Há um bom tempo que ouço muita gente falar que Twin Peaks é uma das maiores séries de todos os tempos e, desde então, vinha procurando espaço dentre tantas que assisto para finalmente descobrir o motivo desse título tão forte dado à série.

Quando saiu a notícia de que ela retornaria, 25 anos após a exibição de seu último episódio pela ABC – antes de ser cancelada pela emissora -, surgiu mais um motivo para que eu assistisse aos episódios da fase clássica. Por que Twin Peaks é tão aclamada e possui fãs tão fervorosos? Por que ela é considerada cult? Por que ela retornaria depois de tantos anos?

Desde que passei a me interessar por cinema, descobri diversos diretores autorais que possuem uma marca registrada em seus filmes, uma certa originalidade que os fazem se destacar dos demais. Um deles, sem dúvida, é David Lynch. De seus filmes, só conferi Veludo Azul, mas já assisti a algumas cenas de outros trabalhos seus, o que me fez imaginar como seria uma série de televisão sua na TV aberta americana, que na época ainda possuía um público bem conservador e séries mais lights.

Pois é justamente esse um entre outros tantos motivos que fazem com que Twin Peaks seja um marco na história da televisão mundial e das séries americanas. Junto com Mark Frost, outro roteirista de televisão, Lynch assinou um contrato com a ABC (ainda relutante em fazê-lo a princípio) para produzir o piloto, que acabou tendo duas versões: uma delas com cerca de 20 minutos a mais para fechar a história caso não fosse aprovada e que seria lançada como telefilme para que a emissora não desperdiçasse o dinheiro.

Eis que em 8 de Abril de 1990, vai ao ar o piloto de Twin Peaks, inaugurando na TV americana um tipo bem diferente de série que mais tarde seria fonte de inspiração para diversas outras e que causou rebuliço na época com o mistério em torno da morte de Laura Palmer. Sua 1ª primeira temporada foi um sucesso de audiência e crítica, fazendo com que a ganância da ABC falasse mais alto e encomendasse uma 2ª temporada desnecessariamente completa, de 22 episódios.

A primeira temporada, sendo mais curta, é a melhor das duas por trazer uma história mais concisa, sem encheção de linguiça, focando na cruzada do agente do FBI Dale Cooper investigando o assassinato de Laura Palmer, nos mistérios por trás da morte dela, e também nos moradores da pacata cidade de 51.201 habitantes.

A série faz um excelente trabalho de desvendamento de cada personagem, mostrando que todos são suspeitos e possuem seus próprios podres. Não existe ninguém que seja totalmente bonzinho, o que acaba até casando com a trilha sonora marcante composta por Angelo Badalamenti. A trilha de abertura traz um tom esperançoso e melancólico ao mesmo tempo e as trilhas que tocam durante os episódios trazem um tom de sedução, de mistério e cômico, características fundamentais de Twin Peaks.

Por trazer uma narrativa de mistério e suspense tão linear, além de algumas cenas perturbadoras e que só aumentavam a curiosidade do espectador pelo universo incógnito da série, não deu em outra: renovação para a segunda temporada. Esta, por ser longa demais, acabou perdendo bastante qualidade de história, o que forçou os roteiristas a revelarem quem seria o assassino de Laura Palmer antes do tempo, fazendo com que da metade da temporada até os seus dois últimos episódios a série decaísse tanto em qualidade que tal fator acabou contribuindo para seu cancelamento.

Logo após a revelação, diversas tramas foram implementadas e não tinham qualquer conexão com o universo que fora criado primeiramente e que tanto fez os fãs se engajarem. Nessa fase da temporada se vê uma Twin Peaks mais melodramática, mais novela, parecendo com o tipo de série que se tinha comumente na época, perdendo a estética única e a ousadia que a fazia se destacar.

Isso também se deve ao fato de seus criadores (Frost e Lynch) estarem afastados da série para trabalhar em projetos paralelos. Tudo isso é retomado na fase final da temporada, que nos traz em seu último episódio uma das sequências mais sensacionais e memoráveis de todos os tempos, bem perturbadora e confusa no maior estilo David Lynch. Não à toa os melhores episódios da série são dirigidos por ele.

Apesar de todos os fatores citados aqui que contribuem para a curta decaída de qualidade da série na 2ª temporada, para os amantes de séries é mais do que válido conferir Twin Peaks, pela atmosfera única que ela traz e por todos os elementos que só aumentam a diversidade e a riqueza de sua história.

As cenas de sonho do Cooper, o casino, a lanchonete, sem falar na direção de arte impecável que nos traz cenários extremamente coloridos, muito marrom devido à madeira das paredes, e as tão marcantes cortinas vermelhas que fazem os olhos brilharem, tamanha é a beleza que elas trazem pro visual da série e é uma de suas principais referências.

Ainda não conferi a 3ª temporada que estreou esse ano pela Showtime e que está sendo disponibilizada semanalmente pela Netflix, mas estou muito curioso para saber como essa história continuará 25 anos depois do fim da sua fase clássica, algo que é dito até mesmo no último episódio da temporada (mas não darei spoilers), ainda mais que essa será, segundo o próprio David Lynch, sua despedida do audiovisual, já que o mesmo disse que não pretende mais fazer filmes. Sendo todos os episódios dessa 3ª temporada escritos e dirigidos por ele, pode se esperar muita abstração, bizarrice e mistério, algo que certamente agradará seus fãs mais fieis.


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