Fina Estampa, novela que estreava há exatamente 12 anos, em 22 de agosto de 2011, foi um grande sucesso da Globo escrita por Aguinaldo Silva. Também foi a primeira trama da atriz Luciana Paes. Ela vivia Fabrícia, uma das “maridas” da Marido de Aluguel, empresa que Griselda (Lilia Cabral) monta após ganhar na loteria.

Elenco Fina Estampa
Elenco Fina Estampa (Divulgação / Globo)

Na trama, Fabrícia guardava um segredo: era uma mulher transexual. Apesar de a novela ter aberto portas para a atriz na emissora, Luciana afirma que não aceitaria fazer a personagem novamente.

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Novos tempos

Luciana Paes
Luciana Paes (Reprodução / Globo)

Por conta da pandemia da Covid-19, a Globo foi obrigada a parar com a produção de suas novelas, o que a levou a reapresentar outros folhetins no horário nobre. Com isso, Fina Estampa foi a produção escolhida para ocupar o espaço deixado por Amor de Mãe (2019), que foi interrompida.

Com a reprise, Fabrícia voltou ao ar. Na ocasião, a atriz Luciana Paes deu uma entrevista para o jornal Extra afirmando que não aceitaria fazer novamente uma personagem como a que viveu no folhetim. A artista disse que, ao aceitar viver uma mulher trans, ela está ocupando um espaço que devia ser preenchido por uma pessoa trans.

“Essa argumentação é muito válida. Acho que a TV se modificou muito. Por essa razão, eu não aceitaria esse papel hoje. Ao mesmo tempo, a própria TV não chamaria um ator/atriz não trans para fazer o papel de uma pessoa trans. Os tempos mudaram”, contou.

Preconceito

Malvino Salvador
Reprodução / Globo

Até mesmo a maneira como a personagem é mostrada em Fina Estampa é questionável. Na trama, ninguém sabe que Fabrícia é uma mulher trans até que Quinzé (Malvino Salvador) a flagra no banho e descobre que sua genitália é masculina. A sequência é toda tem tom de chacota, algo que seria inaceitável nos dias de hoje.

“Entrei no vestiário achando que não tinha ninguém lá, e, quando vejo, está a Fabrícia, ou melhor, o Fabrício!”, grita Quinzé para Griselda e as outras “maridas”.

“A Fabrícia é homem!”, arremata o herdeiro de Pereirão.

Em 2011, o tema da transexualidade era um tanto obscuro para o grande público e algo raramente mostrado em novelas. A temática só foi desmistificada em folhetins em A Força do Querer (2017), por meio da personagem Ivana (Carol Duarte), que durante a trama descobre que nasceu num corpo errado e, na verdade, é Ivan.

Não aceitaria

Em A Força do Querer, Ivan descobre que é um homem trans com a ajuda da travesti Elis Miranda (Silvero Pereira, na foto acima), que o acolhe. Na trama, Elis é obrigada a se vestir como Nonato para poder trabalhar como motorista de Eurico (Humberto Martins).

O folhetim marcou a estreia de Silvero Pereira em novelas. No entanto, assim como Luciana Paes, o ator confessou que também não aceitaria mais fazer uma personagem como Elis, que, em sua opinião, deveria ser vivida por uma travesti.

“Hoje eu não faria a Elis Miranda, muito provavelmente. Porque eu também me reeduquei sobre essa história, e a gente precisa estar.de acordo com as lutas e as causas. Depois de A Força do Querer, eu não aceitei mais nenhum personagem trans/travesti, e inclusive deixei de fazer meus espetáculos por causa disso”, explicou o ator, em entrevista ao podcast Papo de Novela.

“Eu fui entendendo, sendo informado e compreendendo essa questão dentro do mercado. Se a gente aceita, a gente está impedindo o mercado de ir em busca dessas pessoas. Hoje, nós não vivemos num mercado em que exista proporcionalidade. Se nós existíssemos dentro de um mercado de proporcionalidade, onde as pessoas têm acesso ao estudo e à formação, aí sim a gente estaria em uma outra discussão”, continuou.

Antecedentes

Claudia Raia na novela As filhas da Mãe

Personagens transexuais nunca foram muito comuns em novelas. E, quando apareciam, normalmente eram interpretados por atores cis-gênero. Foi assim em As Filhas da Mãe (2001), trama de Silvio de Abreu em que Claudia Raia (foto acima) viveu a mulher trans Ramona.

Outra atriz cis que viveu uma mulher trans foi Denise Del Vecchio. Em Vidas em Jogo (2011), atualmente reprisada pela Record, ela interpretava Augusta, que havia nascido num corpo masculino. Já em A Força do Querer, Carol Duarte viveu Ivan. Mas, neste caso, a escolha se justifica, pois a novela mostrava todo o processo de transformação do personagem.

Mas, aos poucos, atores trans começam a ter mais oportunidades na TV. Na Globo, a atriz trans Jade Sassará vive Aleluia em Mar do Sertão. Já em Vai na Fé, o DJ Cidão é vivido pelo ator trans Alan Oliveira.

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André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural. Cresceu acompanhado da “babá eletrônica” e transformou a paixão pela TV em profissão a partir de 2005, quando criou o blog Tele-Visão. Desde então, vem escrevendo sobre televisão em diversas publicações especializadas. É autor do livro “Tele-Visão: A Televisão Brasileira em 10 Anos”, publicado pela E. B. Ações Culturais e Clube de Autores. Leia todos os textos do autor