Atuais novelas da Globo não mereciam números tão baixos de audiência

Valentina Herszage

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Após um longo período de reprises, por conta da pandemia do novo coronavírus, a Globo estreou duas novelas inéditas quase em sequência: Um Lugar ao Sol ingressou na faixa nobre no dia 8 de novembro e Quanto Mais Vida, Melhor! começou no horário das sete no dia 22 do mesmo mês de 2021. Infelizmente, desde então, as duas produções não vêm obtendo bons índices de audiência. Mas a verdade é que os folhetins não mereciam os números tão abaixo do que a emissora esperava.

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As novelas esbanjam qualidades, são muito bem dirigidas e têm todas as características de uma história propícia para seus respectivos horários.

A trama de Lícia Manzo marcou a estreia da autora na faixa das 21h, após as irretocáveis A Vida da Gente (2011) e Sete Vidas (2015) no horário das seis. Já a produção de Mauro Wilson é sua estreia como novelista solo, após um longo tempo como colaborador e autor de séries, como Os Amadores (2005/06/07), A Fórmula (2017) e Ilha de Ferro (2018).

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Um Lugar ao Sol

Um Lugar ao Sol sofreu uma redução de capítulos porque começou a ser gravada antes da pandemia. Os trabalhos precisaram ser interrompidos e meses depois retomados, mas ainda com poucas vacinas para a população. Ficou com apenas 107 capítulos, desmembrados em 119 por conta de um esticamento de última hora por conta dos atrasos nas gravações de Pantanal. Lícia não guardou conflitos nos primeiros meses e apresentou uma história ágil, cheia de acontecimentos. Nem assim os índices reagiram.

Todavia, é verdade que, faltando cerca de dois meses para seu encerramento, a trama começou a andar em círculos e perdeu o fôlego. Ainda assim, manteve a qualidade e se mostrou superior a muitas outras obras já exibidas na faixa.

A autora conseguiu explorar temáticas importantes através de personagens críveis e situações de fácil identificação. Os perfis eram recheados de virtudes e defeitos. Foi possível sentir raiva e torcer pela mesma pessoa em apenas um capítulo. Isso porque todos são humanos. A saga de Christian (Cauã Reymond), que usurpou a vida de luxo do irmão gêmeo Renato, foi muito bem contada. Foi a primeira vez que um protagonista se comporta como uma espécie de vilão de sua própria vida. Ele criou todas as armadilhas que o assombram, quase um beco sem saída.

Aliás, os núcleos paralelos também despertaram muita atenção, vide a trajetória de Rebeca (Andréa Beltrão); a derrocada de Elenice (Ana Beatriz Nogueira); o romance de Ilana (Mariana Lima) e Gabriela (Natália Lage); a canalhice de Túlio (Daniel Dantas), o romance de Santiago (José de Abreu) e Érica (Fernanda de Freitas), enfim.

A direção de Maurício Farias também mereceu uma menção especial. O diretor fez angulações ousadas, soube aproveitar o melhor de cada ator, focou em expressões faciais durante sequências delicadas e ainda explorou os instantes de tensão da melhor forma com uma trilha incidental que faz a diferença. A trilha sonora, inclusive, foi outro êxito da produção.

Quanto Mais Vida, Melhor

Já Mauro Wilson tem apresentado uma novela das sete deliciosa, onde a comédia e o drama se misturam de maneira harmônica. A premissa diferente para um folhetim precisa ser elogiada.

Usar o toque lúdico logo na primeira semana para mostrar os quatro protagonistas recebendo uma segunda chance da Morte (A. Maia), após um acidente de avião, foi uma sacada de mestre, pois é o único horário onde a ideia poderia ser utilizada sem cair no ridículo.

E tem sido ótimo acompanhar a saga de quatro pessoas tão diferentes e com tantas peculiaridades que os deixam cativantes. Ao mesmo tempo, fica evidente como o quarteto se complementa e melhora quando se junta, ainda que eles não percebam. Também fica claro o roteiro bem amarrado diante da missão que cada um terá na vida do outro.

Guilherme (Mateus Solano) é um cirurgião cardíaco que tenta disfarçar a insegurança emocional com sua arrogância e grosseria; enquanto Flávia (Valentina Herszage) é uma menina frágil que se esconde atrás de uma mulher sensual e provocativa. Paula Terrare (Giovanna Antonelli) é uma empresária milionária que transborda egocentrismo e soberba, mas tem um segredo de feridas emocionais que a devasta por dentro.

Sua válvula de escape vira seu amor por Neném (Vladimir Brichta), jogador de futebol que teme o futuro e por isso não desapega o passado. Protagonistas bem desenvolvidos e interpretados que ganharam um novo fôlego com a troca de corpos, onde um passou a viver a rotina do outro. Clichê comum no cinema, mas inédito em folhetins.

A direção de Allan Fiterman é um show à parte. A trilha é recheada de músicas que fizeram muito sucesso com outras roupagens e muitas vezes as canções se transformam em personagens com direito a um bom tempo de protagonismo.

É perceptível a musicalidade do folhetim. Não apenas pelos momentos em que os protagonistas cantam, como também pela importância que a música tem para embalar cada casal ou cena, algo que era comum nas novelas, mas que infelizmente acabou se perdendo com o tempo e com o fim da venda de CDs. Together (Sia); Believe (Cher); Can’t Get You Out Of My Head (de Kylie Minogue na voz de Ayrton Montaroyos), Pretty Savage (Blackpink), Quando Fui Seu Par (Jaffar Bambirra) e Vem Neném (Harmonia do Samba) – além da 5ª Sinfonia de Beethoven da abertura -, são algumas delas.

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Um Lugar ao Sol e Quanto Mais Vida, Melhor! são novelas que mereciam muito o sucesso. Lamentavelmente, os quase dois anos de reprises por conta da pandemia afastaram parte do público.

A retomada do hábito será uma difícil missão da televisão aberta, não só da Globo, pois os baixos índices também são expostos na concorrência. Mas é uma pena que as primeiras produções ‘sacrificadas’ sejam dois folhetins tão bem escritos e produzidos. Lícia Manzo e Mauro Wilson têm presenteado o público com histórias da melhor qualidade.

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