Atualmente trabalhando como vendedor ambulante nas praias do Rio de Janeiro, um jovem galã da Globo estava no auge do sucesso em 1977. Mário Gomes era o protagonista da novela das oito da Rede Globo do momento, “Duas Vidas”, na qual estava colhendo os louros do seu personagem, o aspirante a cantor Dino César.

DILSON SILVA/AGNEWS

Ele chegou a gravar um disco lançado pela Som Livre, e estrelou a adaptação do romance de Aluísio Azevedo para o cinema, “O Cortiço”, dirigido por Francisco Ramalho Jr, ao lado de então, sua namorada Betty Faria.

Tudo estava indo bem quando uma fofoca armada pelo Carlos Imperial quase enterrou de vez sua carreira. Isso somado ao fato de Daniel Filho, então esposo de Betty, que não suportando ver seu casamento acabar, quando a atriz se envolveu com Mário, abandonou a direção da trama e todos temiam que ele viesse prejudicar seu desempenho na novela.

Como tudo isso aconteceu? Como Mário Gomes sobreviveu ao olho deste furacão? Essas perguntas serão respondidas no texto de hoje.

Greta Garbo no Irajá

Como todo ator em começo de carreira, Mario Gomes foi conquistando aos poucos seu espaço na TV e no teatro. Fez pequenas pontas em novelas como “Bicho do Mato” e “A Patota”, ambas em 1972, e conseguiu um papel de destaque na peça “Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá”.

Escrita por Fernando Melo, a peça aborda a solidão gay na metrópole carioca, nos tempos de ditadura militar, na década de 60. A partir do envolvimento entre um enfermeiro homossexual de meia idade e de um jovem ingênuo e sonhador.

Na encenação, Pedro, interpretado pelo ator Nestor de Montemar (1933-1995) encontra Renato (Mario Gomes), recém-chegado à cidade do Rio de Janeiro com sonho de ser médico e o leva para casa. Renato então passa a ser sustentado pelo enfermeiro, em uma relação envolvida num clima de chantagem e exploração.

O ponto de virada na trama acontece quando Renato se envolve com a prostituta Mary (Arlete Salles), que se torna a principal rival de Pedro e este conflito acaba levando os três em situações cômicas e inesperadas.

Encenada pela primeira vez no Teatro Santa Rosa em julho de 1973, a peça obteve grande êxito popular, fazendo com que Mário Gomes ganhasse o Prêmio Estadual de Teatro de ator revelação neste mesmo ano.

Foi assistindo a uma dessas apresentações que o cantor, compositor, produtor e empresário Carlos Imperial (1935-1992) teve a brilhante ideia de transpor a peça de Fernando para as telas de cinema.

Contando com o mesmo elenco da montagem teatral, Imperial bancou a produção do filme que viria ser lançado no ano seguinte, conforme relatou em sua coluna na Revista Amiga de 6/4/1977: “Associei a história da peça a uma antiga ideia de filmar a “Moderna História de Arlequim, Colombina e Pierrô. Assim foi feito, e no cinema a história ganhou o nome de “O Sexo das Bonecas”, já que tratava de relacionamento de homossexuais.

“Tive problemas com a censura, lançamento e etc., e quando o filme foi lançado, o Mário Gomes já pertencia ao elenco da Rede Globo, com sua presença chamando a atenção do grande público”.

Vale ressaltar que, na época, quando o filme foi finalizado, Mário já estava despontando como galã na novela “Gabriela” em 1975 no papel de Berto Leal.

“Preparei o lançamento e, com grande antecedência, o filme foi anunciado. Na semana da estreia, Mário entrou com uma ação na Justiça, exigindo a apreensão dos cartazes do filme, sob a alegação que sua imagem estaria sendo ridicularizada no cartaz, onde ele aparecia fantasiado de Arlequim. Na ação, ele afirmou que não havia assinado contrato e pedia a proibição da exibição do filme. Tive que fazer novos cartazes, refazer lançamento, organizar novos circuitos, mudar datas, mas o prejuízo já estava causado. Mario agiu de má-fé, porque esperou a semana do lançamento para entrar com a ação. Ele agiu às escondidas e conseguiu seu intento: causar prejuízo financeiro”.

