Autor resgatou maior defeito de suas novelas em Todas as Flores
25/12/2022 às 9h19
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A primeira parte da nova novela do Globoplay chegou ao fim na quarta-feira passada (14) com a disponibilização do último bloco de cinco capítulos. Escrita por João Emanuel Carneiro e dirigida por Carlos Araújo, Todas as Flores é uma novela que não se envergonha de ser novela, apesar do maior defeito das tramas do autor ter dado as caras.
Nada de sequências que parecem série ou enredos mirabolantes, a trama é um folhetim que reúne todos os elementos que costumam fazer sucesso no gênero. A produção será dividida em duas partes por causa da estreia do BBB23 em janeiro. A primeira tem 45 capítulos, enquanto a segunda tem 40 e começa a ser disponibilizada em abril do ano que vem (o texto tem spoiler).
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Conto de fadas moderno
Todas as Flores é um conto de fadas moderno, um thriller contemporâneo regado por histórias de amor, vingança e redenção. Maíra (Sophie Charlotte), uma jovem perfumista com deficiência visual, foi criada pelo pai em Pirenópolis, em Goiás, acreditando que a mãe tivesse morrido. Uma mentira que seu pai contou para proteger a filha do desprezo da mãe, que a rejeitou quando nasceu. Muitos anos depois, Maíra se depara com uma desconhecida a sua porta. É Zoé (Regina Casé), sua mãe.
Sem revelar sua verdadeira intenção, Zoé reaparece pedindo perdão à filha por tê-la abandonado. Como em um sonho que se transforma em pesadelo, Maíra vivencia as mais fortes emoções de sua vida. No mesmo dia em que descobre que sua mãe está viva, seu pai morre, assassinado por Zoé. Sem desconfiar de nada, Maíra embarca para o Rio de Janeiro, onde será usada pela mãe para garantir a sobrevivência de sua irmã caçula, Vanessa (Letícia Colin). E o que seria um recomeço feliz ao lado da sua família se transforma em uma longa e perigosa jornada para Maíra.
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A história foi muito corrida no primeiro capítulo. Houve um atropelo de acontecimentos desnecessário, até para uma novela mais curta. Tudo o que foi exibido poderia ser desmembrado em até três capítulos sem provocar um clima arrastado.
Mas, logo no segundo, João Emanuel voltou para um ritmo mais normal de um bom folhetim. Uma pena que a passagem de tempo no capítulo 28 tenha prejudicado a narrativa. Os meses se passaram apenas para Vanessa, que teve seu filho. Maíra engravidou pouco tempo depois da irmã e a barriga nem cresceu. Jéssica (Duda Batsow) foi inseminada na fundação e também não teve avanço gestacional algum. Somente bem depois que Maíra teve seu filho. E o concurso de Garoto Rhodes não acabou mesmo diante do logo intervalo de tempo. Uma confusão no desenvolvimento que poderia ter sido evitada. Ainda assim, a produção é repleta de qualidades.
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Dramalhão
A trama central é tudo o que um excelente dramalhão precisa: vilãs exageradas, mocinha inteligente, personagens bem construídos e ótima sintonia do elenco. Regina Casé e Letícia Colin estão formando uma dupla deliciosamente diabólica. Vanessa é a típica vilã passional e que ofende várias minorias a cada frase, enquanto Zoé apresenta traços mais humanos, aparentando uma certa ‘leveza’ quando comparada com a filha.
Maíra é uma mocinha que conquista com facilidade porque não é burra. No fundo sempre desconfiou de todo o ‘afeto’ que recebia da mãe e da irmã e muitas vezes entrava no jogo de falsidades. Sophie Charlotte está impecável na pele de uma deficiente visual e a protagonista cativa. Também há química de sobra entre Sophie e Humberto Carrão, igualmente ótimo na pele do íntegro (e bastante idiota) Rafael.
Aliás, vale ainda elogiar a parceria do ator com Ana Beatriz Nogueira, outro grande nome do elenco. A veterana ganhou um papel totalmente diferente do que estava acostumada a interpretar na ficção: uma mãe amorosa, compreensiva e honesta. Após tantas mães obsessivas, narcisistas e interesseiras, é uma grata surpresa vê-la na pele de Guiomar. Pena que sua participação se encerra no capítulo dez. A poderosa empresária é assassinada por Zoé depois que descobre as armações da vilã.
Mariana Nunes ganhou o destaque que merece como Judite, a madrinha de Maíra e rival de Zoé. Como é bom vê-la em cena. Fábio Assunção também vem brilhando como o covarde Humberto. E o que comentar sobre Nicolas Prattes? O ator está excepcional como Diego, rapaz que acaba na cadeia por ter assumido um crime que não cometeu e tem que lidar com uma sucessão de desgraças em sua família.
Apesar do furo no roteiro – bastaria o personagem ter mudado o seu depoimento assim que a promessa feita por Luís Felipe (Cássio Gabus Mendes) não foi cumprida -, a trama é tão atrativa quando a principal e parece uma novela paralela. Diego poderia ser o mocinho de qualquer trama sem problemas. Daria para criar um folhetim tendo a sua família como elemento principal.
Kelzy Ecard emocionou com sua sofrida Dequinha e Duda Batsow ganhou boas cenas na pele da inocente Jéssica, irmã de Diego, que acaba caindo em um esquema de trabalho escravo e tráfico de crianças.
Núcleos paralelos destoam
Já os núcleos paralelos destoam, como geralmente acontece nas novelas do autor.
