Durante décadas, a imagem do quarteto formado por Didi, Dedé, Mussum e Zacarias era a de um grupo de amigos com uma união inabalável, que divertia o Brasil com esquetes e filmes memoráveis. Mas nem sempre foi assim: em 1983, sérias divergências levaram Dedé, Mussum e Zacarias a abandonar temporariamente a trupe.

Os Trapalhões

Antes de uma retrospectiva desses fatos que quase levaram a um desmanche definitivo da formação clássica, vale a pena fazer uma volta ainda mais longínqua no tempo: nos primórdios do grupo, em 1966, o programa era exibido pela TV Excelsior de São Paulo com o nome de Os Adoráveis Trapalhões, uma criação do diretor Wilton Franco.

Na formação inicial, já estava Renato Aragão, com o seu Didi Mocó, acompanhado do galã e cantor da Jovem Guarda Wanderley Cardoso, do astro dos programas de telecatch Ted Boy Marino e do cantor e ator de chanchadas Ivon Cury.

Com o tempo, ocorreram diversas alterações, com a saída de integrantes e a chegada de outros. Em 1972, Didi já tinha a companhia de Dedé Santana e do sambista Antônio Carlos Bernardes Gomes (Mussum), além de Roberto Guilherme (o eterno Sargento Pincel).

Os insociáveis

Dedé Santana e Renato Aragão

Naquele ano, eles decidiram migrar para a Record e o grupo foi rebatizado, passando a se chamar Os Insociáveis, o que não agradou a Renato Aragão.

Somente em 1974, quando ocorreu a mudança para a Tupi, é que a marca definitiva se tornou Os Trapalhões. Foi nessa nova etapa da trajetória que receberam aquele que viria a ser o último membro da formação clássica: Mauro Faccio Gonçalves, o Zacarias.

Mesmo com bons índices de audiência aos domingos, muitas vezes superando o Fantástico, da Globo, a atração sofria com os problemas financeiros que já naquela altura atormentavam a Tupi.

Por isso, em março de 1977, a convite de Boni, Os Trapalhões se mudaram de mala e cuia para a Globo. Um ano antes, o último integrante da formação definitiva já tinha sido recrutado: Mauro Faccio Gonçalves, o Zacarias.

Ocupando o posto de atração que precedia o Fantástico, Os Trapalhões conquistaram definitivamente o público e a crítica especializada, atingindo o auge no início dos anos 1980: o formato de esquetes sucessivas entremeadas por paródias musicais se consolidou, enquanto que os longas-metragens aumentavam ainda mais a popularidade do quarteto.

Conflitos e reconciliação

A Renato Aragão Produções era a responsável pela gestão do programa de TV e também dos filmes e de outros produtos dos Trapalhões. Isso fazia com que metade do faturamento do grupo ficasse com Renato, enquanto os outros 50% eram divididos entre Dedé, Mussum e Zacarias.

Como alternativa, o trio criou uma produtora própria, a Demuza (um acrônimo que juntou as iniciais de Dedé, Mussum e Zacarias). Com isso, puderam manter turnês de shows em locais como ginásios, clubes e circos, algo que não interessava mais a Renato.

Mas havia a expectativa de que, mesmo com as carreiras parcialmente separadas, fosse mantido um diálogo sobre eventuais convites para projetos paralelos.

Não foi o que aconteceu: em 1983, rumores de que havia uma crise na relação entre os comediantes se intensificaram. O princípio teria sido o convite feito a Renato para um filme solo (“O Trapalhão na Arca de Noé”), sobre o qual os demais sequer foram consultados. Em resposta, o trio topou fazer outro (“Eles Não Podem Ficar Parados”), sem a participação de Didi.

Em agosto de 1983, durante uma tensa coletiva de imprensa no Teatro Fênix, os quatro anunciaram que permaneceriam juntos apenas na televisão, visando cumprir o contrato então em vigor com a Globo, que ia até o final do ano seguinte.

Nos bastidores, discutiu-se a possibilidade de separação até mesmo na TV, o que aconteceu por alguns meses. Renato Aragão continuou tocando Os Trapalhões com a ajuda de convidados, enquanto Dedé, Mussum e Zacarias foram alocados em outro programa da Globo, A Festa é Nossa, que ficou pouco tempo no ar.

