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Daniel Ortiz ainda pode ser considerado um autor ‘novato’. Afinal, Salve-se Quem Puder foi sua primeira novela autoral, de fato. As duas anteriores foram criadas por outros escritores. A sua estreia como autor solo foi com a despretensiosa Alto Astral, em 2014, baseada na sinopse da saudosa Andrea Maltarolli, falecida em 2009. Foi um começo bem-sucedido. Já a fraca Haja Coração, de 2016, era um remake de Sassaricando (1988), de Silvio de Abreu, escritor veterano que o lançou. E a produção que chegou ao fim nesta sexta-feira, uma obra original, já pode ser considerada o melhor trabalho de Ortiz.
A premissa de Salve-se Quem Puder tinha tudo para cair no absurdo e no ridículo, mesmo na faixa leve das 19h. Mas funcionou. Os sonhos das protagonistas Luna (Juliana), Alexia (Deborah) e Kyra (Vitória) são interrompidos quando elas presenciam a execução de um juiz (vivido por Ailton Graça) e são obrigadas a viver sob custódia do Programa de Proteção à Testemunha. Para sobreviver, elas mudam o nome, a aparência, o estilo de vida e vão morar na fictícia Judas do Norte, no interior de São Paulo, depois que são dadas como mortas. Luna assumia o nome de Fiona, Alexia virava Josimara e Kyra era Cleyde, novas pessoas com um padrão de vida bem diferente. Mas tudo deu errado e o trio acaba voltando para São Paulo.
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O início da novela tem um clima de superprodução. Isso porque abusaram dos efeitos especiais para a reprodução de um furacão no México, bem no dia que as protagonistas testemunham o assassinato que transforma suas vidas. E valeu a pena o esforço da produção. Foram 17 dias de filmagem. Os efeitos convenceram e não ficaram devendo aos filmes que utilizam os recursos em enredos com catástrofes naturais.
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Uma qualidade do folhetim vista logo no começo foi a habilidade em mesclar sequências de ação com situações cômicas, o que costuma ser uma tarefa complicada. Não demorou para o público comprar a história e se envolver com os conflitos já promovidos diante de tantas situações um tanto quanto inusitadas.
A história teve um humor farsesco e infantil, o que não é um demérito, apenas uma característica. E o elenco conseguiu entender bem a proposta da novela, após um início um pouco inseguro. Os personagens caíram no gosto do público e o sucesso de audiência foi quase imediato. O enredo emplacou e tudo se encaminhava bem. A audiência estava em torno dos 29 pontos, índice excelente para a faixa. Todavia, a trama sofreu uma interrupção por conta da pandemia do novo coronavírus. As gravações foram paralisadas em março de 2020 e retomadas apenas em setembro, com perdas no elenco, redução do número de capítulos e entrada de novos personagens. Foram gravados durante a pandemia 53 capítulos e a obra perdeu 55 capítulos. A continuação no ar só foi iniciada em maio de 2021, após a reprise de toda a chamada primeira fase. E o risco de se perder por completo, como ocorreu com Amor de Mãe, era alto. Mas o autor se saiu muito bem e conseguiu deixar seu roteiro mais atrativo. Ainda acertou quando transformou as fugitivas em ‘heroínas’ atrapalhadas, em um estilo parecido com As Panteras, mas sem inteligência alguma.
A diminuição do número de capítulos evitou a famigerada ‘barriga’ (o período de enrolação, quando nada de muito relevante acontece durante semanas) e o foco maior no trio protagonista deixou a novela bem mais dinâmica. Vale lembrar que Ortiz deixou um ótimo gancho no término da primeira parte: a vilã Dominique (Guilhermina Guinle) flagrando Luna viva e tentando matá-la. A continuação da sequência, muito bem dirigida pela equipe de Fred Mayrink, ficou tão perfeita que foi difícil perceber que era fruto de gravações repletas de protocolos sanitários. E as cenas de ação agradaram. Aliás, ter ignorado a pandemia foi o maior acerto da retomada. Uma das causas para o naufrágio de Amor de Mãe foi a inserção do coronavírus no enredo.
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E a segunda parte apresentou ótimos ganchos em praticamente todos os capítulos, o que virou um bom chamariz para a produção. Fora o atrativo de ter sido a única novela inédita da Globo no momento. A equipe disfarçou com habilidade as limitações impostas pela pandemia e o foco quase total em cima dos desdobramentos do núcleo principal, incluindo os dilemas das mocinhas em seus respectivos triângulos amorosos, foi o bastante para prender o telespectador e promover um bom engajamento nas redes sociais. Até a entrada de novos personagens não prejudicou o roteiro e as alternativas para os intérpretes que precisaram se afastar foram satisfatórias, como Otávio Augusto (Inácio) —- grupo de risco —- aparecendo por vídeo-chamada e Sabrina Petraglia (Micaela) — na época grávida do segundo filho — protagonizando uma bonita despedida ao lado de Marcos Pitombo (Bruno). Também foi uma boa ideia manter Marianna Armellini na trama, mesmo após a saída repentina de Micaela. A estratégia da criação de uma ‘gêmea boa’ (a falsa puritana Marlene) funcionou, pois a gêmea má perdeu a função sem o alvo de sua vingança —- um conflito que nem atraía antes da paralisação, vale ressaltar. Ainda serviu para substituir a querida Marilu Bueno, que é do grupo de risco.
