Uma mulher negra bem-sucedida e respeitada. Advogada que virou uma referência na profissão e sabia diferenciar o seu lado profissional do pessoal. Aparentemente fria, sonhava em ser mãe. Defensora de um dos empresários mais corruptos do país, Vitória (Taís Araújo) nunca sentiu peso na consciência. Afinal, era apenas seu trabalho.

Mas tudo começou a mudar quando adotou uma criança e ainda engravidou acidentalmente. Todas essas características faziam do perfil um dos melhores de Amor de Mãe, que retornou recentemente, após quase um ano de pausa em virtude da pandemia. Mas tudo foi por água abaixo quando a autora inventou uma ruína financeira para forçar uma virada nada convincente.

Toda a trajetória de uma das ditas protagonistas da atual novela das nove da Globo acabou destruída. Vitória cansou de passar por cima de seus princípios para advogar para Álvaro (Irandhir Santos) e decidiu romper o contrato, pagando uma multa milionária. Era um momento aguardado pelos telespectadores. Mas resultou em uma reviravolta que afetou drasticamente a imagem da personagem. Aquela profissional inteligente, empoderada e cheia de atitude morreu. Manuela Dias parece ter criado outra mulher e colocado no lugar da anterior.

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Vitória resolveu ajudar o ex, Davi (Vladimir Brichta), contra seu antigo cliente e em nenhum momento achou que havia o risco de ser flagrada. A situação, claro, resultou em um desvio de ética que acabou ocasionando a cassação de seu registro profissional e ainda culminou na influência do empresário para nenhum outro cliente poderoso a contratar.

E para expor a derrocada financeira da personagem, a venda do apartamento de luxo de Vitória – na zona sul do Rio de Janeiro – foi exibida, assim como sua mudança para o subúrbio. Para sobreviver, a ex-poderosa mulher ainda virou costureira e colou anúncios em postes para contratarem seus serviços.

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A questão é simples: como uma advogada tão bem-sucedida acumulou apenas um bem ao longo de toda a carreira? Alguém já viu advogado de corrupto sem uma avalanche de reservas financeiras? O fato da multa ter sido milionária não justifica. Como já mencionado em outro texto sobre Amor de Mãe, parece que para a pessoa ser íntegra na história é necessário um atestado de pobreza, uma vez que Raul (Murilo Benício) já teve atitudes nada louváveis no início do folhetim.

O empresário também merece menção a respeito da virada boba de Vitória. A personagem tem um relacionamento com o pai de seu filho, Sandro (Humberto Carrão), mas, antes da interrupção do folhetim por conta do novo coronavírus, em nenhum momento cogitou pedir dinheiro emprestado. Preferiu fazer isso com Penha (Clarissa Pinheiro), a agiota e então parceira de Belizário (Tuca Andrada). Uma advogada inteligente se utilizando de agiotagem?

O fato é que a condução de Vitória já tinha sido arranhada com a revelação nada crível sobre Sandro. A personagem ter dado o filho quando jovem faz total sentido, principalmente levando em consideração sua ambição profissional na época. Mas se mudar para um barraco de favela onde ficou durante todos os meses de sua gravidez – aprendendo francês por meio de gravações – só para fingir para as irmãs que viajou para a França soou ridículo. Não seria mais fácil um aborto clandestino? Porque se tivesse preocupada com a vida do bebê não daria para uma criminosa.

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Porém, é aquele típico furo presente em qualquer folhetim e que pode ser deixado de lado em prol do bom desenvolvimento das catarses ou futuros conflitos. O problema é que nada aconteceu. Pelo contrário, o contexto piorou. Sandro perdeu a relevância e a personagem de Taís teve essa virada financeira besta. O pior de tudo foi o pedido de casamento de Raul que também resultou na compra do apartamento de luxo da advogada. Ou seja, ela foi morar com o atual esposo na sua antiga casa. Em menos de duas semanas. O conflito serviu para isso?

Agora, na retomada da novela, a falta de relevância de Vitória ficou ainda mais explícita. Teoricamente, é uma das protagonistas. Mas Lurdes (Regina Casé) carrega o roteiro nas costas e Thelma (Adriana Esteves) ganhou relevância quando foi transformada em uma psicopata assassina. Já Vitória mal aparece. Está casada com Raul e uma de suas raras cenas foi limpando um computador com uma flanela. Não há qualquer conflito a ser concluído.

A autora até escalou a grande Eliane Giardini para interpretar a mãe de Vitória, Miranda (Debora Lamm) e Natália (Clarisse Kiste) com o intuito de criar algum drama para o trio. Isso porque a matriarca está gravemente doente. Mas não convence porque a intenção fica clara e nem assim Taís ganha destaque. Aliás, no início do enredo o drama da personagem era ter um filho. Em menos de dois meses adotou uma criança, achou o filho biológico abandonado no passado e ainda engravidou de Davi. Ganhou três herdeiros.

Taís Araújo continua ótima no papel, o que não é surpresa. Mas é inegável que a trajetória de uma das principais personagens de Amor de Mãe se perdeu por completo. Vitória era um perfil complexo e virou uma bobagem. Após perfis desinteressantes e mal construídos em A Favorita (2008) e Viver a Vida (2009), fica notório que a atriz não tem sorte no horário nobre.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor