Que Gloria Perez é muito querida, todo mundo sabe! A autora, que enfrentou apuros em sua última novela, Travessia, é conhecida no meio artístico por, além de desenvolver tramas e personagens inesquecíveis, abrir possibilidades para novatos e veteranos e empregar amigos.

Gloria Perez
Reprodução / HBO Max

Durante sua passagem pela Manchete, porém, Gloria enfrentou os protestos de uma atriz que fez história na cultura brasileira: Darlene Glória.

Vedete do teatro de revista e musa do cinema nas décadas de 1960 e 1970, Darlene tornou-se evangélica em meio à luta contra o álcool e as drogas. Ela então abdicou do nome artístico e da carreira, aceitando apenas trabalhos nos quais pudesse abordar sua conversão.

Foi por isto que ela atendeu ao convite para Carmem (1987), o único folhetim de Perez fora da Globo.

O afastamento e o Caso Verdade

Darlene Glória
Reprodução / IMDB

Darlene Glória tornou-se fiel da Assembleia de Deus de Madureira – próximo do terreiro de candomblé que frequentava anteriormente –, logo após arrebatar o Kikito de Melhor Atriz por seu desempenho no filme Toda Nudez Será Castigada (1973, foto acima).

“Às 20h00 do dia 26 de agosto de 1974 eu nasci de novo. Não foram os hinos ou as pregações que me converteram. Eu realmente senti a presença de Jesus. Senti que Deus existe e que me ama. Então falei: ‘se você existe mesmo, tenha pena de mim’”, contou à revista Visão em 25 de novembro de 1987.

Em 1985, ela aceitou protagonizar um episódio do Caso Verdade, série da Globo que dramatizava histórias reais. Todo Pecado Será Perdoado, escrito por Ivanir Yazbeck, trazia a própria encenando o afastamento da vida artística, a conversão e a mudança de nome – Darlene voltou a usar o de batismo, Helena Brandão. A edição do programa, contudo, desagradou os irmãos da igreja.

Proposta irrecusável de Gloria Perez

Carmem - Darlene Glória e Guilherme Karan
Reprodução / Revista Amiga e Novelas

Temerosa, Darlene / Helena recusou o convite de Roberto Talma para protagonizar Brega & Chique (1987); Glória Menezes assumiu o papel oferecido, Rosemary.

“Eu não pensava em voltar devido à distância entre o que eu pregava e o que a televisão exibe, mas aí veio a proposta irrecusável com o personagem oferecido por Gloria”, admitiu.

“Ela sempre foi uma de minhas atrizes favoritas. Acho bonita a sua coragem, a sua virada. Ela encontrou o equilíbrio. Tomara que ajude outras pessoas a encontrarem seus caminhos nessa Carmem de folhetim com toques de modernidade”, desejou Gloria, também em depoimento à Visão.

E Verônica virou Ester…

Carmem - Lucélia Santos
Reprodução / Revista Amiga e Novelas

Carmem trazia Lucélia Santos no papel-título: uma mulher ambiciosa que para ter o homem que ama, Ciro (Paulo Betti), estabelece um pacto com a Pombagira (Neusa Borges). Além de ascender socialmente, ela desperta paixões obsessivas como a de José (Paulo Gorgulho), que termina por assassiná-la.

Darlene Glória / Helena Brandão foi escalada para Verônica, cantora decadente que, nas noites em inferninhos do Rio de Janeiro, entregava-se à bebida e às drogas. A proposta era de que a figura, em dado momento, converte-se, adotando o nome de batismo, Ester. Como missionária, a personagem serviria de apoio para a redenção de Carmem.

“Ela me propôs a volta à carreira artística da qual me afastei há mais de 10 anos – fiz apenas um ‘Caso Verdade’ na Globo, sobre minha vida –, prometendo que escreveria um papel no qual eu pudesse ajudar o ser humano. Seria a continuação do meu trabalho de pregação. Como eu confiava na Gloria, aceitei seu trato verbal: o de que Verônica teria 80 capítulos e já convertida em Ester teria outros 80, pois o total são 160 capítulos”, relatou Darlene em matéria do Jornal do Brasil, em 3 de março de 1988.