Aliás, a escalação do elenco, em sua grande maioria, foi muito feliz. A sintonia das protagonistas foi imediata e ficou ainda melhor ao longo dos meses. Juliana Paiva emocionou com sua Luna, Deborah Secco divertiu com Alexia e Vitória Strada mostrou uma nova faceta cômica na pele da atrapalhada Kyra, após duas mocinhas dramáticas seguidas na ainda inicial carreira. Guilhermina Guinle e Leopoldo Pacheco convenceram como os grandes vilões Dominique e Hugo; enquanto Rafael Cardoso esteve ótimo na pele do dúbio Renzo, que teve um bonito arco de redenção. Bruno Ferrari brilhou como Rafael e mostrou mais uma vez que merece melhores oportunidades na Globo. Thiago Fragoso virou um especialista em heróis românticos e novamente roubou a cena (e uma das mocinhas) na pele do sensível Alan. Felipe Simas se firmou de vez no primeiro time da emissora e fez do sofrido Téo um dos destaques da novela. João Baldasserini e Grace Gianoukas fizeram uma divertida dupla como os caipiras Zezinho e Ermelinda, ao mesmo tempo que Murilo Rosa emocionou na pele de Mário.
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Já Flávia Alessandra acabou valorizada pela primeira vez por um autor que não foi Walcyr Carrasco. Até hoje os melhores papéis da carreira da atriz foram os escritos pelo escritor e amigo pessoal. No entanto, Ortiz a presenteou com Helena, que inicialmente parecia uma vilã camuflada até se revelar uma grande sofredora que nunca superou a ‘morte’ da filha e ainda caiu em uma armadilha criada pelo marido. Flávia protagonizou muitas cenas intensas e virou um dos maiores trunfos da história. Por sinal, é dela a cena mais emocionante de Salve-se Quem Puder: o reencontro de Helena e Luna. A intérprete deu um show de emoção ao lado da talentosa Juliana Paiva. Foi a catarse mais aguardada do folhetim. Ainda é necessário elogiar outros nomes, como Otávio Augusto, Carolina Kasting (Agnes) —- prejudicada com o encurtamento da produção —-, Daniel Rangel (Tarantino), Valentina Bulc (Bia), Ana Carbatti (Consulesa Adriana), Babu Santana (Nanico), Sophia Abrahão (Júlia), Juliana Alves (Renatinha) e Cristina Pereira (Lúcia).
Porém, nem tudo funcionou. O núcleo da ginástica artística foi o maior prejudicado pela interrupção das gravações e corte de capítulos. Ainda assim, nunca despertou interesse. A trama de Bia, uma mulher linda que sofria com sua aparência por ter uma pequena cicatriz em virtude de um marcapasso, era forçada e todos os personagens ao redor dela não emplacaram. Ao menos o casal com Tarantino deu certo. Outro equívoco foi o enredo de Petra (Bruna Guerin). A vilã não aconteceu e a atriz deixou a desejar. Todas as tentativas de conquistar Alan andavam em círculos e quando a personagem sumiu por vários capítulos nem deu para notar a ausência. Ironicamente, a irmã de Alexia era uma atriz que não emplacava em uma novela e acabou sumindo da história. É necessário criticar também o pouco destaque dos atores negros. Não adianta um elenco diverso se não há conflitos relevantes para valorizar os intérpretes. Juliana Alves, Aline Dias (Úrsula) e Dandara Mariana (Bel) eram as rivais das mocinhas brancas e mal apareceram. Gabriela Moreyra entrou na segunda fase, mas Aurora teve ainda menos destaque que as colegas. Cosme dos Santos (Edgar) foi outro subaproveitado.
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O autor também não foi feliz no excesso de triângulos amorosos. Daniel sempre gostou do recurso, mas perdeu a mão. O trio formado por Rafael, Kyra e Alan era o único com uma boa construção e valeria para toda a trama. Não havia necessidade de inserir um amor de infância de Luna e forçar uma dúvida que a mocinha já não tinha em relação a Teo apenas para criar um ‘suspense’ no final. Rodrigo Simas esteve bem como Alejandro, mas com a saída de José Condessa (Juan) bastaria focar nos outros vários dramas da personagem para sustentar a história. E Luna era a que tinha o melhor enredo. Inclusive, ainda no núcleo, o escritor esqueceu que Gabi (Nina Frosi) armou uma falsa traição de Juan, no início da novela, para Luna terminar com ele e fingiu que nada aconteceu na primeira fase. Seria até menos pior se houvesse uma construção amorosa entre ela e Alejandro, pois ficou forçado a junção entre o mexicano e Bel.
