O Brasil só tinha um assunto no Natal de 1988: todo mundo queria saber quem matou Odete Roitman, personagem de Vale Tudo magistralmente vivida por Beatriz Segall.

No dia 18 de dezembro de 1988, quando já se sabia que a vilã seria eliminada, Gilberto Braga ficou muito irritado com os vazamentos dos acontecimentos da trama através da imprensa.

O Ibope fez uma pesquisa para constatar que 49% dos cariocas achavam que Odete deveria morrer, enquanto 43% pensavam que ela deveria continuar viva.

Lista de suspeitos

Gloria Pires

No dia 20 de dezembro daquele ano, o jornal O Globo fez uma reportagem para falar sobre os suspeitos, com base no roteiro do último capítulo.

Maria de Fátima (Glória Pires) foi descartada, porque saiu do prédio antes, conforme foi comprovado. César (Carlos Alberto Riccelli), de acordo com o jornal, também não teria matado a amante, porque conseguiu sair do País sem problemas e voltou, um ano depois, com o príncipe italiano que se casaria com sua amada.

O jornal também descartou Eugênio (Sérgio Mamberti), Celina (Nathalia Timberg), Heleninha (Renata Sorrah), Afonso (Cássio Gabus Mendes) e Tiago (Fábio Villaverde).

Outros dois nomes, obviamente, igualmente foram tirados da lista: os protagonistas Raquel (Regina Duarte) e Ivan (Antônio Fagundes).

O Globo determinou, com base no roteiro final, que existiam cinco possibilidades: Marco Aurélio (Reginaldo Faria) ou Leila (Cássia Kiss), que fugiram do Brasil; Freitas ou Daisy, que foram presos; ou Bartolomeu (Cláudio Corrêa e Castro), revoltado com tudo que Odete fez contra Ivan, que foi até preso por corrupção. “Mas, por enquanto, tudo não passa de simples suspeita”, enfatizou o jornal.

Em entrevista ao jornal O Dia em 31 de dezembro de 1988, Aguinaldo Silva, um dos autores da história, disse que não aguentava mais ouvir boatos e ser constantemente inquirido sobre quem seria o assassino.

“Ele garante, entretanto, que ninguém descobrirá o nome do matador da vilã até o próximo dia 6, quando, enfim, será revelado o autor dos três disparos fulminantes”, destacou a reportagem.

Cinco finais

Danton Mello

“Escrevemos cinco finais, com cinco assassinos diferentes. Se o nome desses possíveis assassinos vazarem, nós apresentaremos ao telespectador um sexto. Também assassino em potencial”, garantiu o autor.

De acordo com matéria do jornal O Globo de 7 de janeiro de 1989, além de Leila, os demais assassinos seriam:

1 – César, que assassina a ex-amante por vingança. Odete não remeteu os US$ 500 mil dólares prometidos para uma conta na Suíça em seu nome, eles discutem e César atira.

2 – Olavo (Paulo Reis) tenta chantagear a empresária, eles discutem, brigam, Odete pega a arma, que acaba disparando: a vilã morre acidentalmente.

3 – Bruno (Danton Mello), filho de Leila e Ivan, vai com a mãe e Marco Aurélio até a casa de Odete, escondido na mala do carro. Marco Aurélio esquece sua pasta no carro, de onde Bruno pega a arma. Ele sobe para entregá-la e assiste à discussão de Marco Aurélio e Odete, que fala em entregá-lo à Polícia e que ele passaria seus dias na Ilha Grande. Bruno defende o padrasto, aponta para Odete, que docemente diz para ele parar com a brincadeira. Bruno fecha os olhos e atira.

4 – Queiroz (Paulo Porto), sócio de Renato (Adriano Reys) na revista Tomorrow, chega ao apartamento de Odete para salvá-la. Ele interrompe a discussão de Odete e Marco Aurélio com uma inesperada declaração de amor a Odete, que debocha agressivamente dele, a ponto de fazê-lo perder o controle e atirar, enquanto Marco Aurélio dispara contra ele.

Concurso, bolões e jogo do bicho

Décadas antes do surgimento dos sites de apostas, que, em 2020, por exemplo, permitiam até tentar adivinhar quem venceria o BBB, o Brasil viu uma verdadeira jogatina em torno do crime da novela global, de uma simples aposta de chope entre amigos a um concurso que deu um prêmio milionário para quem acertasse o culpado.

Forte anunciante da época, o Caldo Maggi, aquele da Galinha Azul, gastou uma fortuna para fazer uma promoção envolvendo o mistério da novela, com um prêmio de 5 milhões de cruzados para o vencedor. A empresa pagou 300 mil dólares para a emissora pelo feito.

No dia do capítulo final, o Jornal do Brasil anunciou que foram batidas as mais otimistas expectativas da agência Norton, que criou o concurso e toda a campanha.

“A Norton esperava receber até o final da semana cerca de 1 milhão e 500 mil cartas de telespectadores apontando o assassino da vilã. Até ontem, mais de 1 milhão e 800 já haviam sido recolhidas nos Correios. É recorde”, informou.

Já as bancas do jogo do bicho também lucraram com Odete Roitman. De acordo com o jornal O Dia de 8 de janeiro de 1989, foram arrecadados mais de 350 milhões de cruzados em apostas.

Segundo o “porta-voz da contravenção”, José Petrus, como foi apresentado pela publicação, a assassina Leila era zebra: quem a escolheu ganhou seis vezes mais do que o valor da aposta. Na data, foi apurado que existiam 5 milhões de cruzados em apostas no nome dela, pagando 30 milhões de cruzados no total.

De acordo com Petrus, o mais cotado era Marco Aurélio, que não pagaria nem o dobro da aposta, caso fosse o assassino. Outros fortes candidatos nas bancas eram Eugênio e Maria de Fátima.

Assassinato no aniversário

Ao descobrir que era a assassina mais famosa do Brasil, Cássia Kiss comemorou o fato.

“Acho supersaudável. Gosto muito de brincar e a novela acabou virando uma grande brincadeira”, comentou.

Ela ainda fez piada, dizendo que deveria ter pedido para sua mãe enviar 500 cartas para o bolão da Maggi.

”Eu achei o desfecho fantástico. Leila era uma mulher comum demais, carente, com valores horrorosos, desequilibrada. Acredito que o fato dela ter sido escolhida como a assassina foi a melhor solução”, declarou a atriz ao jornal O Dia.

Sobre as gravações, realizadas no dia do seu aniversário, Cássia falou que chegou ao Jardim Botânico às 8 da manhã e só saiu de lá no final da tarde.

“Foi muita tensão. Ainda estou com dor de cabeça. O diretor, Ricardo Waddington, nos chamou e disse que tínhamos uma grande responsabilidade nas mãos. Acho que o final da novela me deu a oportunidade de mostrar o meu trabalho, pois, até então, eu havia servido apenas de apoio aos outros atores”, disparou.

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Thell de Castro

Apaixonado por televisão desde a infância, Thell de Castro é jornalista, criador e diretor do TV História, que entrou no ar em 2012. Especialista em história da TV, já prestou consultoria para diversas emissoras e escreveu o livro Dicionário da Televisão Brasileira, lançado em 2015 Leia todos os textos do autor