Neste período, o ator estava em alta como o cantor Dino César, seu personagem na novela “Duas Vidas” de Janete Clair, fazendo par com Betty Faria e tinha acabado de lançar um LP pelo selo Som Livre e, de quebra, teve uma música executada dentro da trama, “Chiclete e Cabochard”.

Porém, o romance entre Betty e Mario saiu das telinhas para vida real. E é nesse contexto que a vida do artista deu uma grande reviravolta. Não posso afirmar se Imperial se aproveitou desta situação para lançar a bomba que iria abalar a vida dele, mas com certeza essa foi a jogada de mestre que ele precisava para se vingar do prejuízo com seu filme, isso há dois anos.

Contudo vamos conferir a versão de Mário Gomes sobre o que aconteceu sobre o filme, que é completamente diferente.

Em entrevista cedida a Roberto Bôscoli na Manchete (edição 1354 de 1978), ele comentou:

“O homem (Carlos Imperial) queria que o papel fosse dado ao Pedrinho Aguinaga, Mas o homem dilacerou tanto a obra do Fernando de Mello que até mudou o título para “O Sexo das Bonecas”. E o filme, por falta de qualidade, ficou três anos na prateleira, só conseguindo ser liberado como pornochanchada. Quando o filme foi produzido, eu não tinha nome. Ficou estabelecido que toda a propaganda recairia no Nestor de Montemar. Pintou o “Anjo Mau” e o senhor Imperial resolveu pintar o meu retrato (o cartaz da porta dos cinemas) uma peruca, batom, e uma roupa de colombina. Venham conhecer “O Sexo das Bonecas”. Tentei argumentar com o homem, mas ele sumiu. Depois de uma liminar conseguida com Dr. Pedrilvio, tiveram que recortar minha figura de todos os cartazes. Simplesmente, porque eu jamais usara batom e peruca no filme. Ganhei o processo, mas, creio, nunca mais fui perdoado”.

A fofoca e suas consequências

No filme, “Eu sou Carlos Imperial”, de Renato Terra e Ricardo Calil, em dos depoimentos dados para o documentário sobre a vida e carreira de Carlos Imperial, um dos entrevistados fala como ocorreu o boato que Imperial implantou no tablóide Luta Democrática.

“O cara ganhou o pior inimigo na face da Terra. Um dia, ele (Imperial) me ligou na madrugada e pediu que fosse a casa dele. Ele me pediu que entregasse um envelope na Luta Democrática. Esse seria o troco pro Mario Gomes”.

O envelope trazia uma “fake news”, termo que hoje é bastante popular para designar falsas notícias que percorrem a Internet e as principais redes sociais, mas que abalaria as estruturas do mundo dos famosos. A notícia que foi publicada na primeira página do jornal, na edição do dia 24 de março de 1977 foi um escândalo: “Galã na maternidade em busca de socorro”.

Segundo a matéria sensacionalista, o ator Mário Gomes havia dado entrada na Maternidade Fernão de Magalhães com uma cenoura entalada num local absolutamente invisível.

“O ator Mário Gomes, o másculo galã de “Duas Vidas”, apontado como responsável pela separação entre Daniel Filho e Betty Faria, procurou a Maternidade para medicar – se de uma insólita ocorrência. Estava entalado com uma cenoura, em local absolutamente invisível. O tubérculo, como foi registrado na ficha de atendimento, fora ali alojado pelo próprio, num momento de incontido desejo de satisfação pessoal. Para a extração, Mario Gomes teve de ser anestesiado”.

A notícia plantada por Imperial fez a vida de Mário um verdadeiro inferno. A princípio, ele estava envolvido no olho do furacão, como pivô da separação do casal Betty e Daniel e, agora, sendo caluniado de uma forma covarde e até criminosa.

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Betty Faria, que estava em processo de desquite do ator e diretor Daniel Filho, concedeu uma entrevista para revista Amiga na tentativa de ajudar seu então namorado.

“Não vou permitir que o Mário, uma pessoa de que gosto muito, seja prejudicado em sua carreira por ser considerado o pivô do meu desquite com o Daniel Filho. O nosso casamento já andava errado há mais de um ano e conheço o Mário há pouquíssimo tempo. Portanto, ele não pode levar uma culpa que não lhe cabe. Somos grandes amigos e o nosso relacionamento é de pessoas humanas que se querem muito bem. Ele, como a parte mais fraca, está sendo caluniado e prejudicado. Isto me deixa enfurecida. Não suporto injustiças e o que puder fazer para ajudar este meu amigo, farei”.