Por sinal, um equívoco arrastar os triângulos até os últimos capítulos. Colocar mocinhas indecisas até o fim enfraquece a narrativa dos romances e cria um suspense desnecessário. Qual a necessidade de deixar as duas bancando as sonsas e fazendo os rapazes de idiotas? A audiência não diminuiria se tudo tivesse sido resolvido antes e deixado para os momentos derradeiros apenas a conclusão da ótima trama sobre a organização criminosa que perseguia as mocinhas.
Mas as qualidades da produção foram maiores que os defeitos. E não é exagero afirmar que o encurtamento da trama beneficiou muito o conjunto. Até pelas próprias declarações de Ortiz. Segundo o autor, haveria outro triângulo amoroso entre Helena, Agnes e Mário, com a mãe de Kyra grávida de um filho do pai de Luna. O núcleo da ginástica artística também teria um triângulo com Bia, Tarantino e mais uma personagem. Ou seja, o risco de se perder com mais de 160 capítulos, como aconteceu em Haja Coração, era bem alto. A história ficou bem mais agradável e redonda com 107 capítulos.
As melhores cenas da última semana foram em torno do encerramento da saga dos vilões. A morte de Hugo, assassinado por Helena após ter sequestrado a ex e Luna, e a prisão de Dominique foram resultado de conflitos muito bem dirigidos e interpretados. Destaque para Guilhermina Guinle, Leopoldo Pacheco, Flávia Alessandra, Juliana Paiva, Deborah Secco e Felipe Simas. O único equívoco foi a não participação de Kyra. A terceira protagonista ficou de fora da conclusão de sua própria história porque o autor resolveu priorizar o triângulo com Alan e Rafael. Mas pelo menos Vitória Strada protagonizou uma bela cena com Carolina Kasting, quando Kyra voltou para casa e fez uma surpresa para sua mãe. Outro lindo momento foi quando Luna reencontrou seu pai e os dois deram um abraço caloroso. Ju Paiva e Murilo Rosa emocionaram.
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Uma pena que o autor tenha pecado nos capítulos finais. Ter resolvido o enredo da organização criminosa na segunda e na terça, deixou os três dias restantes arrastados e baseados apenas em triângulos amorosos. Após todo um desenvolvimento entre Kyra e Alan, o autor resolveu juntar a personagem com Rafael, o seu primeiro amor. Vitória teve química com Bruno e Thiago e o triângulo foi o único consistente. Ou seja, nenhum final ficaria forçado. Mas da forma como o autor fez ficou. Alan pediu Kyra em casamento e teve o pedido negado. Isso depois que Júlia botou Kyra contra a parede porque estava apaixonada pelo Rafael. E Kyra nem se despediu das crianças que tanto a amavam e muito menos do Seu Inácio, que só tomava remédio por causa dela. Pareceu, ainda, que a esterilidade de Alan era um ‘defeito’. Custava ter desenvolvido uma relação do Alan com Júlia ao invés de simplesmente juntá-los no final de forma gratuita? Ou então ter escrito uma cena em que Alan conhece a personagem de Mariana Ximenes. Isso porque a atriz foi chamada para uma participação no final, em meio a uma pandemia, e nem teve a cena exibida —- ela faria par com Teo, caso Luna escolhesse Alejandro. Um total descaso com a intérprete.
O final de Luna com Teo foi coerente com toda a narrativa, mas Ortiz também errou ao estender até o final uma dúvida que a mocinha nunca teve. Sempre foi óbvio o seu amor pelo enteado da mãe e essa tentativa de criar um suspense bobo prejudica o próprio roteiro. Daria tempo para ter um desenvolvimento entre Alejandro e Bel, de uma forma que valorizaria Dandara Mariana, tão deslocada no enredo. Mas o escritor preferiu apenas empurrá-la para Alejandro nos momentos finais e sem construção. Isso é péssimo para qualquer novela. Daniel também falhou ao não exibir o final de Bruno e Micaela (os atores gravaram durante a pandemia a última cena e a atriz estava grávida). A reconciliação entre Rafael e Renzo também fez falta. Decepcionante. O ponto alto do desfecho foi Petra sendo expulsa do elenco da novela e chamando a Globo de comunista, igual aos eleitores do presidente. Alexia ganhando a fama e o reconhecimento que tanto almejou também foi um acerto, assim como a cena final com as três em Cancún e brindando a amizade que acabou criada em meio a um furacão que estava prestes a retornar.
Salve-se Quem Puder se mostrou um folhetim leve, agradável e que se tornou uma boa alternativa para aliviar um pouco a cabeça do brasileiro em tempos tão difíceis. Aquele típico entretenimento bobinho e despretensioso, mas não menos necessário. Entre erros e acertos, o saldo ficou positivo. O sucesso é uma resposta justa do público diante do que foi apresentado.