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“Haja Coração” estreou no dia 31 de maio de 2016. A novela das sete da Globo teve um início muito agradável, se mostrando uma gostosa trama e perfeitamente propícia ao horário, onde a comédia ditava o rumo do enredo. O remake de “Sassaricando” parecia bastante promissor e com bons atrativos para prender o público. Entretanto, a produção começou a apresentar sérios problemas de desenvolvimento, expondo a limitação da história escrita (ou reescrita) por Daniel Ortiz.
A ‘releitura’, como o autor gosta de chamar, tinha com ponto alto o núcleo da família Abdala e isso ficou perceptível desde a estreia. Embora tenha colocado Tancinha (Mariana Ximenes) como protagonista da nova versão, o escritor se esqueceu de fortalecer sua trama, que era digna de uma coadjuvante em 1987. As deficiências em torno da personagem central não demoraram para aparecer, que logo começou a ser ofuscada pelos demais núcleos, principalmente o já mencionado, cuja comicidade se fazia presente através da impagável dupla formada por Fedora e Teodora Abdala, vividas pelas ótimas Tatá Werneck e Grace Gianoukas.
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Enquanto Tancinha protagonizava cenas repetitivas de idas e vindas com Apolo (Malvino Salvador), as peruas viviam situações hilárias e ainda menosprezavam os demais habitantes da mansão, como Aparício (Alexandre Borges), Lucrécia (Cláudia Jimenez) e Gigi (Marcelo Médici).
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O romance protagonizado por Camila (Agatha Moreira) e Giovanni (Jayme Matarazzo) foi outro atrativo do início da novela, pois a química dos atores foi visível e o enredo era um clichê bem convidativo: ela, uma patricinha arrogante e fria, perdeu a memória em um acidente e acabou se apaixonando pelo rapaz que havia colocado na cadeia por dois anos, tendo ainda seu sentimento correspondido pela sua vítima.
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Mais um êxito da história era o trio formado por Leonora (Ellen Roche), Rebeca (Malu Mader) e Penélope (Carolina Ferraz), três solteironas que viram amigas inseparáveis e se unem em busca de um marido rico. A sintonia das atrizes se fez presente logo na primeira cena e a empregada Dinalda (Renata Augusto) complementou o time da melhor forma possível.
Ou seja, os pontos altos do folhetim eram as situações vividas pela família Abdala, o trio de peruas e o romance ‘Gimila’ (junção de nomes oriunda do termo ‘shippar’). Os outros núcleos já apresentavam deficiências, havendo até uma falta de ligação com os demais. Vide o drama vivido pela menina Carol (Bruna Griphao), que precisava enfrentar o alcoolismo do pai e cuidar sozinha dos irmãos; a saga de Apolo em busca do sonho de ser piloto de Stock Car; o mau-caratismo de Adônis (José Loreto) e as aventuras entediantes do vlogueiro Renan (Conrado Caputo). Porém, os acertos ainda se sobressaíam aos erros.
Só que a ‘morte’ de Teodora foi letal para a novela, que começou a naufragar e perder o rumo. Aliás, não deixou de ser uma ‘tragédia’ anunciada, pois Grace Gianoukas estava roubando a cena e a boa aceitação de sua personagem acabou até adiando a sua saída da trama em 20 capítulos. O autor também resolveu não matar a perua, provocando apenas um desaparecimento do corpo após a explosão do helicóptero.
Entretanto, ainda assim, a ausência da mãe de Fedora aniquilou o núcleo dos Abdala, que era justamente um dos melhores. Era Teodora que movia todos os demais e ficou evidente a perda de função de vários deles. Se em “Sassaricando” a morte da ricaça era fundamental para o andamento do roteiro, no remake a situação apenas serviu para prejudicar o enredo que parecia promissor.
Fedora —- cuja rivalidade com Stelinha Salgado (Julia Faria) se esgotou rapidamente —- e Leozinho (Gabriel Godoy), por exemplo, passaram a protagonizar situações repetitivas envolvendo fantasias sexuais e a tentativa do malandro em matar Aparício (para depois se arrepender, assim como houve no crime contra Teodora) soou forçada, uma vez que ele já está rico ao lado da esposa. Ainda deixou explícita a necessidade de um vilão ou vilã de verdade na novela, pois as poucas movimentações no roteiro estão vindo de um sujeito que já mostrou ter bom coração.
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E as tentativas de Aparício em conquistar Rebeca logo cansaram, principalmente sem a presença da esposa prepotente para atrapalhar. A estratégia do autor (inserindo Teodora nos pesadelos do marido banana) também não surtiram efeito, pois caem no esgotamento, sendo apenas gratuitas. As situações protagonizadas por Lucrécia e Gigi (cuja esposa vive tentando transar com o marido, sem sucesso) são outras que pecaram pela obviedade, limitando os atores, que são mestres na comédia. Aliás, Gigi se revelou um vilão calculista, sendo o mentor de Leozinho, mas o personagem nada faz a não ser reclamar.
O casal formado por Camila e Giovanni também começou a se desgastar em virtude do enredo estagnado. Seria bem mais interessante ver a menina recuperando a memória e precisando lidar com a sua versão antiga e a nova em conflito, apresentando problemas de comportamento e identidade. Afinal, a quase vilã virou uma pessoa boa, ou seja, desenvolveu um lado humano.
