A pressão de importantes construtoras cariocas impediu a reprise de uma novela da Globo em 1982. O Espigão, que estreava originalmente em 1º de abril de 1974, no horário das 22h, teve um compacto anunciado para 9 de agosto de 1982, no lugar da minissérie Bandidos da Falange, por sua vez impedida de ir ao ar pela Censura Federal.
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No horário anunciado, a novela de Dias Gomes (1922-1999) não foi ao ar, sendo exibido no lugar um especial sobre o pastor suicida Jim Jones (1931-1978). O público perguntou o que havia acontecido e a emissora colocou a culpa na Censura, que realmente atuou na história, mas não estava sozinha.
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No Jornal do Brasil de 15 de agosto de 1982, Cidinha Campos abordou o assunto em sua coluna, enfatizando que a Globo sofreu uma espécie de chantagem dos empresários.
“Toda essa mudança que, a princípio, pode parecer estratégia de programação, tem outros envolvimentos. A Censura resolveu que a Globo também precisa seguir as regras do jogo e, por outro lado, os empresários não permitiram a volta de uma novela que denuncia a ação ilegal das construtoras e imobiliárias. Se na sua estreia, há algum tempo atrás, já houve problemas, por que trazê-los à tona mais uma vez?”, questionou.
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“Sabendo da influência da Rede Globo, os empresários pressionaram para a novela não entrar no ar. E isso foi feito de uma maneira terrivelmente convincente: se a novela fosse reprisada, as construtoras e imobiliárias não colocariam mais anúncios nos classificados de O Globo”, continou.
“Por livre e espontânea pressão, a emissora optou pelo Pastor do Diabo, jogando a culpa na Censura por mais esta reapresentação. E, depois, mais valem dois anúncios de espigões em O Globo do que qualquer movimento reivindicatório na televisão”, finalizou.
Compacto nunca foi ao ar
Na Folha de S. Paulo de 27 de agosto de 1982, a crítica Helena Silveira (1911-1984) também comentou o caso.
“Enquanto se aguardava a liberação de Bandidos da Falange, a Globo nos acenou com um condensado de O Espigão. Este, inexplicavelmente, não veio. Será que o que foi liberado em tempo de repressão é, agora, interdito, em tempo de abertura? As emissoras, diante de poderes coercitivos que as impedem de dar ao público a realidade brasileira e não a alienação, deveriam pôr a boca no trombone. Não o fazem”.
Dessa forma, o compacto de O Espigão, que teve até nova abertura preparada por Hans Donner e relançamento da trilha sonora, nunca foi ao ar.
O fato nunca foi comentado oficialmente pela Globo e não foi citado em materiais da emissora, como o livro Dicionário da TV Globo (Jorge Zahar Editor), lançado em 2003, e o site do projeto Memória Globo.
Trama
Com 112 capítulos e estrelada por nomes como Milton Moraes, Carlos Eduardo Dolabella, Suzana Vieira e Betty Faria, a trama desenvolvia-se no Rio de Janeiro, onde Lauro Fontana, personagem de Moraes, queria construir o hotel mais moderno do mundo, o Fontana Sky, popularmente conhecido como espigão, com uma piscina em cada andar e uma rampa de acesso exclusivo para cada apartamento.
Fontana queria construir o edifício numa área do bairro de Botafogo, pertencente a quatro irmãos. O pai deles, antes de morrer, pediu que conservassem a mansão que ficava no terreno. Dos quatro, apenas um deles, o playboy vivido por Dolabella, queria fechar o negócio e torrar o dinheiro na noite carioca.
No final da novela, o terreno foi vendido e o edifício foi construído. Mas a Globo não escapou da pressão de algumas incorporadoras na época, já que a especulação imobiliária avançada no Rio de Janeiro. Em 1982, a situação era ainda pior.
Uma curiosidade envolvendo a novela é que, a partir dela, o termo espigão foi incorporado ao vocabulário popular, como sinônimo de arranha-céu, virando até verbete do dicionário Aurélio. É comum em São Paulo (SP), por exemplo, as pessoas se referirem aos espigões da Avenida Paulista.
Outro fato inusitado é que o empresário Sérgio Dourado, grande nome do mercado imobiliário do Rio de Janeiro naquela época, foi confundido com Lauro Fontana, sendo agredido por um grupo que protestava no lançamento de um prédio na cidade. Dourado é citado na música “Carta ao Tom 74”, de Toquinho e Vinícius de Moraes, que igualmente aborda a especulação imobiliária.
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Bandidos da Falange
Bandidos da Falange, que deu origem à controvérsia da reprise de O Espigão, iria estrear no dia 9 de agosto de 1982, mas foi proibida pela Divisão de Censura e Diversões Públicas do Departamento de Polícia Federal alguns dias antes.
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De acordo com a Folha de S. Paulo de 06 de agosto daquele ano, depois de examinar os cinco primeiros episódios que lhe foram remetidos pela emissora, a Divisão de Censura pretendia analisar a série completa, que tinha 20 capítulos.
“É um seriado que tem cenas fortes, de extrema violência”, argumentou Euclides Mendonça, então chefe da Censura, à revista Veja de 8 de setembro de 1982.
Escrita por Aguinaldo Silva, com a colaboração de Doc Comparato, a trama mostrava a violência do cotidiano do Grande Rio, utilizando a experiência de 10 anos do autor, até então desconhecido do grande público, como repórter policial.
Após muita discussão e cortes no enredo, a minissérie foi finalmente liberada e exibida entre 10 de janeiro e 4 de fevereiro de 1983, estrelada por Betty Faria, José Wilker e Nuno Leal Maia.