Cara e Coragem foi uma das piores novelas já feitas pela Globo

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A novela das sete escrita por Claudia Souto e dirigida por Natalia Grimberg chegou ao fim nesta sexta-feira (13), após desgastantes 197 capítulos. A Globo tem feito folhetins com cerca de 170 capítulos, mas não esticou Cara e Coragem por conta de sucesso.

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A decisão da emissora foi tomada antes mesmo da estreia e com o objetivo de beneficiar Vai na Fé, trama substituta que estreia na próxima segunda, evitando que a história de Rosane Svartman enfrentasse os ingratos meses de novembro e dezembro, período onde a audiência costuma diminuir e com direito a eleições e Copa do Mundo em 2022. Mas a decisão fez com que todos os defeitos da produção ficassem ainda mais evidentes.

Obra do acaso

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A autora estreou sua primeira novela solo em 2017 e teve um ótimo retorno da audiência. No entanto, Pega Pega tinha vários defeitos e todos eles foram repetidos em Cara e Coragem: falta de carisma dos personagens, história que anda em círculos, cenas burocráticas e conflitos desinteressantes. O enredo anterior, no entanto, teve o fator surpresa: o êxito do par formado por Maria Pia (Mariana Santos) e Malagueta (Marcelo Serrado).

E ficou claro na época que não era algo planejado. O acaso beneficiou a escritora, que passou a investir no romance dos vilões. Já todo o restante do roteiro, incluindo a exaustiva abordagem do roubo realizado no Carioca Palace, era maçante. E a repercussão nas redes sociais era quase nenhuma. Somente o casal ‘Malapia’ rendia comentários. Não por acaso, os elevados números no Ibope até hoje são difíceis de serem analisados.

Já em ‘Cara e Coragem há uma congruência de resultados: o folhetim foi um fracasso de repercussão e audiência. Os motivos são até simples de serem explicados. Desde o primeiro capítulo a novela não conseguiu despertar atenção. A vida dos dublês ser um dos motes centrais do roteiro já foi um grande equívoco. Embora tenha sido uma ideia diferente, não funcionou como dramaturgia. Com todo respeito aos profissionais da área, não é nada atrativo acompanhar a rotina de trabalho deles. E as situações em nada beneficiaram a narrativa.

Porque as cenas gravadas por Pat (Paolla Oliveira) e Moa (Marcelo Serrado) só serviram para preencher o tempo dos capítulos e exigir um trabalho extra da equipe de direção, já que as partes úteis eram quando os mocinhos paravam para dialogar sobre os mistérios em torno da ‘morte’ de Clarice (Taís Araújo).

Erro crasso

Aliás, concentrar uma novela inteira, por quase 200 capítulos, em cima de enigmas óbvios foi outro erro crasso. Nas primeiras semanas até foi convidativo o conflito em torno do assassinato da poderosa empresária e o surgimento quase imediato de uma sósia chamada Anita (Taís Araújo). A dúvida em torno da identidade daquela mulher era interessante. Porém, cada vez que ficava mais claro que a personagem era apenas uma sósia usada pela ricaça, menos a história prendia.

E quando foi revelado que Clarice não tinha morrido e estava em coma, o pouco roteiro que o folhetim tinha acabou. Tanto que a sua volta não modificou a narrativa em nada. Isso porque sempre foi óbvio que os responsáveis pelo crime contra a milionária eram os três vilões: Regina (Mel Lisboa), Danilo (Ricardo Pereira) e Leo (Ícaro Silva). Para piorar, Clarice pouco fez em seu retorno. Apenas se juntou aos mocinhos e a Ítalo (Paulo Lessa) nas investigações intermináveis sobre quem queria a tal fórmula secreta que, ao invés de usada para salvar vidas, foi modificada para dizimar cidades.

A inverossimilhança do roteiro poderia ter sido relevada caso a história tivesse um desenvolvimento atrativo – como uma arma tão poderosa que dizima cidades inteiras estava sendo investigada por uma delegada insignificante e um detetive incompetente (Marcela/Julia Lund e Paulo/Fernando Caruso) ao invés de autoridades mundiais ou até a ONU (Organização das Nações Unidas)? Até porque a novela foi vendida como um produto de muita ação e reviravoltas. Não teve ação, reviravolta e muito menos emoção ou comédia.

