Central do Brasil, um marco que mostrou que nosso cinema tem valor

02/04/2018 às 10h00

Por: Fabio Marckezini
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Nesta semana, a coluna sobre televisão abrirá espaço para falar de cinema. Especificamente sobre um filme que foi lançado há 20 anos para marcar a história da nossa cinematografia: estou falando de Central do Brasil. E, para falar dele, temos que voltar 28 anos no tempo.

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Em março de 1990, Fernando Collor tomava posse como o primeiro presidente eleito após a ditadura militar. Além do confisco das poupanças, deixando milhões de brasileiros à deriva, ele extinguiu a Embrafilme, estatal que produzia e distribuía os filmes brasileiros, deixando sem trabalho diretores, produtores, atores, roteiristas e outros profissionais que dependiam da estatal para produzir os filmes. O sentimento era que o cinema nacional estava fechando as portas.

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Já no governo de Itamar Franco, foi criado o prêmio Resgate do Cinema Brasileiro, que liberava recursos para a produção de filmes e, consequentemente, iniciou um movimento chamado “a retomada do cinema”. Carlota Joaquina, a princesa do Brasil, de Carla Camurati e Terra Estrangeira, de Walter Salles, ambos de 1995, foram os pioneiros. A seguir, dois filmes dessa safra tiveram sucesso internacional e foram indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro: O Quatrilho, de Fabio Barreto, e O que é isso companheiro, de Bruno Barreto. Nenhum deles levou a estatueta, mas trouxeram renovo e criatividade para o cinema nacional.

Walter Salles, inspirado no filme Alice nas Cidades, de Wim Wenders, criou Central do Brasil, um road-movie que contava a história de uma senhora frustrada e de um garoto que perdera a mãe e tinha o sonho de conhecer o seu pai. Fernanda Montenegro, atriz consagrada na televisão e no teatro, viveria Dora, uma mulher que escrevia cartas para analfabetos na Central do Brasil, principal terminal de trens do Rio de Janeiro.

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O ator que interpretou o garoto perdido que desejava conhecer seu pai, foi escolhido por acaso. Na década de 90, Vinicius de Oliveira era um menino humilde que engraxava sapatos no Rio de Janeiro e conheceu Salles em uma lanchonete. O diretor se encantou pelo garoto e insistiu para que ele estrelasse a produção. Vinicius fez o teste sem nunca ter ido ao cinema e interpretou o garoto Josué com maestria. Além deles, o elenco tinha atores de peso como Marilia Pera, Otavio Augusto, Othon Bastos, Matheus Nachtergaele, entre outros.

O filme foi gravado no Rio, Bahia, Pernambuco e Ceará, visando mostrar, de forma nua e crua, a pobreza carioca e nordestina, dos vagões enferrujados da Central do Brasil aos paus de araras que cruzam o nordeste. Em meio ao caos e a falta de recursos básicos, o filme mostra uma amizade e o carinho entre Dora e Josué, personagens bem diferentes, porém perdidos e carentes naquele Brasil dos anos 1990.

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Lançado em abril de 1998, o filme dirigido por Walter Salles, com roteiro de Marcos Bernstein e João Carneiro Filho, que em 2012 faria o sucesso da teledramaturgia, Avenida Brasil, recebeu críticas positivas do mundo todo. Os jornais internacionais New York Times, The Guardian, Le Figaro, Die Welt, CNN, e nacionais, como Veja e Folha de S. Paulo, entre outros veículos, teceram elogios não apenas ao filme, mas também à grande atuação de Fernanda Montenegro.

Dos elogios vieram os prêmios: o roteiro de Central ganhou o prêmio 100 anos de cinema, do Sundance International Awards, e foi aclamado no Festival de Berlim em 1998, recebendo os prêmios de melhor filme e melhor atriz, para Fernanda. Faturou o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e indicou Fernanda para a categoria de melhor atriz de drama.

Central também chegou ao Oscar, concorrendo como melhor filme estrangeiro e vendo, pela primeira vez, uma atriz brasileira como indicada ao prêmio da Academia. Para o público brasileiro, as chances de Central ganhar o primeiro Oscar para o nosso cinema eram reais, mas a frustração veio quando a atriz italiana Sophia Loren entrou no palco para anunciar os indicados ao melhor filme estrangeiro. O motivo? A Vida é Bela, do italiano Roberto Benini, também concorria. Dito e feito, o belo e cativante filme de Benini levou o Oscar, fazendo com que o diretor saísse pulando pelas cadeiras do Dorothy Chandler Pavilion. Para melhor atriz, o prêmio ficou com Gwyneth Paltrow, estrela do filme Shakespeare Apaixonado.

Com ou sem Oscar, Central do Brasil é um marco do nosso cinema, mostrando de forma simples e cativante que o cinema brasileiro tem valor, talento e sensibilidade. As palavras de Fernanda resumem o sentimento sobre este clássico filme: “Filmar esta bela história foi um ato gozoso e doloroso, obstinado, orgânico e absolutamente surpreendente na sua coragem ao despudor de falar ao coração e só ao coração. Longa, vitoriosa vida a esta Central, que é este renascer conjunto do cinema no Brasil”.


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