A primeira novela de Walcyr Carrasco no horário nobre, dirigida impecavelmente por Mauro Mendonça Filho e Wolf Maya, terminava há exatamente oito anos, em 31 de janeiro de 2014. A trama fechou seu ciclo com um histórico beijo gay e um final emocionante.

Foram 221 capítulos com muitas histórias, várias reviravoltas, cenas antológicas, polêmicas e situações nunca antes abordadas em folhetins, como o casal gay que virou protagonista.

Relembre 10 fatos que marcaram a produção:

Estica e puxa

Prevista inicialmente para ter 179 capítulos (mesmo número das antecessoras Salve Jorge e Avenida Brasil), a trama foi esticada pela emissora, devido ao bom resultado perante o público, e acabou terminando como uma das obras mais longas do horário dos últimos anos. Porém, não foi a primeira vez que Walcyr se viu obrigado a esticar uma novela. Alma Gêmea (18h – 227 capítulos) e Caras & Bocas (19h – 232 capítulos) também ficaram mais tempo no ar devido ao sucesso alcançado.

No caso de Amor à Vida, até a duração dos capítulos ficou maior. Era praticamente um filme por dia, o que não deixou de ser uma dificuldade para o autor manter a história movimentada. Entretanto, os muitos personagens acabaram sendo úteis para que houvesse sempre um rodízio de acontecimentos, evitando a tradicional ‘barriga’. Ou seja, enquanto um núcleo ‘esperava sua vez’, o outro ficava repleto de conflitos e assim por diante.

Félix e Valdirene foram os grandes destaques

Amor à Vida, por ter ficado muito tempo no ar, apresentou ao telespectador uma grande quantidade de histórias fortes, com apelo dramático, e também com boas doses de humor. E por não guardar conteúdo, o autor desenvolveu sua trama sem maiores enrolações. Entre os núcleos principais apresentados, todos se destacaram positivamente, assim como os atores envolvidos. Porém, não há como contestar que Félix e Valdirene (Tatá Werneck) foram os queridinhos do telespectador.

O primeiro grande vilão homossexual da teledramaturgia foi brilhantemente interpretado por Mateus Solano. E o personagem proporcionou para o ator inúmeras possibilidades cênicas: após um início vilanesco, migrou do drama para a comédia, e depois ainda protagonizou um lindo romance com Niko (Thiago Fragoso). Porém, todas as fases mantiveram a essência do papel: o sarcasmo.

Já Valdirene fez de Tatá Werneck uma paixão nacional e deu prestígio a uma atriz que era muito mais conhecida pelo público da internet e da finada MTV. A periguete que não conseguia ser sexy – nem sabia andar de salto alto e tentava ser famosa e rica – caiu no gosto popular e cresceu muito na trama. O romance com Carlito/Palhaço (Anderson Di Rizzi) agradou e a parceria com Elizabeth Savalla (a ex-chacrete Márcia) foi outro grande acerto desse núcleo cômico. Vale citar ainda a excelente interação feita entre a novela e o BBB, quando ficção e realidade se misturaram de forma crível, destacando o talento de Tatá.

Praticamente todo o elenco brilhou

A novela teve um elenco estelar e praticamente todos os atores puderam brilhar. Paolla Oliveira fez de Paloma, até aquele momento, a sua melhor personagem na carreira, com direito a uma cena antológica, quando Paloma parte pra cima de Félix após saber o que o irmão fez com sua filha, enquanto que Antônio Fagundes interpretou um ambíguo e machista César com maestria.

Susana Vieira voltou aos bons tempos com sua Pilar e Thiago Fragoso foi crescendo até Niko virar ‘a mocinha’ da novela. Danielle Winits fez o país odiar sua Amarilys e, apesar de algumas caras e bocas, convenceu.

Já Vanessa Giácomo aproveitou a chance dada pelo autor quando Aline virou a grande vilã da história, após a regeneração de Félix. Bruna Linzmeyer impressionou com sua atuação e emocionou em todas as cenas de Linda, uma autista que saiu da clausura graças ao amor de Rafael (Rainer Cadete).

Ary Fontoura e Nathalia Timberg foram merecidamente valorizados e formaram um dos casais mais bonitos da trama. Lutero e Bernarda esbanjaram sabedoria e o romance da terceira idade foi um dos pontos altos da história.

Elizabeth Savalla, eterna parceira do autor, ganhou uma grande personagem e sua Márcia fez muito sucesso, assim como seus hot-dogs. Fabiana Karla mostrou através de sua Perséfone que, apesar do talento cômico, também sabe fazer cenas dramáticas. Marcelo Flores conseguiu brilhar com seu Filósofo e divertia nas cenas de briga com Denizard (o sempre bom Fúlvio Stefanini).

Neusa Maria Faro (Ciça), Paula Braun (Rebeca), Mouhamed Harfouch (Pérsio), Lúcia Veríssimo (Mariah), Bel Kutner (Joana), Carol Castro (Silvia), Sandra Corveloni (Neide), Genésio de Barros (Amadeu), Vera Zimmermann (Simone), Carolina Kasting (Gina), Bárbara Paz (Edith), Rosamaria Murtinho (Tamara), Françoise Fourton (Gigi), Luis Melo (Atílio/Gentil) e Thalles Cabral (Jonathan) também brilharam. Já Fernanda Machado interpretou a perversa Leila de forma impecável e foi o grande êxito do conturbado núcleo da falecida Nicole.

Polêmica com Marina Ruy Barbosa

O núcleo de Nicole foi um dos pontos negativos da novela. A polêmica envolvendo os cabelos de Marina Ruy Barbosa, que amarelou e se negou a raspar a cabeça, prejudicou a trama e o autor acabou matando Nicole, que estava sendo muito bem interpretada pela atriz.