A demora para a “transformação” de Verônica em Ester causou burburinho dentro e fora dos estúdios da Manchete. Darlene / Helena passou a jejuar junto aos fiéis da Igreja do Evangelho da Paz – que ela criou com o então marido após deixar a Assembleia de Deus –, no intuito de “acelerar” a mudança.

“A Gloria me roubou 20 capítulos na conversão, não foi correta comigo no nosso trato. E agora a Ester está aparecendo bem menos. No capítulo 101, a autora ficou triste porque na hora da conversão eu fiquei possessa. Mas, como Gloria me devia 20 capítulos, eu assumi a libertação”, confidenciou.

Celebração da fé

Carmem - Darlene Glória
Reprodução / Revista Amiga e Novelas

O tal capítulo 101 contou com uma cena de Verônica quebrando imagens como as de Iemanjá e São Jorge. Já no 105, Gloria Perez orientou, no roteiro, que Verônica / Ester caísse em tentação diante de uma garrafa de uísque. A atriz não acatou a orientação: quebrou o corpo e começou a ler um salmo que a “livrou” de tal armadilha.

“A direção da novela achou que era exagerado quebrar copos, ler o salmo era inverossímil. Ao mesmo tempo, há uma incoerência. Como o pacto de Carmem com a Pombagira pode fazer com que todos os homens se apaixonem por ela, fazer com que anéis jogados no fogo voltem para ela? Para eles, isso é verossímil, mas a pessoa crer em Deus e usar um salmo para se exorcizar é falso”, questionou Darlene Glória.

Por fim, o processo de conversão seguiu. A atriz e pastora chegou a gravar com 50 mil fiéis, durante a reinauguração da TV Rio – a primeira emissora evangélica do Brasil –, no estádio do Maracanã, Rio de Janeiro. Na ficção, tais cenas correspondiam a um culto de Ester.

“Eu agora estou humildemente nas mãos de Gloria. Mas acima dela está Deus. Não me arrependo de ter feito ‘Carmem’, faria tudo outra vez. A novela outro dia teve 35 pontos no Ibope. A emissora diz que é por causa do José Wilker [diretor e intérprete de Camilo]. Eu digo que não, são os crentes que começaram a ver a novela, na esperança de ouvir pelo menos uma palavrinha de Deus”.

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Por onde anda Darlene Glória?

Darlene Glória hoje
Reprodução / Extra

Darlene Glória voltou às novelas em 1990, com Araponga (Globo). Na ocasião, ela havia se divorciado por conta da paixão do marido por uma mulher mais jovem. Desiludida, a atriz deixou de usar o nome Helena Brandão e seguiu para os Estados Unidos, onde permaneceu até 1997. Por lá, ela chegou a trabalhar como babá e diarista.

Em 1998, ela e Gloria Perez formaram uma nova parceria. A autora a escalou para o remake de Pecado Capital – na pele de Aurora, uma ex-vedete. Hoje, com 80 anos, ela vive em um sítio em Teresópolis, região serrana do Rio, ao lado da família.

De acordo com a matéria publicada pelo jornal Extra em março deste ano, ela não pretende voltar a atuar. Suas últimas passagens pela cena artística foram no cinema, como em Feliz Natal (2009), primeiro longa-metragem dirigido por Selton Mello.

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Apaixonado por novelas desde que Ruth (Gloria Pires) assumiu o lugar de Raquel (também Gloria) na segunda versão de Mulheres de Areia. E escrevendo sobre desde quando Thales (Armando Babaioff) assumiu o amor por Julinho (André Arteche) no remake de Tititi. Passei pelo blog Agora é Que São Eles, pelo site do Canal VIVA e pelo portal RD1. Agora, volto a colaborar com o TV História.