Sem conteúdo

Aliás, o que Cara e Coragem apresentou ao público? É difícil analisar o conteúdo da obra. Como descrevê-la? Foi uma trama leve? Pesada? Dramática demais? Cômica? O que ficou claro foi a ausência de consistência em todo o conjunto. Nada empolgou ou despertou algum interesse. Não por acaso, a reta final teve uma repercussão nula. Ninguém comentou nas redes sociais e os sites de imprensa mal noticiaram o conteúdo da produção. Nem a maioria dos atores comentava sobre seus personagens em entrevistas ou em suas próprias redes.

A novela foi recheada de cenas burocráticas. Ou seja, sequências que não despertaram emoção, raiva, riso, enfim. Porque as situações não provocaram nada no telespectador. Era impossível se sentir envolvido pela história que estava sendo contada. Não deu para ter carinho ou empatia por qualquer personagem. E muito menos ódio pelos vilões. Porque não acontecia nada.

A impressão é que o elenco apresentava uma interpretação automática, sem maiores esforços. Afinal, as cenas não exigiam um grande desempenho. A produção seria ótima para atores medíocres porque não teriam momentos de difícil execução cênica. Mas não era o caso de Cara e Coragem. Quase todos os profissionais escalados tinham talento. Mas até nomes de peso não conseguiram se destacar.

Casais ruins

E todos os casais foram ruins. Não houve química entre Paolla Oliveira e Marcelo Serrado. O intérpretes se esforçaram, mas Pat e Moa eram mocinhos insossos. Até o enredo deles era cansativo. Moa ainda perdeu a memória na metade da novela. Um recurso insuportável que já deveria ter sido abolido da teledramaturgia. Para culminar, a autora reservou um plot que terminou de enterrar o romance: a vasectomia que Alfredo (Carmo Dalla Vechia) fez escondido da então esposa, Pat. O ato do personagem se tornou muito mais grave do que a traição de Pat e Moa, que resultou em Sossô (Alice Camargo). Ou seja, Alfredo ter criado a filha do amante momentâneo da esposa como sendo dele não valeu de nada.

A indignação dos mocinhos fez com que o ranço pelo casal aumentasse. Tudo o que envolveu essa grotesca situação beirou o absurdo. Até mesmo a pressão que Olívia (Paula Braun) fez para que o namorado contasse a verdade. Ainda houve outro conflito que deixou o conjunto pior ainda: a inserção de Rafael Cardoso na pele de Rômulo. O intuito era criar um breve triângulo amoroso e logo depois revelá-lo como um vilão psicopata. E Pat teve que fingir estar apaixonada para investigá-lo, mas sem contar do plano a Moa. Uma enrolação para preencher tempo dos capítulos.

Também não deu para entender o objetivo de ter colocado Anita se envolvendo amorosamente com os dois ex de Clarice: Jonathan (Guilherme Weber) e Italo (Paulo Lessa). Os dois pares não funcionaram e ainda causou a impressão de que a personagem era uma obcecada que queria viver a vida de sua ‘cópia’, quando a intenção da autora não era essa.

Falta de densidade

Por sinal, Anita foi descartada por Ítalo assim que Clarice voltou. O casal dividiu o protagonismo com Pat e Moa e se mostrou tão cretino quanto os mocinhos. A empresária nunca se preocupou com os sentimentos de sua ‘sósia’ e a manipulou até servir a seus objetivos. O mesmo fez Ítalo. E ficou por isso mesmo porque os dois tiveram um lindo final feliz. E qual foi o sentido de Anita no roteiro? Nenhum. Sua inexistência em nada mudaria a história. Só serviu para suprir a ausência de Clarice nos primeiros meses.

O único romance que apresentou uma certa densidade era o formado por Regina (Mel Lisboa) e Leo (Ícaro Silva), duas pessoas desequilibradas emocionalmente. Mas até essa relação a escritora estragou quando resolveu santificar Leo e jogar toda a culpa de suas perversidades em cima de Regina. Foi Leo quem deu a ordem para eliminarem Clarice, sua própria irmã. Foi Leo quem ajudou a então esposa a contratar um golpista para iludir sua mãe, Martha (Claudia Di Moura), para facilitar seu desvio de dinheiro na empresa da família.

