Após o fim da excelente Pé na Cova (2013-16), o veterano Miguel Falabella investiu em um novo projeto: a comédia Brasil a Bordo, gravada ainda no ano retrasado. No entanto, sua estreia foi adiada em virtude da repercussão da tragédia aérea com a delegação da Chapecoense, que comoveu o país inteiro no fim de 2016. A série foi para a geladeira, sendo disponibilizada na íntegra no GloboPlay em maio do ano passado e só agora pôde estrear, sendo exibida desde o último dia 25 de janeiro.

O ponto de partida é a decadente companhia aérea Piorá, administrada por uma família falida e que foi proibida de voar. Até que a Justiça autoriza a retomada das operações da empresa, desde que os funcionários também tenham participação nas decisões – o que dá início às confusões. A família é formada por tipos excêntricos, algo comum nas obras do autor – em especial seus principais representantes: a dona da empresa, Berna (Arlete Salles), Gonçalo (Luiz Gustavo), seu marido; e os cunhados Vadeco (Falabella) e Durval (Marcos Caruso), comandantes da Piorá.

Inúmeras confusões norteiam o enredo de Miguel e sua equipe, formada por Arthur Xexéo, Antônia Pellegrino e Ana Quintana, dirigido por Cininha de Paula. Brincadeiras com a crise no setor aéreo e as mais diversas bizarrices ganham espaço sob o olhar ácido do humor do autor, tão presente em suas séries e novelas. Inclusive, algumas destas brincadeiras, envolvendo turbulências e assustando os passageiros, foram motivadoras do adiamento da série, para não soar como piada de mau gosto com o desastre que envolveu o time de futebol catarinense.

Além dos causos pelos ares, a família ainda divide espaço com o afetado casal Decenove (Frank Borges), filho de Durval, e Camilinho (Rafael Canedo), e com a filha de Vadeco, a loira Caravelle (Maria Eduarda de Carvalho), que é loucamente apaixonada por Johnny Beautiful (Magno Bandarz), um pretenso músico que cria canções melosas a partir de diálogos e se acha irresistível.

Ao longo do que os primeiros episódios mostram, fica claro que as melhores situações são as que envolvem a companhia aérea. As confusões envolvendo as funcionárias São José (Maria Vieira), Almira (Stella Miranda) e Shaniqwa (Mary Sheila de Paula), os antigos donos e os clientes funcionam melhor que os conflitos familiares, que vivem alguns entrechos que chegam a beirar o bobo. No entanto, a inconstância do enredo não chega a comprometer totalmente o resultado, conseguindo apresentar boas sacadas e divertir.

Vários talentos recorrentes nas obras de Falabella estão presentes em Brasil a Bordo, como Arlete Salles, Mary Sheila, Stella Miranda, Rafael Canedo (que interpretou o jovem Ruço em Pé na Cova), Magno Bandarz (revelado como o invejoso Clécio da mesma série) e a portuguesa Maria Vieira, que atuou nas novelas Negócio da China, de 2008 (como a adorável senhorinha que vivia em busca do controverso “pendrauvo”) e Aquele Beijo (2011). Até mesmo Niana Machado, a adorável Bá de Pé na Cova, aparece na série com seu marcante grito “piranha!”.

Ainda assim, duas ressalvas devem ser feitas. Maria Eduarda de Carvalho, que vive a carente Caravelle, aparece em duas obras ao mesmo tempo: além de Brasil a Bordo, ela também está em Tempo de Amar, onde interpreta Gilberte, aliada da madame Lucerne (Regina Duarte) no bordel da trama das seis. Por sua vez, Marcos Caruso, intérprete do piloto Durval, vem emendando papeis inconstantes, que não valorizam o grande talento do ator, e que são ligados ao campo do humor. Uma pena, pois o potencial dramático do intérprete faz falta.

Brasil a Bordo, por todos os aspectos apresentados, é uma série simpática. Não repete a excelência de produtos como Toma Lá Dá Cá (2007), A Vida Alheia (2010) e a própria Pé na Cova, mas funciona muito melhor do que outros programas desinteressantes, como Chapa Quente (2015), Vade Retro (2017), Sexo e as Negas (de 2014, um dos poucos tropeços de Falabella) e Mister Brau (2015). A premissa de abordar os problemas de uma companhia aérea é um bom entretenimento e merece atenção.


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