Brega & Chique estreia no Viva: conheça os bastidores deste clássico das 19h

19/02/2020 às 1h00

Por: Thell de Castro
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Brega & Chique era centrada na trajetória de duas mulheres, a pobre Rosemere (Glória Menezes) e a rica Rafaela (Marília Pêra). As duas dividem, sem saber, o mesmo homem: Herbert Alvaray (Jorge Dória) – casado com a milionária; amante da pobretona, a quem se apresenta como Mário Francis. Com os bens confiscados pelo Banco Central, Herbert simula a própria morte. Deixa uma fortuna para Rosemere e a filha pequena Márcia (Fabiane Mendonça); já Rafaela e os seus vão à bancarrota. A intenção do autor Cassiano Gabus Mendes era mostrar que “dinheiro não compra felicidade”. A nova-rica Rosemere se frustra com os tempos de madame, enquanto Rafaela, vendendo “quentinhas” para sobreviver, descobre os encantos de uma vida mais básica.

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– O título da produção foi escolhido por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então supervisor de operações da Globo. Antes da decisão final, a novela era intitulada Caviar e Goiabada. Também foi chamada de Lucros e Perdas.

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– Embora se apostasse num equilíbrio de protagonismo, incluindo um revezamento nos créditos de abertura, foi Marília Pêra quem levou todos os louros pelo êxito da novela. Talvez porque os excessos de sua Rafaela Alvaray – que cozinhava de luvas e anel de brilhante e ia para a feira vestindo casaco de vison – fossem mais divertidos do que a “breguice contida” de Rosemere. Marília, premiada com o APCA e o Troféu Imprensa de melhor atriz de 1987, declarou ter tomado por inspiração o humor requintado de Dulcina de Moraes (1908-1996).

– Destaque também para Marco Nanini, parceiro de Marília em cena; a cumplicidade era tamanha que a direção não interrompia os “cacos” dos dois (como na icônica cena em que discutiam a necessidade de cirurgias plásticas). Nanini foi a última opção para o papel de Montenegro, o aloprado secretário de Herbert. O ator contou em entrevista ao projeto Memória Globo que usou o “distanciamento” existente entre ele e o elenco – que já havia se entrosado durante a preparação – para incorporar no personagem uma de suas características mais marcantes: a subserviência.

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– A sequência em que Montenegro quebra um vaso de porcelana de Rafaela – única lembrança dos seus tempos de milionária – foi inspirada num caso real vivido por um amigo ator de Cassiano Gabus Mendes. Ele quebrou uma peça de valor inestimável para uma amiga; sem saber como escapar de um desentendimento, disse relacionar tal objeto à maré de azar que a moça vinha enfrentando. Por isso, o quebrou.

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– Uma vez no exterior, longe do convívio da “matriz” e da “filial”, Herbert se submete a uma cirurgia plástica. Retorna no capítulo 46, com nova identidade: Cláudio Serra (Raul Cortez). Embora Dória e Cortez não possuíssem semelhanças físicas – em estatura e peso, por exemplo -, o público respondeu bem à “substituição”. As cenas da “morte” de Herbert foram gravadas na serra que leva a Campo Grande, no Rio de Janeiro, simulando a Serra da Mantiqueira, em São Paulo. Já nas primeiras gravações como Cláudio, Raul surgiu com o rosto coberto por ataduras.

– Na reta final, Jorge Dória retornou aos estúdios, pra gravar sequências de sonhos e delírios de Herbert / Cláudio. Na ocasião, o ator reeditava um outro personagem de sucesso: Lineu, patriarca dos Silva, de A Grande Família. A primeira versão da série comemorava 15 anos; de presente, um especial de Natal, reunindo praticamente todo o elenco original.

– Glória Menezes atuava pela primeira vez numa novela de Cassiano Gabus Mendes. O encontro em cena com Marília Pêra também era inédito. Marília, aliás, estava afastada da TV desde 1982, quando protagonizou a minissérie Quem Ama Não Mata. A atriz não fazia novelas há 13 anos, em razão do descontentamento com seu último trabalho do gênero, Supermanoela (1974).

– Foi a primeira novela de Anderson Muller (Quibe Frito), Patricya Travassos (Mercedes) – então redatora do Armação Ilimitada (1985) – e Paula Lavigne (Vânia), revelada na minissérie Anos Dourados (1986). Também a estreia da atriz Ana Rosa, estrela da Tupi, na Globo, em uma pequena participação. E o único trabalho na emissora-líder de Suzy Camacho, estrela das primeiras produções teledramatúrgicas do SBT.

– Ainda, a última trama em que Neuza Amaral, falecida em abril aos 86 anos, participou do início ao fim. A atriz vivia Lucy, que adorava toma uns tragos escondida do marido, Justino (Percy Aires).

– Ficaram de fora da lista inicial de elenco as atrizes Bianca Byington e Cleyde Yaconis (naquela que seria sua estreia na Globo) e o ator Ney Latorraca.

– Dennis Carvalho (Baltazar) encerrou os trabalhos como diretor em Roda de Fogo (20h) em março para, no mês seguinte, se integrar ao convívio da equipe de Brega & Chique. O diretor voltava a atuar, cinco anos após seu último trabalho em frente às câmeras, Brilhante (1981). Já Marcos Paulo (Luiz Paulo) cuidava da substituta de ‘Roda’, O Outro. Problemas de bastidores acabaram por acarretar na sua saída da direção. O autor Aguinaldo Silva propôs um papel pra ele – Gabriel, defendido por Herson Capri -, mas Marcos preferiu migrar para a faixa das 19h (substituindo Carlos Alberto Riccelli, comprometido com o cinema).

– Por falar em diretor, Brega & Chique representou um desafio e tanto para Jorge Fernando. Habitual parceiro de Sílvio de Abreu, que possuía um estilo mais anárquico, Jorginho precisou se adequar ao humor refinado de Cassiano. Ele apostou em efeitos especiais – como wipe (varredura da tela, que marcava a transição de cenas) e filó (divisão da tela, para exibição de duas cenas simultâneas) – inspirado, em parte, pelo filme Do Fundo do Coração (One From the Heart, 1982), de Francis Ford Coppola.

– Além dos conflitos de Rafaela e Rosemere, a novela acompanhava o desenrolar do sexteto amoroso formado por Luiz Paulo, envolvido Ana Cláudia (Patrícia Pillar), abandonada no altar por João Antônio (Jayme Periard), o ex de Silvana (Cássia Kis), irmã de Luiz. Silvana se relacionava com Maurício (Tato Gabus), marido de Tamyris (Cristina Mullins), irmã de Ana.

– Na reta final de ‘Brega’, uma matéria do Jornal do Brasil relacionava as idas e vindas de Ana Cláudia, João Antônio e Silvana a um caso ocorrido em Recife (PE), onde um noivo afirmava ter faltado ao próprio casamento por ter sido sequestrado pela ex-namorada (João, às vésperas de sua união com Silvana, foi vítima de investida similar por parte de Ana). A cerimônia da “vida real” foi remarcada. Mas o noivo – de novo, ele – ligou horas antes para a sua prometida avisando que não compareceria (o que ocorreu no primeiro capítulo, quando João dispensou Ana praticamente no altar).

– Brega & Chique, aliás, causou reações adversas em determinados setores da sociedade. Secretárias executivas que trabalhavam no Rio de Janeiro reagiram à forma que Silvana, secretária, se vestia e se portava; também condenaram um comentário de Teddy (Tarcísio Filho), filho de Rafaela: “secretária de chefe é assunto particular”. A colônia japonesa de São Paulo também se queixou de uma fala de madame Alvaray, afirmando que ia se casar com “o primeiro que aparecer, qualquer um, leiteiro, lixeiro, faxineiro, tintureiro, nem que seja japonês”.