Leo participou de todos os planos de Regina e Danilo. Mas depois que Clarice voltou do coma houve um processo de humanização do vilão, onde a superficialidade se fez presente o tempo todo. A empresária e sua mãe perdoaram rapidamente todas as atrocidades cometidas pelo rapaz e utilizaram o fato de Leo sempre ter sido instável emocionalmente para absolvê-lo de tudo, jogando toda a culpa na manipulação da perversa Regina. O pior: foi inocentado pela delegada de ter sido o mandante da tentativa de assassinato da irmã. Não ficou nem um dia preso. A delegada agiu como juíza, advogada e promotora em um combo. Inacreditável.

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Núcleos secundários fracos

Os núcleos secundários não contribuíram em nada para uma possível salvação do folhetim ou ao menos uma amenização das críticas. O conflito envolvendo o faxineiro Duarte (Kiko Mascarenhas), que fingia ser o milionário Bob Wright para curtir momentos de mordomia,, até teve um bom começo e a dupla formada com Jéssica (Jeniffer Nascimento) funcionou. Porém, aos poucos os dois foram perdendo a função e ficaram jogados na trama. Somente na reta final que o 171 voltou aos holofotes quanto teve sua falsa identidade desmascarada.

A saga da deslumbrada atriz Andrea Prattini também se mostrou uma decepção e Maria Eduarda de Carvalho não teve chance de brilho, assim como a repetitiva trama envolvendo o trígamo Armandinho (Rodrigo Fagundes) – o objetivo cômico nunca foi atingido. Já a relação abusiva de Lou (Vitória Bohn, uma boa revelação) e Renan (Bruno Fagundes) teve uma importante mensagem, mas cansou com o passar dos meses até porque o namoro da personagem com Rico (André Luiz Frambach) era uma chatice – aquele sequestro constrangedor no dia do casamento dispensa comentários.

Ainda é preciso mencionar o desperdício de Mariana Santos na pele de Rebeca, um perfil que parecia importante mas acabou sem função por muito tempo. A solução da autora foi a invenção de uma mãe desaparecida, que na verdade era Dagmar (Guida Vianna), mãe de Regina. Outros atores acabaram desvalorizados, como Ivone Hoffmann (Adélia) – figura rara na televisão -, Guilherme Weber e Leopoldo Pacheco (Joca). O único ponto positivo em meio a tantos erros foi a entrada da Pablo Sanábio interpretando Enzo, um homem que enfrentou o preconceito do próprio namorado para assumir o relacionamento.

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Falta de criatividade

Os últimos capítulos ainda sublinharam a falta de criatividade da autora para a movimentação de seu roteiro: Sossô foi sequestrada por Danilo. O crime veio logo depois que Jonathan foi libertado também de um sequestro que sofreu. E as ‘viradas’ da trama se resumiram a raptos. Foram inúmeros. Duarte foi sequestrado, Lou foi sequestrada, Clarice foi sequestrada, Jéssica foi sequestrada, Chiquinho (Guilherme Tavares) foi sequestrado, Rebeca foi sequestrada e no final foi a vez da filha de Pat e Moa.

Já o processo de santificação de Leo se deu com o clichê que ficou óbvio no penúltimo capítulo: Regina atirou em Clarice e o ex-vilão se jogou na frente, salvando a vida da irmã que tinha mandado matar e morrendo em seu lugar como mártir. A fuga de Danilo, sendo perseguido por Pat e Moa, beirou o ridículo e a adrenalina pretendida na cena ficou só no desejo mesmo. Regina e Danilo acabaram condenados, enquanto Ítalo e Clarice se casaram depois que descartaram Anita, que por sua vez ficou com Jonathan, sujeito que nunca a amou. Pat e Moa também se casaram e acabou a história. Sem emoção alguma.

Cara e Coragem entrou para a lista das piores novelas das sete já produzidas. E uma das médias mais baixas da história da faixa. Terminou com 21 pontos, o mesmo que a deliciosa e bem produzida Quanto Mais Vida, Melhor! – que foi ao ar toda gravada e prejudicada por conta da pandemia, mas ainda assim teve uma ótima repercussão nas redes sociais. O mais irônico é que foi o primeiro folhetim que ganhou uma faixa de reprises nas madrugadas da Globo (ou seja, o insosso final reprisado quatro vezes). Não mereceu.

Claudia Souto precisa rever seu método de contar uma história. Talvez valha a pena experimentar o formato de séries, que são bem mais curtas, e focando no tema que ama tanto: desvendar rastros de crimes. Mas com personagens carismáticos e um enredo que prenda o telespectador, algo que não conseguiu com sua novela que chegou ao fim com clima de ‘já foi tarde’.

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