Com isso, a trama se perdeu e a personagem virou um fantasma que aparecia para Thales (Ricardo Tozzi). E, infelizmente, Daniel Rocha (Rogério) acabou sendo prejudicado, já que seu personagem perdeu a importância que tinha.

Ainda assim, Walcyr conseguiu movimentar a história com a entrada de Natasha (Sophia Abrahão), irmã de Nicole e filha de Lídia (Ângela Rebello). Entretanto, o desfecho escolhido por ele decepcionou, já que Thales não merecia terminar se casando com a irmã da menina que ele tentou dar um golpe com a ajuda de Leila.

Mais alguns equívocos

Outro equívoco da novela foi o casal Michel (fraco Caio Castro) e Patrícia (ótima Maria Casadevall). A única função da dupla na trama era transar e as brigas e reconciliações andavam em círculos. Apesar dos atores terem tido química, o par cansou rapidamente.

A história de Perséfone foi muito bem desenvolvida, expôs o preconceito contra os gordos e a atriz ainda protagonizou ótimas cenas com Rodrigo Andrade (Daniel) e Marcelo Argenta (Vanderlei/Coqueirão), entretanto, foi desnecessária a parte sobre o ‘bigodinho’ da personagem.

E, apesar de quase todos os atores terem se destacado, alguns nomes não foram valorizados: José Wilker (que entrou depois da metade da trama), Cristina Mutarelli (Priscila) e Vera Mancini (Maristela), por exemplo.

Final antológico

Amor à Vida apresentou muito mais qualidades que defeitos. E o final foi antológico. Após já ter apresentado o desfecho de alguns núcleos no penúltimo capítulo, como o hilário casamento de Valdirene ao som de funk, Gigi vendendo quentinhas e Perséfone virando modelo plus size -, o autor iniciou o último episódio com o embate entre Aline e César.

Antônio Fagundes e Vanessa Giácomo fizeram bonito e a cena foi forte, principalmente quando a vilã tira a máscara de boa moça e cospe no rosto de seu ‘ex-marido’, que sofre um AVC. A sequência em que Pilar revela que foi a autora da sabotagem no carro da mãe de Aline (que matou a mulher e deixou Mariah paraplégica) também foi grandiosa e Susana Vieira brilhou.

O festival de casamentos serviu para coroar os tradicionais finais felizes dos casais, incluindo Bruno e Paloma, que renovaram os votos, e Márcia e Gentil que casaram rapidamente por causa do início do trabalho de parto de Valdirene. Aliás, impagável a noite de núpcias da vendedora de hot-dog, que fez uma performance relembrando seu tempo de chacrete. Mas a cena envolvendo o não-casamento de Edith com Herbert foi desnecessária.

Amarilys desmascarada

Um dos ótimos momentos finais acabou sendo protagonizado por Niko. Ele vê Amarilys tentando dar um novo golpe em outro casal gay e a desmascara de uma forma completamente irônica, no melhor estilo Félix de ser. Lavou a alma do telespectador. Mateus ainda protagonizou um lindo momento com Klara Castanho (Paulinha), quando o tio e a sobrinha selam a paz e choram.

A morte de Aline mostrou mais uma ousadia da novela: a vilã foi eletrocutada quando tentava fugir da prisão, ou seja, um desfecho totalmente fora do comum e cruel. Vale destacar também a tocante cena da Paulinha visitando Ninho na prisão e o carinho entre Rafael e Linda durante a exposição da autista, que fez sucesso como pintora. Bonito.

Finalmente o beijo gay

O ex-vilão e Niko recomeçaram a vida de frente para o mar, em uma casa linda, e cuidando de César. Nada mais irônico do que um homofóbico machista terminar seus dias precisando ser cuidado por dois homossexuais, sendo um deles seu filho. Jonathan ainda apareceu para visitar seu pai, que estava plenamente feliz ao lado de seu Carneirinho, Jayminho e Fabrício. Era a imagem de uma família feliz.

E para coroar a união do casal, Félix e Niko trocaram olhares, se declararam e deram um beijo que marcou a história da teledramaturgia e consagrou os atores. Nove anos após o veto do beijo gay de América (de Glória Perez), a Globo decidiu exibir um gesto de amor entre dois homens sem qualquer artifício de disfarce – como uma peça teatral (Mulheres Apaixonadas) ou um desmaio (Queridos Amigos). Foi uma sequência memorável.

Última cena

O mesmo pode ser dito sobre a última cena, quando Félix e César, sentados, dão as mãos diante do por do sol e selam a paz. O pai, emocionado, finalmente diz que ama seu filho, provocando o choro do rapaz, que esperou ouvir isso desde que era criança. Mateus Solano e Antônio Fagundes deram um verdadeiro show de atuação e encerraram a novela de uma forma linda e sensível. Um desfecho que não teve a palavra ‘fim’, afinal, se tratava de um recomeço. Para todos.

Boa audiência

Walcyr Carrasco fez uma grande estreia no horário nobre e ainda conseguiu quebrar um dos maiores tabus da teledramaturgia, que outros autores tentavam, sem sucesso, há anos. Amor à Vida caiu no gosto popular, tratou da homofobia de uma forma nunca antes vista, levantou o debate sobre o autismo, exibiu uma história envolvente e repleta de reviravoltas, e apresentou personagens que fizeram um baita sucesso.

A novela levantou o Ibope da Globo – que não conseguiu índices satisfatórios com nenhuma novela em 2013 – e terminou com 36 pontos de média geral, dois a mais que Salve Jorge. E, para encerrar esse vitorioso trabalho, o autor escreveu uma cena histórica e consagrou Mateus Solano, Thiago Fragoso e Antônio Fagundes.

Nada mal para uma primeira empreitada na faixa mais cobiçada da grade da TV Globo.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor