Armadilha criada pelo autor pode custar caro para Mar do Sertão

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A atual novela das seis da Globo estreou no dia 22 de agosto. Está há dois meses no ar. Mar do Sertão vem se mostrando um folhetim agradável e com muitas cenas cômicas que entretêm, protagonizadas por um elenco repleto de talentos. E a história ainda está no início. Todavia, já fica perceptível que Mário Teixeira tem sérias dificuldades para desenvolver sua narrativa e não é a primeira vez que o autor demonstra fragilidade na condução de um enredo.

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A história apresentou um dos mais conhecidos clichês da teledramaturgia: o mocinho que protagoniza um triângulo amoroso, sofre um acidente, é dado como morto e volta para se vingar. Mas o escritor resolveu tudo em menos de um mês. E essa armadilha pode custar muito caro para a novela no futuro.

Atropelo de acontecimentos

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Zé Paulino (Sérgio Guizé) sofreu um acidente enquanto estava com Tertulinho (Renato Góes) e desapareceu nas águas. Pouco tempos depois, o vilão descobriu que o rival não tinha morrido e foi até o hospital para matá-lo. Pensou que tinha conseguido, mas o herói escapou. Candoca (Isadora Cruz) ficou desolada, mas ninguém viu a reação da mocinha com a trágica notícia porque houve um atropelo de acontecimentos.

Houve uma passagem de tempo de um ano para que Candoca se casasse com Tertulinho. No dia do casamento, Zé Paulino voltou para a fictícia cidade de Canta Pedra e presenciou a cerimônia. O telespectador até hoje não sabe como o rapaz se recuperou, como conseguiu sobreviver durante meses e nem o seu plano de vingança.

Mais 10 anos se passaram e o protagonista retornou milionário. Isso tudo em uma semana. Zé se indignou porque o seu pai foi demitido e expulso das terras do coronel Tertúlio (José de Abreu), mas nunca o visitou durante todo o tempo em que esteve ausente e ainda perdeu seu progenitor. O público também nem viu o pobre homem falecer. O autor não se preocupou com nenhum momento de maior impacto da narrativa. Todos os instantes considerados de grande emoção foram descartados.

Anti-clímax

E a volta de Zé Paulino foi xoxa, capenga, desinteressante e decepcionante. Um verdadeiro anti-clímax. Nem pareceu que o protagonista ficou dez anos dado como morto. O único personagem que teve um choque plausível com o retorno foi o hilário Timbó (Enrique Diaz). Já os demais reagiram com uma naturalidade assustadora. A sensação era de que Zé voltou de uma longa viagem de férias e não de uma falsa morte.

Em qualquer folhetim minimamente bem estruturado, o retorno do personagem principal seria perto da metade da novela, após muita expectativa para provocar a ansiedade do telespectador. Mário não quis nada disso. Preferiu colocar o retorno da forma mais boba e apressada possível.

E o retorno não mudou a trama em nada. A história seguiria da mesma forma com ou sem Zé Paulino ali. Até porque ainda não há como saber qual o plano do protagonista. Quer se vingar de quem se nem sabe que Tertulinho tentou matá-lo há 10 anos? O mocinho já disse que pretende modernizar Canta Pedra e acabar com o poder dos coronéis. Tudo bem, mas ninguém sabe como fará isso.

Vilão se enfraqueceu

Até o vilão se enfraqueceu na novela. Tertulinho era o grande atrativo das primeiras semanas pelo seu deboche e cara de pau. Mas com a volta de Zé Paulino, o personagem perdeu a relevância e agora fica jogado na história planejando pelos cantos assassinar o mocinho. Uma situação que está andando em círculos. Será assim até março de 2023 (previsão de término do folhetim)?

Deodora (Deborah Bloch) é outra vilã que não disse a que veio. Parece uma figurante. E Candoca com Zé Paulino? Os dois estão felizes e reconciliados. O filho do casal já sabe sobre seu pai biológico e a relação deles está ótima. Ou seja, todos os ‘plots’ do roteiro já foram solucionados em tempo recorde.

Mas por qual razão? Para deixar a trama sem acontecimentos relevantes e estagnada? Porque o telespectador pode se dar ao luxo de não assistir até uma semana de história que não perde nada.

Personagens secundários

Outro problema visível na estruturação da narrativa é o destaque dos personagens secundários. Aliás, aqui vale um adendo importante: todos são excelentes e estão roubando a cena. A novela é sustentada por eles porque a trama central não sai do lugar. Só que ainda assim há claro problemas de desenvolvimento.

Vários perfis aparecem e somem do nada. Não há um fio condutor. Os personagens são usados para alguma esquete semanal e depois ficam desaparecidos por um tempo. A novela atualmente é uma sucessão de esquetes. Esquetes deliciosas, é preciso ressaltar.

A desta semana, por exemplo, foi a da prisão de Cira, interpretada pela maravilhosa Suzy Lopes, e a da chegada de Fubá Mimoso (o ótimo Marco França), assassino de aluguel contratado para matar Zé Paulino. A sequência da redenção do matador se deu em uma impagável cena protagonizada por Xaviera (Giovanna Cordeiro) fingindo ser a Nossa Senhora da Conceição Aparecida e Timbó soprando o texto que deveria ser dito. Uma sequência claramente inspirada em O Auto da Compadecida. Foi bonito e divertido. Mas são situações pontuais.

Perfis que aparentavam um destaque interessante mal têm aparecido, como o agiota Vespertino (Thardelly Lima), o Zé Leiteiro (Matteus Cardoso), Rosinha (Sara Vidal), a prefeita Jessilaine (Giovanna Figueiredo), e o jornalista Eudoro (Érico Brás). Até a atrativa relação entre o príncipe Maruan (Pedro Lamin) e a atrapalhada Labibe (Theresa Fonseca) começa a ser construída, mas sofre interrupções sem sentido.

Mar do Sertão é uma novela que diverte quem assiste. É leve e cheia de personagens carismáticos. A boa audiência é um reflexo disso. Uma pena que Mário Teixeira tenha tanta dificuldade em desenvolver seu roteiro, prejudicando os perfis tão bem interpretados pelo elenco. A trama principal já perdeu o fôlego e as secundárias têm sido o alicerce da obra, mas ainda assim com deficiências que precisam ser consertadas.

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