Mas o autor preferiu transformá-la em uma idiota influenciável, prejudicando o andamento de sua relação com Giovanni. Todo par precisa de conflitos para gerar interesse, porém, os criados por Daniel até agora estão mal construídos e andando em círculos —– houve, inclusive, uma tosca ‘bomba caseira’ que serviu de motivo para atrapalhar a relação. Até porque a mau-caráter Bruna (Fernanda Vasconcellos) estava tentando separar o par desde o início e restava saber se isso prosseguiria até o final, pois não havia elementos para sustentar o contexto até lá. A ex-namorada dissimulada do rapaz renderia muito mais se tivesse um drama próprio, não precisando viver em função do casal.
Os problemas observados apareceram ainda no divertido trio de peruas. Elas passaram a morar juntas e continuam protagonizando alguns momentos bem engraçados. Entretanto, os dramas particulares das personagens são rasos. Leonora seguiu a sua saga em busca da fama e Rebeca sofria calada pelo amor que sente por Aparício, contextos que se mostram frágeis demais levando em consideração a duração de uma novela.
No caso de Rebeca, inclusive, tudo se resolveria com um simples acesso ao Google para pesquisar quem é Aparício. Já Penélope formava um lindo casal com Henrique (Nando Rodrigues), mas o par não apresentava conflitos consistentes, com exceção do fato do rapaz ser melhor amigo de Beto (João Baldasserini), filho da namorada mais velha. Enquanto a saia justa não era exposta, os dois protagonizavam momentos sem maior importância, criando ‘problemas’ bobos, como o incessante pedido de Henrique para que Penélope assumisse o namoro, mesmo tendo concordado com a condição dela em manter o romance escondido.
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Portanto, quando os acertos de “Haja Coração” começaram a tropeçar nas limitações do roteiro, não foi difícil constatar o quanto que os erros da novela eram preocupantes. Os dramas protagonizados por Tancinha não fizeram jus ao papel de protagonista. A dita mocinha da história passava o tempo todo se lamuriando por Apolo (vive em função dele), que por sua vez fazia o mesmo em virtude do ciúme doentio que sente da feirante. Um casal chato e sem história.
Mariana Ximenes esteve ótima na pele da personagem eternizada por Cláudia Raia e merecia bem mais, principalmente levando em consideração que a exuberante filha de Francesca (Marisa Orth) muitas vezes parecia uma figura deslocada no folhetim. Já Malvino Salvador repetiu atuações anteriores e posteriores (até porque o papel é um mais do mesmo de tudo o que o ator já fez) e a saga de Apolo em busca do sonho de ser piloto era extremamente desinteressante. Tancinha só melhorava em cena quando estava com Beto, que tem uma comicidade involuntária atrativa, funcionando bem com a burrice da feirante. Mas, ainda assim, foi um triângulo amoroso cansativo no geral.
O transtorno de personalidade de Tamara (Cleo Pires) pareceu interessante à primeira vista, todavia, estava completamente deslocado do restante da história. Assim como, aliás, o já mencionado drama de Carol, que agora perdeu o pai e precisa cuidar dos irmãos e da casa —- o fato da menina não falar para ninguém que o pai morreu, por sinal, era absurda. E foi uma pena ver Conrado Caputo avulso no enredo, após ter dado um show como o Pepito em “Alto Astral”, do mesmo autor. As ‘aventuras’ de Renan em nada contribuíram para o roteiro e serviram apenas para ‘encher linguiça’, popularmente colocando. Já a situação de Adônis com Nair (Ana Carbati) era exatamente a mesma protagonizada por Sueli (Débora Nascimento) e Aurélia em “Alto Astral”: o filho que rejeitava a mãe. A atriz intérprete da mãe, por sinal, era a mesma. A diferença é que o conflito anterior estava inserido em um bom contexto, ao contrário dessa, servindo apenas para dar alguma função ao irmão de Apolo.
A única trama que realmente despertou interesse foi a inspirada no clássico “Cinderela”. A partir do momento em que a relação de Shirlei (Sabrina Petráglia) e Felipe (Marcos pitombo) foi inserida na novela, houve uma clara identificação do público, provando que a tradicional história da gata borralheira sempre dá certo quando bem desenvolvida. E essa situação foi muito bem conduzida pelo autor.
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A demora na junção do casal gerou expectativa, aumentando o interesse pelos rumos daquelas pessoas que se encantaram à primeira vista. A menina que tinha um problema na perna, e trabalhava como empregada na casa de seu grande amor, virou logo a mocinha do enredo e o rapaz o mocinho.
Vale lembrar que a personagem nem é fruto de “Sassaricando” e, sim, de “Torre de Babel”, quando foi interpretada por Karina Barum —- que, na época, também se destacou, fazendo sucesso. Os ótimos atores apresentaram uma química arrebatadora e ainda havia a presença da talentosa Karen Junqueira vivendo a patricinha Jéssica, namorada de Felipe que fazia de tudo para humilhar Shirlei, representando bem a figura da madrasta malvada da Cinderela. Somente esse núcleo salvou a novela.
“Haja Coração” apresentou um animador começo, mas a equivocada morte de Teodora desencadeou uma grade perda de rumo no enredo, transformando os acertos em problemas e evidenciando os erros já observados anteriormente. Agora, o público está tendo a oportunidade de rever tudo isso.