surpreendendo pelo clima de terror. Maria Clara Spinelli também se destacou com a medrosa Mira, parceira da vilã, e a entrada de Betty Faria, na pele da impagável Elvirinha, movimentou um pouco o enredo e proporcionou um bom embate com a ex-amante de Eugênio.

Apesar do elenco mais enxuto, alguns nomes ficaram sem função e se perderam no roteiro. Elvira divertiu, mas entrou na trama com Garcia, vivido pelo grande Othon Bastos. Ele prometia engrandecer o contexto de Irene, mas ficou na promessa. Quem se destacou mesmo foi Betty, pois Othon não conseguiu bons momentos. Dantas foi outro perfil que não aconteceu. Anunciado como galinha e ambicioso, o empresário parecia um quase vilão no começo, mas acabou sumindo aos poucos. Edson Celulari voltou às novelas, após a recuperação do câncer, e isso já valeu muito. Entretanto, merecia mais.

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Por sinal, todo o núcleo dele se perdeu. Cibele (Bruna Linzmeyer) foi outra que teve ótimas cenas nos primeiros meses, se vingando de Ruy, até ficar avulsa e viajar por um tempo. Shirley (Michelle Martins), Anita (Lua Blanco), Amaro (Pedro Nercessian), Leila (Lucy Ramos) Alan (Raul Gazolla) e Junqueira (João Camargo) foram outros que ficaram soltos, mal aparecendo. Porém, justiça seja feita, Glória melhorou bastante em comparação a seus trabalhos anteriores, onde os elencos eram imensos e repletos de talentos desperdiçados.

Só não é possível aceitar mesmo a escalação de Fiuk para viver um tipo tão importante como o Ruy. O ator é péssimo e não tinha a menor capacidade de viver um perfil de tamanho destaque. O massacre das críticas foi justo – a autora viveu situação semelhante em Explode Coração (1995), quando Ricardo Macchi acabou ridicularizado pela total inexpressividade do Cigano Igor.

O vício em jogo de Silvana (Lília Cabral) foi um enredo promissor, mas acabou repetitivo. A trama rendeu ótimas situações, mesclando bem drama e comédia. Lília é fantástica e mais uma vez se sobressaiu em um trabalho, merecendo todos os elogios. Sua parceria com Juliana Paiva, Karla Karenina (Dita) e Humberto Martins (Eurico) se mostrou um acerto, assim como as mentiras deslavadas que a personagem contava para camuflar o seu vício. Porém, depois que Silvana finalmente se internou para se tratar, o contexto simplesmente retrocedeu. Ela fugiu e tudo voltou à estaca zero, Ou seja, o núcleo passou a andar em círculos, ficando cansativo. A cegueira do marido ultrapassou os limites da estupidez e a autora ter deixado essa conclusão só para o último capítulo foi equivocada. Poderia ter encaminhado o desfecho antes, evitando atropelos.

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Aliás, Glória errou bastante em cima da conclusão de sua história. Ela deixou absolutamente tudo para o último capítulo. O resultado, obviamente, foi uma correria desnecessária, deixando muitos desfechos rasos, eliminando cenas que renderiam muito. O último capítulo durou mais de duas horas e, infelizmente, como era de se esperar, algumas situações ficaram corridas demais. Na reprise, todavia, o capítulo acabou dividido em duas partes exibidas na quinta (11/03) e na sexta-feira (12/03).

A Força do Querer foi uma novela que deu gosto de assistir e fez jus ao horário nobre da Globo. Após tantas novelas problemáticas, a faixa mais prestigiada da emissora voltou aos bons tempos em 2017. Glória Perez viveu seu melhor momento como novelista, fazendo uma parceria bem-sucedida com o diretor Rogério Gomes, que soube exibir tudo o que a escritora queria – vale lembrar a dificuldade da autora com a direção de Jayme Monjardim, em América, e Marcos Schechtman, em Salve Jorge. Esse folhetim foi um belo exemplo de uma produção vitoriosa e será sempre lembrada como um exemplo a ser seguido. A reprise só comprovou isso.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor