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Os recentes cortes em cenas de afeto envolvendo pessoas do mesmo sexo em produções da Globo causaram estranheza no público. Afinal, beijos entre dois homens ou entre duas mulheres já não eram um tabu tão grande, pois já foram exibidos anteriormente em todos os horários, da extinta Malhação à novela das onze.
Porém, os cortes envolvendo os casais gays de Vai na Fé e da série Aruanas mostraram que a Globo recuou em sua parcial tentativa de naturalizar a relação homossexual em suas tramas. Este retrocesso, que pode atingir Amor Perfeito (foto acima) estaria ligado à mudança na direção da emissora, que agora tem Amauri Soares como um dos principais “chefões” do canal.
Troca de comando
Em junho deste ano, Ricardo Waddington deixou a direção geral dos Estúdios Globo, passando o bastão para Amauri Soares (foto acima). O executivo, que já era diretor da TV Globo, agora acumula as funções de Waddington e já está promovendo mudanças.
De acordo com Carla Bittencourt, colunista do portal Notícias da TV, partiu de Soares a ordem para que Vai na Fé passasse a “pegar mais leve” nas cenas envolvendo casais homossexuais. A trama, que já havia exibido um beijo envolvendo Yuri (Jean Paulo Campos) e Vini (Guthierry Sotero), teve censurada a cena em que Clara (Regiane Alves) e Helena (Priscila Sztejnman) se beijariam pela primeira vez.
Depois disso, a novela das sete nunca mais mostrou um beijo entre pessoas do mesmo sexo. Outros beijos de Clara e Helena foram igualmente cortados, assim como um selinho entre Yuri e Vini. Ainda segundo Bittencourt, o novo diretor vetou beijos gays para não espantar espectadores conservadores e evangélicos que acompanham a trama das sete.
Virou Record?
Além de Vai na Fé, outra produção da Globo também teve um beijo entre duas mulheres cortado. Em Aruanas, série exibida nas noites de terça-feira, dois beijos envolvendo Olga (Camila Pitanga) e Ivona (Elisa Volpatto) foram editados. No Globoplay, as sequências estão disponíveis sem cortes.
Segundo Carla Bittencourt, a censura não deve parar por aí. A colunista informou que Amauri Soares teria solicitado que até mesmo a direção de Terra e Paixão fosse mais discreta com relação ao romance que deve acontecer entre Mara (Renata Gaspar) e Menah (Camila Damião).
Amor Perfeito também vai recuar. Érico (Carmo Dalla Vecchia), que é homossexual e é até chantageado pela vilã Gilda (Mariana Ximenes) por conta de sua condição, se envolverá com uma mulher. O advogado e Verônica (Ana Cecília Costa) devem viver um novo romance.
Ou seja, a nova direção da Globo parece estar adotando um “estilo Record”. Filha do bispo Edir Macedo, Cristiane Cardoso assumiu a teledramaturgia da emissora e cortou novelas contemporâneas, acabando com qualquer tentativa de voltar a produzir novelas que abordassem temas considerados polêmicos. Amauri Soares vai pelo mesmo e controverso caminho?
Passo atrás perigoso
Essa onda conservadora que paira nas produções da Globo é perigosa. A emissora já havia avançado bastante no trato a questões envolvendo diversidade sexual, a ponto de incluir personagens de diferentes orientações em todas as suas novelas e séries. Houve alguns equívocos neste caminho, mas as coisas haviam avançado depois que Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) se beijaram no final de Amor à Vida (2013, foto acima).
A evolução, mesmo lenta, vinha acompanhando o avanço do debate sobre o assunto na sociedade. Atualmente, a imprensa trata do assunto com naturalidade, e até o mercado publicitário já se colocou mais progressista. Ou seja, se no passado as emissoras abafavam o assunto com medo de perder anunciantes, isso já não é uma realidade.
Sendo assim, não faz o menor sentido a Globo resolver acenar a um público conservador justamente quando os avanços começavam a se tornar tão evidentes. Ainda mais num momento em que o canal promove tantas campanhas sociais neste sentido e programa até um especial, Falas de Orgulho, para tratar do tema.
A emissora até criou uma diretoria de Diversidade e Inovação em Conteúdo para garantir representatividade em suas produções. Que representatividade é essa se um simples beijo de amor é encarado como um problema tão grave?