Quando Brega e Chique foi exibida, em 1987, não pude acompanhá-la religiosamente. Porém, me satisfazia muito o que via. Por 33 anos guardada em minha memória afetiva, sempre a considerei uma das melhores de seu tempo, com preferência pelas interpretações de Marília Pêra e Marco Nanini, como a dupla Rafaela e Montenegro.

Com o fim de sua exibição no Viva (nesta segunda-feira, 7), renovo minha opinião sobre a novela de Cassiano Gabus Mendes. O posto de Brega e Chique continua firme, mesmo com o olhar maduro, crítico e moderno descobrindo incongruências que, 33 anos atrás, talvez tenham passado despercebidas, por inexperiência, parcialidade, comodismo ou hábito.

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Deslizes pontuais

Em 1987, poucas novelas faziam “merchandising social” ou levantavam questões sociais ou médicas dentro da narrativa. Muito menos uma novela das sete cuja proposta era a comédia em detrimento do drama.

Isto posto, percebemos como é questionável aos olhos de hoje o tratamento dado ao personagem Bruno (Cássio Gabus Mendes), apresentado como um tipo “débil mental engraçado”. Não é bem uma crítica, mas uma constatação. Hoje, a abordagem seria diferente, com a conscientização do problema do rapaz, em vez de ele servir de chacota pelos outros personagens, ou de ser digno de pena.

No mais, há o registro do ótimo trabalho de Cássio Gabus Mendes, formando uma dupla cômica com o também ótimo Dennis Carvalho, como Baltazar, o tio de Bruno. Uma dupla que remete a pares marcantes, como O Gordo e o Magro, Jerry Lewis e Dean Martin e Shazzan e Xerife.

Outra trama que soaria mal hoje diz respeito à facilidade com que Rosemere (Glória Menezes) dispôs a filha criança, Marcinha (Fabiana Rocha), para passear com um homem maduro, Cláudio (Raul Cortez), que pouco conhecia. Os telespectadores sabem que se tratam de pai e filha, porém, hoje, a aproximação de Cláudio e a menina talvez precisasse se dar por outros meios. Também o alcoolismo tratado como alívio cômico, impensável atualmente, com a personagem Luci (a ótima Neuza Amaral).

Desde o início da reprise, cito Silvana, vivida por Cássia Kiss, como uma personagem que pouco agregou à carreira da atriz. No início, foi apresentada como uma mulher livre, independente, dona de si. Lembro perfeitamente que não era bem assim. Com o passar do tempo, provou-se que por trás da fachada de independência, havia uma moça imatura emocionalmente. Silvana foi se esvaziando até terminar sofrendo por um cafajeste. Uma lástima.

Maurício, o cafajeste em questão – vivido por Tato Gabus Mendes -, repetia com a sogra Francine – a maravilhosa Célia Biar – uma dupla recorrente na obra de Cassiano Gabus Mendes: pessoas que se odeiam e trocam ofensas o tempo todo, como Eunice e Adélia (Beatriz Segall e Eloísa Mafalda) em Champagne (1983-1984) e Emílio e Elza (Jorge Dória e Zilda Cardoso) em Meu Bem Meu Mal (1990-1991).

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Houve um momento, lá pelo meio da história, que Brega e Chique começou a dar voltas em si mesma. O autor não podia avançar a trama principal, com a ameaça de esgotá-la. As tramas paralelas não pareciam fortes o suficiente para render. Foi quando Cassiano começou a fazer uso de pequenos esquetes com a finalidade de encher linguiça. Contudo, salvo esse período, a novela teve momentos tão bons que está liberado minimizar sua barriga.

Surpreenderam positivamente

Há de se destacar o excelente trabalho de Glória Menezes como Rosemere, personagem que passou para a história ofuscada pelo brilhantismo da interpretação de Marília Pêra, com quem formava a dupla protagonista da trama. Justiça seja feita: Rosemere era um papel tão difícil quanto Rafaela e Glória o levou tão brilhantemente quanto. Claro que o apelo era menor – e houve mesmo um momento em que Rosemere ficou muito pedante e chata. Porém, percebe-se na atriz uma construção muito eficiente, ainda mais quando se conhece o seu histórico. Rosemere em nada lembra outros trabalhos de Glória.

No início da trama, parecia que Nívea Maria fazia figuração de luxo. A única informação que tínhamos era a de que sua personagem, a sonsa Zilda, era a Alfa 3. Porém, quando o ator é grande, não existe papel pequeno, não é mesmo? Nívea tornou Zilda maior do que era. E sem arroubos: a atriz foi sutil na condução de sua personagem, tanto quando pendia para o drama, quanto para a comédia.

Roubou a cena” é uma expressão que cabe perfeitamente ao casal Luci e Justino, vivido pelos experientes Neuza Amaral e Percy Aires, em grande forma, outro exemplo de dosagem perfeita entre o drama e a comédia. A frase “É imperdoável!” fez sentir saudade do tempo em que as novelas tinham bordões que caíam na boca do público.

Não foi a primeira vez que vimos Raul Cortez em um papel que não lhe exigia muito, mas que o ator soube fazer bom uso nos momentos certos – como o Quim de Baila Comigo. Nem a primeira vez que Raul mostrou um preciso timing para comédia sem tirar o brilho de quem contracenava com ele – como Carlito Madureira de Jogo da Vida e Virgílio Assunção de Mulheres de Areia (sim, classifico Virgílio como um vilão cômico).

Outro nome que quero destacar é o de Suzy Camacho, como a interesseira Rosinha, seu único papel na Globo. A segurança da atriz em cena era um diferencial. Uma pena para nós, telemaníacos, que tenha abandonado a carreira.

A direção-geral de Jorge Fernando, ainda criativa e cheia de energia, proporcionou detalhes originais que ajudaram a dar identidade à novela, como o sobe-desce dos atores com a câmera estática e as passagens criativas de cena, seja com elementos comuns entre uma sequência e outra (como no primeiro e último capítulos), ou com o wipe, a “varredura” de tela.

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Outro recurso muito bacana foi o “espelho espião“, a exibição de dois cenários em um só em que a câmera focalizava o ator em primeiro plano e atrás dele havia um espelho que refletia outro ator no cenário à frente, sempre com um jogo de luzes, em que o ator refletido só era iluminado quando começava a falar – recurso usado nas cenas em que dois atores conversavam ao telefone, por exemplo.

Há de se destacar ainda a trilha sonora, bem pontuada, inclusive a internacional, com temas próprios de personagens respeitados. Um contraponto à reprise anterior, de Selva de Pedra (da mesma época de Brega e Chique), em que apenas 3 ou 4 músicas da trilha internacional foram tocadas.

Passados 33 anos, corroboro a máxima de que Marília Pêra e Marco Nanini – comparando papadas ou aspirando a gravata – fizeram valer a pena cada cena de Brega e Chique, fazendo relevar qualquer deslize da trama ou a inexperiência de atores estreantes – Paula Lavigne (Wânia), Kaká Barrete (Amauri) e Valéria Keller (Roseli). Com a revisão da novela no Viva, concluo que Brega e Chique continua em seu posto, entre as melhores da década de 1980.

AQUI tem tudo sobre Brega e Chique, trama, elenco completo, personagens, trilha sonora e curiosidades.

SOBRE O AUTOR
Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira.

SOBRE A COLUNA
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