Se hoje a Globo colhe os louros do remake de Pantanal, em 2 de janeiro de 1995, a emissora iniciava a exibição do remake de Irmãos Coragem, produção que abriu as comemorações de suas três décadas de existência.

Irmãos Coragem

Apesar de não ter obtido os índices de audiência almejados pela emissora, a segunda versão deste clássico de Janete Clair, que terminava em 30 de junho do mesmo ano, reserva inúmeras histórias de bastidores.

Confira algumas abaixo:

Autor de Pantanal foi o primeiro cotado

Benedito Ruy Barbosa

Quando a Globo enfim se decidiu pela regravação da novela – após duas tentativas frustradas, em 1989 e 1993 – José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, procurou Benedito, colhendo os louros de seu brilhante trabalho em Renascer (1993) e já envolvido com O Rei do Gado (1996).

Autor de Pantanal, cuja nova versão atualmente está sendo exibida pela emissora, Barbosa recusou a incumbência:

“Não me senti à vontade para mexer no universo de Janete Clair. É quase uma intromissão”, declarou ao jornal Folha de São Paulo, de 14 de setembro de 1994.

Boni então recrutou Dias Gomes, viúvo de Janete, que só aceitou retomar o texto por ser esta “a deixa que os diretores da Globo encontraram para homenagear Janete. Ela merece – colocou muitos tijolos no edifício do Jardim Botânico“, disse, na mesma matéria.

Dias esteve à frente dos primeiros vinte capítulos; Marcílio Moraes, Ferreira Gullar e Lílian Garcia conduziram o barco – auxiliados, posteriormente, por Antônio Mercado e Margareth Boury.

Patrícia Pillar recusou o convite para viver a protagonista Lara

A princípio, a atriz chegou a topar o “papel triplo” – Lara sofria de distúrbio de personalidade: sempre agia de forma contida como a tia Dalva (Suzana Faini), mas era tomada pelo destempero, tal e qual a mãe Estela (Eliane Giardini), quando “dominada” por Diana; por fim, unia as duas mulheres que a “habitavam” em uma terceira, a equilibrada Márcia. Letícia Sabatella acabou se encarregando da personagem, após se submeter a testes com o diretor Luiz Fernando Carvalho.

Marcos Palmeira foi a primeira e única escolha para João Coragem; já para os outros irmãos do título, Jerônimo e Duda – defendidos por Ilya São Paulo e Marcos Winter – foram cotados Cássio Gabus Mendes, Marcos Frota e Maurício Mattar.

Chico Diaz surgiu nas primeiras listas de elenco como o delegado Rodrigo, posteriormente entregue a Giuseppe Oristânio. Bernadete Lys, então esposa de Dias Gomes, chegou a gravar como Cema, mas acabou substituída por Denise Milfont.

Glória Menezes e Tarcísio Meira foram convidados

Do elenco da trama de 1970, participaram da nova versão Cláudio Marzo (Duda / Coronel Pedro Barros), Emiliano Queiróz (Juca Cipó / Dr. Maciel) e Suzana Faini (Cema / Dalva). Para reverenciar o original, as equipes de texto e direção desenvolveram pequenas participações, quase figuração, para nomes como Cláudio Cavalcanti, Regina Duarte e Zilka Salaberry.

Cláudio, o Jerônimo de 1970, surgiu como o motorista do ônibus que levava o Jerônimo de 1995 para o Rio de Janeiro; chegando na rodoviária, o irmão Coragem “do meio” se depara com Zilka, uma vendedora de cafezinho – na primeira versão, a atriz respondia por Sinhana, a chefe do clã central; no remake, a cargo de Laura Cardoso (também presente na cena). Já Regina era a prostituta em quem Ritinha esbarrava ao sair de uma boate; a jovem defendida pela “namoradinha do Brasil” em 1970 fora entregue à sua filha, Gabriela Duarte, em 1995.

Apenas Glória e Tarcísio, embora cotados, não gravaram. Glória – que viveria uma beata com quem Lara cruzava na igreja – estava comprometida com a novela das 20h, A Próxima Vítima; Tarcísio vinha da estafante Pátria Minha, também das 20h.

Um diamante de verdade fora encontrado na locação

Irmãos Coragem

A produção escolheu um garimpo real, em Extração – cidadezinha a dez minutos de Diamantina, Minas Gerais -, para ambientar a fictícia Coroado. Na véspera do primeiro dia de gravações, o filho de um garimpeiro da região pisou no cascalho e acabou se deparando com uma pedra bruta.

O episódio emocionou o produtor executivo, Sérgio Madureira, e os 80 profissionais que participaram da primeira bateria de cenas no local, conforme conta matéria do jornal O Globo, de 11 de dezembro de 1994.

A conturbada saída do diretor geral

A ideia, a princípio, era entregar a produção aos parceiros Mauro Mendonça Filho e Carlos Araújo. O insucesso do remake, contudo, acabou implicando numa drástica mudança de estilo. Maurinho fora demitido. E o remanescente Carlos passou a responder a Reynaldo Boury, tarimbado profissional da casa, atualmente responsável pela teledramaturgia do SBT.

A morosidade da narrativa e a pobreza estética foram apontadas como causadoras da fuga de telespectadores; além, claro, da equivocada opção pelo horário das 18h, onde figuram folhetins “água-com-açúcar”, diferentes de ‘Irmãos’, uma trama masculina adequada à faixa das 20h. Boury deu “ritmo de novela” ao enredo e repaginou cenários e figurinos – segundo ele, era impossível, por exemplo, o jogador de futebol Duda manter a mãe Sinhana num casebre caindo aos pedaços e usando roupas esfarrapadas.

A estreia de Malhação ajudou a turbinar os índices

Os primeiros cinco capítulos da soap opera tupiniquim auxiliaram Irmãos Coragem, então em processo de reestruturação, a reconquistar o público. A audiência da trama das 18h, que girava em torno de 30 pontos na Grande São Paulo, saltou para índices próximos aos 35 na semana de 24 a 28 de abril.

Os números se estagnaram neste patamar, rodando a casa dos 40 da segunda metade de maio até o último capítulo, em 1° de julho – recorde de toda a produção, com 43 pontos.

Durante o “padecimento” de Irmãos Coragem, a concorrência cresceu: o SBT, com o jornalístico Aqui Agora, e a Manchete, com o anime Cavaleiros do Zodíaco, foram os mais beneficiados.

Em Portugal, foi transformada em novela das oito

A SIC, da qual a Globo era sócia, costumava reservar o horário mais nobre, das 20h30, para folhetins de êxito por aqui. Como a aposta em Irmãos Coragem era alta, tanto no Brasil como em Portugal, a emissora alocou o remake na faixa. Substituindo, aliás, outra regravação: a de A Viagem (1994), produzida originalmente pela Tupi, em 1975.

O esquema adotado nos primeiros capítulos auxiliou ‘Irmãos’ a emplacar rapidamente: a novela era transmitida entre o primeiro e os dois últimos blocos da antecessora.

Logo abriu larga vantagem sobre a principal concorrente, a RTP, com a também brasileira 74.5 – Uma Onda no Ar, da Manchete – estrelada, vejam só, por Letícia Sabatella. Com Irmãos Coragem às 20h30, a novela das oito daqui, Pátria Minha (rebatizada como Vidas Cruzadas) era exibida às 18h em Portugal.

Sucesso do casal Jerônimo e Potira motivou mudanças

Queridinhos do público, os personagens foram poupados do trágico desfecho dado por Janete Clair aos dois na primeira versão: em fuga, são baleados pela polícia e morrem abraçados. Aqui, optou-se pelo lúdico: também em fuga, os dois se atiram no rio.

E desaparecem… Se minha memória não falha, há uma passagem, nos momentos finais, com Jerônimo e Potira a bordo de um veleiro. Estariam vivos ou em “outra dimensão”?

Também foram alterados os desfechos do Coronel Pedro Barros – morto num incêndio causado por ele em 1970; enlouquecido e sob os cuidados da esposa em 1995. Juca Cipó, após deixar a prisão, amargava a pobreza ao lado da mulher e dos cinco filhos; na segunda versão, herda os bens de Pedro, seu pai biológico.

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Apaixonado por novelas desde que Ruth (Gloria Pires) assumiu o lugar de Raquel (também Gloria) na segunda versão de Mulheres de Areia. E escrevendo sobre desde quando Thales (Armando Babaioff) assumiu o amor por Julinho (André Arteche) no remake de Tititi. Passei pelo blog Agora é Que São Eles, pelo site do Canal VIVA e pelo portal RD1. Agora, volto a colaborar com o TV História.