Vale observar que Carneiro raramente acerta em tramas secundárias. Seu forte sempre foi o enredo central de seus folhetins. A recente reprise de A Favorita (2008) é uma das maiores provas. Praticamente todos os enredos dos personagens coadjuvantes foram equivocados e mal construídos. A rara exceção em sua carreira foi o fenômeno Avenida Brasil, de 2012, onde quase tudo funcionou.
As situações protagonizadas por Oberdan (Douglas Silva) e Jussara (Mary Scheila) são repetitivas e a trama envolvendo Darci (Xande de Pilares), Chininha (Micheli Machado) e o malandro Joca (Mumuzinho) não despertam interesse. Aliás, os dois núcleos têm algo em comum: a fixação do autor em ciclos de traições com homens galinhas metidos a engraçados.
No entanto, há uma trama paralela que agrada: a protagonizada por Mauritânia (Thalita Carauta), uma atriz pornô em decadência que herda a fortuna de Raulzito (Nilton Bicudo) e acaba amiga da ex de seu finado namorado, a interesseira Patsy (Suzy Rêgo). A entrada da personagem na Rhodes, como sócia, mexeu no enredo central e destacou Thalita, que está sensacional e muito à vontade em cena.
A agora poderosa empresária da moda ainda tem um bom conflito envolvendo a rejeição que sofre da mãe, Darcy (Zezeh Barbosa), e da filha, a interesseira Brenda (Heloísa Honein). E com o envolvimento de Mauritânia e Javé (Jhona Burjack), seu quase sobrinho, a relação do trio terá ainda mais embates.
Outros destaques
É preciso citar ainda outros atores que se destacam no elenco, como Bárbara Reis vivendo uma vilã sensual e intimidadora. Débora é um perfil que desperta muita atenção. Naruna Costa está bem como Lila, assim como o pequeno Rodrigo Vidal na pele do chato do Biel.
Ângelo Antônio também está ótimo como o violento Samsa, que aparentava ser inofensivo no início da trama. Bom ver o ator em um papel diferente dos inúmeros bonzinhos passivos que já interpretou. Jackson Antunes está brilhante como Galo e nem dá para lembrar que o vilão era de José Dumont, demitido da Globo depois que o ator foi preso por pedofilia.
Adriana Seifertt é mais um bom nome e convence como a fria Garcia, capanga de Zoé. E o núcleo composto por atores deficientes visuais também merece elogios. As situações em nada afetam a história, mas é ótimo vê-los em cena protagonizando conflitos comuns a todas as pessoas. Moira Braga diverte na pele da atirada Fafá e Camila Alves está muito bem como Gabriela, que se assume adepta do amor livre e troca o ex-quase namorado por uma mulher.
Avalanche de furos
Já o último bloco de capítulos, disponibilizado semana passada, deixou uma avalanche de furos.
Como o filho de Jéssica ainda não nasceu? A personagem foi inseminada quase que ao mesmo tempo que Maíra descobriu a gravidez. Bandidos enviados por Zoé foram sequestrar o filho de Maíra na casa de Judite, mas fracassaram. O que aconteceu depois? Maíra, Pablo e sua madrinha seguiram morando no mesmo lugar como se nada tivesse acontecido. Inacreditável. No dia seguinte, os sequestradores, chefiados por Galo, conseguiram levar a criança.
E o mais absurdo foi a forma como o plano foi elaborado. Colocaram fogo em um jornal dentro de uma lata de lixo, o que causou uma cortina de fumaça por toda a rua. Jamais um mísero jornal queimado faria aquilo. Pareceu fumaça de um incêndio que se alastrou por cinco prédios. E o que dizer sobre o plano de Luis Felipe para prender Débora? Os policiais deram uma mala para Diego e o rapaz conseguiu escapar. Detalhe: entrou em um VLT, o meio de transporte mais lerdo do Rio de Janeiro. Daria para alcançá-lo a pé. E como ninguém botou um rastreador na mala? E qual o motivo do promotor ter dado o flagrante antes mesmo da traficante de gente ter cometido o crime? Como não tinham provas para manter a bandida presa? As negociações para a compra do bebê não foram gravadas? Não fez qualquer sentido.
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Mais falhas
Outra falha foi a continuidade em uma das cenas. Zoé aparece falando com Humberto que Maíra tinha mudado muito rapidamente e não sabia se acreditava na promessa dela de se aliar contra Vanessa. Só que esse diálogo de mãe e filha só foi ao ar depois. Ou seja, inverteram a ordem. Algo primário.
Primária também foi a direção da sequência em que Vanessa leva uma surra de cinto de Zoé. A patricinha cai de quatro e fica imóvel esperando a mãe terminar de dar as cintadas. Quando que Vanessa se prestaria a algo assim? Um momento que tinha tudo para ser incrível, mas não foi por conta da direção. Já a última sequência despertou uma ansiedade para a continuação da história. Porém, também vale uma crítica: qual o sentido de Maíra nunca ter falado que sua deficiência visual era operável?
Apesar dos vários furos, Todas as Flores vem se mostrando um novelão dos bons e os ganchos que João Emanuel Carneiro colocou a primeira parte, principalmente no final de cada quinto capítulo semanal, provocou o telespectador para seguir acompanhando a história, algo muito importante em uma produção exclusiva do streaming. Um presente para o público noveleiro que anda carente de bons folhetins na grade atual da Globo.
Agora resta torcer para que a segunda parte, com os 40 capítulos restantes, em 2023, seja tão boa quanto a primeira foi em 2022 e com menos furos.