Não é de hoje que Silvio Santos surpreende a todos com decisões que implicam em mudanças drásticas na sua emissora, o SBT. Uma das “medidas intempestivas” do homem do Baú se deu em 1998, quando ele engavetou duas novelas inteiramente gravadas para colocar no ar, às pressas, uma trama ainda em estágio embrionário: Fascinação, de Walcyr Carrasco, que atualmente escreve Terra e Paixão na Globo.
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A resolução tomou os envolvidos nos três folhetins de surpresa. O Direito de Nascer, marco da teledramaturgia nacional – quando exibida pelas TVs Tupi e Rio, em 1964 –, já estava concluída na ocasião. Guilhermina Guinle, Jorge Pontual e Dhu Moraes respondiam por Maria Helena, Albertinho Limonta e Mamãe Dolores: a mãe que tem o filho roubado, o rapaz em questão e a mulher que o criou.
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Outra obra pronta para exibição era Pérola Negra, baseada num texto argentino. Patrícia de Sabrit respondia pela protagonista Pérola, um jovem estudante que desconhece sua origem. Ela é obrigada a assumir a identidade da melhor amiga, Eva (Vanusa Splinder), o que acaba por colocá-la justamente na família que tanto buscou, liderada com mãos de ferro pela temida Rosália (Maximira Figueiredo).
A razão da mudança orientada por Silvio Santos estava no êxito de Xica da Silva (1996), clássico da Manchete. O autor Walcyr Carrasco, que assinou a novela com o pseudônimo Adamo Angel, era contratado do SBT na ocasião. Sem chances de desenvolver seu trabalho na emissora, ele topou desenvolver o projeto da concorrência na “clandestinidade”.
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Chiado nos bastidores
Como castigo, o “patrão” manteve Walcyr sob contrato e ainda exigiu que ele se virasse para entregar uma sinopse em tempo recorde – vislumbrando o êxito alcançado pela estação dos Bloch. Perspicaz, Carrasco desenvolveu um folhetim com os elementos que fizeram o sucesso da Dramaturgia do SBT: drama centrado numa figura feminina de peso, narrativa concentrada em poucos personagens e humor leve.
Mas a opção por Fascinação acirrou os ânimos dos envolvidos em O Direito de Nascer e Pérola Negra. Patrícia de Sabrit manifestou seu descontentamento em depoimento à revista Contigo!, em 1998:
“Fico chateada e decepcionada. É frustrante passar oito meses trabalhando, gravando de segunda a sábado, fazer um grande papel e não poder ver o resultado”.
Jorge Pontual, por sua vez, afirmou à mesma publicação não ter ficado surpreso com a resolução do homem do Baú. A equipe já estava “no escuro” desde o início das gravações.
“Estávamos esperando qualquer decisão de Silvio Santos e agora temos que respeitá-la. Mas acho uma bobagem não exibir uma novela que já está pronta”, afirmou.
Apostas certeiras
Batizada Alma Gêmea, título futuramente empregado em uma novela de Walcyr Carrasco para a Globo, a sinopse aprovada e produzida em tempo recorde ganhou novo título, Fascinação – absorvendo a canção de mesmo nome, na versão de Nana Caymmi, para a abertura.
Para o elenco, o SBT recrutou nomes ainda desconhecidos, mas de muito talento. Regiane Alves, em sua estreia na TV, respondeu pela heroína Clara. Marcos Damigo, encarregado do galã Carlos Eduardo, contava com apenas uma participação no Você Decide. O mais experiente do trio de protagonistas era Heitor Martinez, o vilão Alexandre, com passagem pela minissérie Sex Appeal (1993) e pela novela Cara & Coroa (1995).
Mariana Ximenes foi outro lançamento da trama – como Emília, enteada de Clara –, que, no time dos veteranos, reunia Glauce Graieb (Melânia), Lia de Aguiar (Querubina), Luiz Carlos de Moraes (Manoel Gouveia) e Miriam Melher (Guiomar). Esta última relatou a reação do elenco diante da “precipitação” de Silvio:
“Estávamos começando as gravações sem saber quando entraríamos no ar. A notícia, que nos deixou contentes, veio de surpresa”.
Enfim, o sucesso
Ambientada na década de 1930, Fascinação narrava a trajetória de Clara, jovem de família humilde que apaixonava-se por Carlos Eduardo, filho de Melânia (Glauce Graieb). Esta via em Berenice (Samantha Dalsoglio), de família abastada, a chance dela e do filho saírem da péssima situação financeira em que se encontravam.
Para separar Carlos e Clara, Melânia pediu ajuda ao ambicioso Alexandre (Heitor Martinez), que se passava por pai do filho que a mocinha estava esperando. A criança era, na verdade, herdeira de Carlos Eduardo. Numa virada digna dos melhores folhetins, Clara ganhou uma fortuna e pode vingar-se de quem a maltratou.
O enredo tradicionalíssimo bateu de frente com a ousadia de Torre de Babel, lançada nos mesmos dia e horário de Fascinação. A produção da Globo debatia o uso de drogas, a homossexualidade e a violência decorrente do deficitário sistema carcerário do país, o que impactou negativamente o público.
“Acho ótimo que ela estreia junto com ‘Torre de Babel’. Será uma boa opção para quem quiser chorar na frente da TV, com grandes histórias de amor”, ressaltou Walcyr Carrasco por ocasião do lançamento.
A jornalista Vera Jardim, em sua crítica no Jornal do Brasil, no dia seguinte à estreia de Fascinação, fez a seguinte observação:
“Previsível, despretensiosa e diametralmente oposta a ‘Torre de Babel’. O remake de Cinderela para gente grande pode ser pegajoso, mas funciona como opção para quem tem duas TVs. O que chama atenção é a beleza da protagonista Regiane Alves, que tem força no olhar e no sorriso”.
Apesar do início atabalhoado, Fascinação fez bonito na audiência. Com médias próximas dos dois dígitos, a novela permaneceu no ar entre 25 de maio e 6 de novembro de 1998 e ganhou reapresentações em 2004 e 2011.
Pérola Negra foi exibida na sequência. Em mais uma atitude inusitada, Silvio Santos exibiu trechos dela e de O Direito de Nascer para suas colegas de auditório, que optaram pela adaptação do texto argentino. O dramalhão de origem cubana só foi ao ar em 2001, às 18h.