Na mesma página onde estava essa entrevista, a Amiga cedeu um espaço ao ator para dar sua versão do caso e reafirmando que ele não teve envolvimento algum no divorcio do casal.

“Apesar de tudo o que foi dito e publicado, sempre olhei o Daniel Filho de frente, nos olhos. E vou continuar a encará-lo da mesma maneira. Os fofoqueiros aproveitaram-se e surgiram as versões mais fantasiosas, tentando denegrir a mim, ao meu trabalho e a minha vida pessoal. (…) Não posso e não devo assumir os melindres de um marido repudiado. Os problemas que determinaram a separação dos dois nada tiveram a ver comigo. No entanto, por uma incrível coincidência, neste momento difícil, estávamos trabalhando juntos. Na mesma novela, nas mesmas cenas”.

Todos temiam que Daniel Filho, um dos diretores mais conceituados e importantes da Rede Globo queimasse a carreira do ator. A verdade é que Daniel tinha grande influência junto à cúpula da emissora e, nos corredores, havia um boato de que ele estaria pressionando que o contrato de Mário não fosse renovado, devido aos escândalos envolvendo seu nome.

Até Janete Clair, autora da novela, não ficou imune a toda a confusão orquestrada. Em entrevista à Amiga (nº 359, 2/3/1977), a novelista deixou bem claro que, apesar dos boatos levantados a respeito sobre ele, nunca chegaram ordens da direção da emissora de que Mário Gomes deveria ser afastado da sua trama.

“Ninguém nunca pensou em afastar o ator da novela e eu nem recebi nem da direção da Globo e nem de ninguém instruções para fazer qualquer coisa nesse sentido. O personagem Dino César vai mesmo viajar para o México (cenas que aconteceram entre os capítulos 79 e 84), mas isto estava previsto desde o início e posso mostrar a sinopse para quem quiser”.

Na mesma entrevista, Janete tece elogios ao ator e sua atuação em “Duas Vidas” e sobre o fato de Daniel Filho ter abandonado a direção da novela:

“Ele está muito bem e vivendo um dos melhores momentos da sua carreira. Estou gostando muito do seu trabalho e se algumas vezes ele pode ter errado foi só com intenção de conseguir a perfeição. Não teria cabimento eu afastar o ator, que é um dos maiores sucessos da novela e também um dos meus mais importantes personagens. Quero deixar claro também que ao abandonar, por problemas particulares, a direção da novela, o Daniel Filho foi da maior dignidade e me pediu para dar maior força à novela. Desminto categoricamente os boatos de que nunca pensei no afastamento de Mário Gomes”.

Somente cinco anos depois é que Daniel Filho se pronunciou oficialmente sobre o caso Betty Faria e Mário Gomes, na Manchete nº 1523 de 1981:

“Sofri porque a Betty foi desleal e isso está incluído entre as coisas que mais me magoam. Atenção: não estou falando de infiel. Betty foi desleal. Ela e Mário Gomes usaram muito a imprensa para se promoverem com relação ao próprio romance. Na época, era muito bom ser publicado, porque a novela estava no ar e eu sabia que aquela invasão de privacidade iria acabar com o término da novela”.

Sobre as declarações de que Mário disse que a atitude dele foi de um procedimento irrepreensível durante todo aquele período tumultuado, ele respondeu:

“Me atribuíram uma força que teria para impedi-lo de renovar o contrato, disseram que eu prejudicava o trabalho deles na novela e o pior, que eu era o autor da notícia da cenoura. Só dois anos depois eles chegaram à conclusão de que aquilo não era verdade. Eu sabia que a única coisa que poderia fazer era ficar calado. Imediatamente me separei de Betty e viajei. Na realidade, Mário não foi o pivô da situação, quando ninguém tinha dito que ele era pivô de nada. A Betty já estava de romance com ele e isso foi apenas um motivo, não a emoção da separação. Logicamente havia o caso de eu ter me tornado o corno do Brasil. E vivi um pesadelo. Era apontado na rua como símbolo de corno, com risos e tudo. Atualmente pouca gente lembra de que fui o grande corno brasileiro. Agora, sou o grande macho “brasileiro”.