– Ainda, reclamações dos moradores do Itaim Bibi, citado com desdém por Rafaela, que precisou afirmar que o “bairro era muito chique” para serenar os ânimos mais exaltados. O hábito de usar lentes coloridas – que virou moda graças à novela – também foi condenado no 24º Congresso Brasileiro de Oftalmologia, ocorrido em Curitiba (PR).

– A grande polêmica, contudo, ficou por conta da abertura. A vinheta exibia diversas tendências (do brega e do chique) da moda daquela década; no último take, o modelo Vinicius Manne desfilava nu, repercutindo a mensagem difundida na música do Ultraje a Rigor que servia de tema à novela. Telespectadores mais conservadores e a ainda atuante Censura Federal chiaram; o jeito foi encobrir com uma folha de parreira. Mas novos protestos, então em prol do fato, levaram o Ministro da Justiça Paulo Brossard a liberar a vinheta, que acabou estampando a capa da trilha internacional.

– Quem também marcou presença na abertura foi Dóris Giesse, depois alçada ao posto de apresentadora do Fantástico e de protagonista do humorístico Dóris Para Maiores (1991).

– Sucesso popular, a novela ofuscou o folhetim das 20h, O Outro, de Aguinaldo Silva. O autor do horário “mais nobre” falava em índices “equiparados”, com uma ligeira vantagem para sua produção. Mas o fato é que a produção de Cassiano ganhou as ruas de todo o país. Foi, em termos de repercussão, a trama do ano – levou o Troféu Imprensa de melhor novela, aliás, vencendo O Outro e Corpo Santo (Manchete).

– Esta não foi a primeira vez que o autor registrou, com suas produções das 19h, índices maiores que o das tramas das 20h. Aconteceu com Locomotivas x Espelho Mágico (de Lauro César Muniz), em 1977 e Marron Glacé x Os Gigantes (também de Lauro César) em 1979. Em 1985, Tititi se manteve próxima ao fenômeno Roque Santeiro, de Dias Gomes e Aguinaldo Silva.

– O livro Gabus Mendes – Grandes Mestres do Rádio e Televisão, de Elmo Francfort, detalha o método de trabalho de Cassiano em Brega & Chique. Ele redigia um capítulo em no máximo cinco horas, de segunda-feira a quinta-feira, quando recebia o colaborador Luís Carlos Fusco em sua casa. Fusco lia os escritos e se encarregava dos roteiros de sexta-feira e sábado. Na semana seguinte, um bloco – seis capítulos – era encaminhado à Globo.

– Na equipe do autor estava Solange Castro Neves, como pesquisadora. Solange é responsável, com Ivani Ribeiro, pelos remakes de Mulheres de Areia (1993) e A Viagem (1994).

– O último capítulo inovou ao exibir a despedida do elenco e da equipe técnica.

– Brega & Chique foi reapresentada apenas 1 ano e 8 meses após seu término, em Vale a Pena Ver de Novo. Os 173 capítulos originais foram condensados em 125. O curioso é que, na época, Cassiano Gabus Mendes e Jorge Fernando ocupavam outra vez a faixa das 19h, com Que Rei Sou Eu?. E, curiosamente, em outubro, ‘Que Rei’ foi reapresentada às 17h, dentro da faixa Sessão Aventura, dividindo outra vez a programação com ‘Brega’ (no ar de 31 de julho de 1989 a 19 de janeiro de 1990).

– Em 2010, Maria Adelaide Amaral, Vincent Villari e Marília Pêra resgataram Rafaela Alvaray no remake de Tititi – junção desta trama com Plumas & Paetês (1980), também de Cassiano. Desde então, boatos sobre uma possível nova versão da trama, conduzida por Adelaide e Vincent, se tornaram recorrentes.


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