Golpe publicitário?

Os Trapalhões

O grupo foi acusado de “golpe publicitário”, que teria como objetivo recuperar uma ligeira perda de audiência enfrentada pelo programa no período. A alegação não se sustentava, visto que os desentendimentos eram reais e a queda no Ibope, longe de ser preocupante, não justificaria assumir os riscos de uma exposição negativa como aquela.

A Globo fez muitos esforços para promover uma reconciliação. No final de 1983, Renato Aragão deu sinal verde para um acordo, mas o “trio Demuza” se recusou.

Mas, em fevereiro de 1984, um almoço no Rio de Janeiro reuniu o quarteto, que acabou cedendo não só aos constantes pedidos de retorno feitos pelo público, mas também às próprias emoções: a relação de amizade de longa data falou mais alto e a paz finalmente foi selada.

“O afastamento trazia problemas para todos nós e eu senti mesmo a falta do grupo nesse período de férias, quando a Globo começou a reprisar nossos filmes. A cada instante eu lembrava de nossos momentos juntos, quando filmamos nos Estados Unidos, coisa que brasileiro algum fez nesses últimos 35 anos. A luta em Serra Pelada, a passagem por Marrocos… muito trabalho, tanta coisa bonita que vivemos juntos. Sempre houve entre nós união e respeito”, afirmou Dedé à repórter Mara Bernardes, do jornal O Globo.

A mesma reportagem, publicada em , trazia o ponto de vista de Zacarias sobre as, como definiu Renato, “férias conjugais” do grupo:

“O artista vive do público, é ele que comanda a gente. Nós não nos pertencemos. E o público pedia os quatro juntos outra vez. Agora, unidos, não me parece que estivemos afastados. Foi tudo um pesadelo para mim, um parêntese, não aconteceu. Nem mágoa ficou”, garantiu.

 

Juntos até o fim

Os Trapalhões
Os Trapalhões (Divulgação / Globo)

E os quatro voltaram para ficar juntos até o fim. Infelizmente, dois trapalhões já nos deixaram: Zacarias, em 18 de março de 1990, aos 56 anos, devido a uma insuficiência respiratória; e, em 29 de julho de 1994, foi a vez de Mussum, aos 53 anos, vítima de complicações ocorridas após um transplante de coração.

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Mesmo após a morte de Zacarias, Os Trapalhões foram mantidos como um trio, que sempre contava no programa com participações de diversos outros humoristas.

O falecimento de Mussum, no entanto, foi decisivo para que o programa encerrasse o seu ciclo, indo ao ar pela última vez pouco mais de um ano depois, em agosto de 1995.

Juntamente com o Sargento Pincel, os remanescentes Didi e Dedé fizeram Os Trapalhões em Portugal de 1995 a 1998 para o canal SIC, mas depois os antigos companheiros se distanciaram.

Dedé Santana e Renato Aragão
Dedé Santana e Renato Aragão (reprodução/web)

O primeiro continuou a fazer filmes e criou, na Globo, A Turma do Didi (1998-2010) e Aventuras do Didi (2010-2013). Manteve contrato com a emissora (onde também apresentou por muitos anos o especial Criança Esperança) até junho de 2020, quando o vínculo foi encerrado.

Já Dedé participou da Escolinha do Barulho (1999-2001) na Record e, no SBT, protagonizou Dedé e o Comando Maluco (2005-2008). A velha parceria foi retomada somente em 2008, quando Dedé aceitou o convite para se juntar à Turma do Didi.

Permaneceu ao lado do amigo até o encerramento de Aventuras do Didi, em 2013. Mais recentemente, vinha participando do programa A Praça É Nossa, comandado por Carlos Alberto de Nóbrega no SBT.

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Entusiasta da história da televisão brasileira, Jonas Gonçalves é jornalista e pesquisador, sendo colaborador do TV História desde a sua criação, em 2012. Ao longo de quase 20 anos de profissão, já foi repórter, editor e assessor de comunicação, além de colunista sobre diversos assuntos, entre os quais novelas e séries Leia todos os textos do autor Leia todos os textos do autor