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Processo e fim do romance

No dia 27 de junho de 1977, o juiz da 15ª Vara Cível, do Rio de Janeiro condenou o jornal “Luta Democrática” a lhe pagar cem salários mínimos, como indenização pelos danos morais sofridos em sucessivas publicações consideradas injuriosas e difamatórias.

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Na sentença favorável ao ator, o juiz declarou que havia a intenção malévola de ser fornecido ao publico o sabor da ridícula jocosidade à custa da honra alheia. Os argumentos da defesa confirmam essa irresponsabilidade do que a imprevisão em estar sendo divulgado fato possível de chocante e contundente interpretação, sendo violados os direitos da personalidade na intimidade e na honra.

Ao final da sentença Mário Gomes desabafou:

“De uma hora para outra, fui abatido com essa intriga e envolvido num desagradável noticiário de repercussão nacional. Cheguei a emagrecer muito. Foi um sofrimento incrível. É claro que muita gente me ajudou a recuperar, mas a barra foi muito dura. Eu me sentia muito desanimado, envergonhado e humilhado. Agora, meu ânimo começa a mudar. A verdade venceu e eu estou disposto a continuar lutando. Para que nenhum colega sofra momentos de desespero iguais aos que passei”.

Após toda essa celeuma, Betty Faria e Mário Gomes ainda atuaram juntos no cinema e continuaram o namoro, até seu término no outono de 1978.

Betty se afastou das novelas e se dedicou à apresentação do “Brasil Pandeiro”, programa de variedades da Globo naquele ano e esteve envolvida nas gravações de “Bye Bye Brasil”, filme de Cacá Diegues, durante o ano de 1979.

Mário Gomes saiu do olho do furacão, apesar de sua honra ter sido ferida, por cima da situação. Apesar de não ter conseguido divulgar seu LP, ele foi um dos protagonistas da novela “O Pulo do Gato” de Bráulio Pedroso em 1978 e se firmando como um dos maiores galãs da emissora no começo da década de 80.

Já Carlos Imperial continuou sua carreira de sucesso como compositor e apresentador na Rede Tupi com seu programa de auditório que levava seu nome. Ainda conseguiu dirigir algumas pornochanchadas de relativo sucesso com os títulos “Loucuras, o bumbum de ouro” (1979) e “Delícias do Sexo” (1981), além de se candidatar a vereador na década de 80 e ter sido eleito ao cargo, como o candidato mais votado do Rio de Janeiro em 1982.

Entretanto, o melhor dessa história toda foi uma crítica do próprio Imperial, em sua coluna na revista Amiga, tentando se eximir de toda a confusão que ele causou:

“Eu queria que você, Mário Gomes, lesse este meu artigo sentado de cabeça fria. É que de uma hora para outra. Devido à nossa bronca referente aos cartazes do filme “O Sexo das Bonecas”, o pessoal está insinuando ter sido eu o autor do boato grosseiro e incrível que te envolveu (…). Minha bronca com você ter dito que eu o havia enganado, e que você nem havia assinado contrato para fazer o filme, que facilmente provei não ser verdade (…). Quanto ao boato, eu sei que vocês sabem que eu não seria capaz de uma maldade dessas. Faltou a você um pouco de conhecimento de causa para matar o boato na sua fonte: Luta Democrática (…). Dentro de mim só existe solidariedade a você. Talvez você possa tirar partido disso tudo. Quem sabe? Há um ditado na boemia carioca que talvez possa te abrir os olhos: Se a curra é inevitável, relaxe e aproveite. E que você saiba tirar partido deste boato em benefício próprio é de fato meu desejo sincero”.

Tal quais as fake news, disseminadas hoje em dia, por veículos que tendem a distorcer a realidade do atual governo, é louvável o fato de Mário Gomes ter sobrevivido a toda avalanche que não apenas bagunçou a sua vida, mas as de outras que indiretamente estavam ligadas a ele ou não.

No fim, ele seguiu firme e forte na carreira artística. Sorte dele e de todos os envolvidos, pois, na era da internet, dos haters e da cultura do cancelamento, talvez sua estrela já teria se apagado faz tempo.

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Sebastião Uellington Pereira é apaixonado por novelas, trilhas sonoras e livros. Criador do Mofista, pesquisa sobre assuntos ligados à TV, musicas e comportamento do passado, numa busca incessante de deixar viva a memória cultural do nosso país. Escreve para o TV História desde 2020 Leia todos os textos do autor